A volta às aulas após 2 anos de ensino remoto na pandemia deveria ser de alívio, mas tem gerado transtornos a estudantes e professores da Universidade Federal do Ceará (UFC). Eles criticam a não cobrança do passaporte vacinal, superlotação em restaurantes e ônibus, e ausência de internet nos blocos didáticos.
O retorno ao ensino presencial na UFC ocorreu na quarta-feira (16). Em nota no site, a instituição garantiu que “o balanço final foi positivo, com sucesso em todas as unidades”, o oposto do que a comunidade acadêmica dos campi Fortaleza e do interior relata.
As principais reclamações apontadas por discentes e docentes ouvidos pelo Diário do Nordeste foram:
- Superlotação e falta de refeições no Restaurante Universitário;
- Não cobrança do comprovante de vacinação contra a Covid;
- Falta de distanciamento físico nas salas de aula;
- Ônibus intracampus e intercampi operando com frota insuficiente e em horários incompatíveis com os das aulas;
- Falta de internet nos blocos didáticos, dificultando o acompanhamento de algumas aulas ainda remotas.
Para Raimundo Oliveira, 24, estudante de Psicologia da UFC em Sobral, o retorno ao presencial “está muito bagunçado”. “Há muito tempo todo mundo queria voltar, mas não assim. Não estão cobrando a vacinação, e nosso campus não tem infraestrutura”, diz.
Outro problema, segundo ele, é que, apesar de as atividades já terem retornado no dia 16, o ônibus que transporta os estudantes dentro do campus ainda não está funcionando. “Só dia 21, e não vai funcionar de manhã. Dá pra entender?”, questiona.
Se em Fortaleza a infraestrutura é ruim, no interior ela nem existe. Onde tem espaço já é difícil garantir o distanciamento, salas arejadas, imagine onde não tem.
O estudante Marco Aurélio Gonçalves, 19, que ingressou no curso de Engenharia da Computação no campus de Sobral em 2021, aponta outro serviço essencial que não acompanhou a volta dos alunos: o RU.
“Em geral, achei o retorno bem tranquilo, o único problema é que o Restaurante Universitário voltará a funcionar apenas na próxima semana, e os alunos tiveram que arranjar outra forma pra se alimentar”, pontua.
Já em Quixadá, “o sentimento é de que o retorno foi feito de última hora, com protocolos e orientações poucos dias antes de tudo voltar”, como relata um estudante do campus que preferiu não ser identificado.
A volta às aulas de início gerou apreensão e incertezas. Já sou veterano, porém para um calouro acredito que a situação foi mais delicada. Parece que durante 2 anos de pandemia, tempo mais que necessário para a UFC se organizar, não se organizou.
O universitário, que ingressou no ensino superior em 2020 e teve apenas 1 mês de aula antes da pandemia, destaca ainda que “o passaporte não está sendo cobrado, houve apenas um formulário perguntando quem tinha se vacinado ou não”. “O problema não é só de Quixadá, vem de cima”, opina.
Problemas na capital
Em Fortaleza, no Campus do Pici, o RU até abriu, mas atravessado por inúmeras críticas. O estudante de Geografia José Luiz Neto, 20, reclama que além das “filas enormes”, a falta de refeições suficientes para a demanda é uma questão séria.
“Agendei o almoço para 12h e só comi 12h50. Tive que almoçar sobras: só macarrão e caldo de peixe”, descreve Luiz, que ingressou na UFC em 2019, numa realidade muito diferente da atual.
É irônico, porque quando a gente entra no RU tem um painel dando dicas para diminuir o contágio: ‘diminuir aglomeração’, mas tem uma fila enorme; ‘use álcool em gel’, e não tinha pra gente usar. E o comprovante de vacina não está sendo utilizado.
Outra queixa que se repete entre os alunos do interior e da Capital é sobre o transporte dentro e fora dos campi. “Diminuíram a frota que roda no Campus do Pici, agora é 1 ônibus a cada meia hora. Superlotado, é impossível usar. Entre os campi, o horário é até 20h. Há cursos que têm aula até 22h”, ilustra Luiz.
“Como saber se estamos seguros?”
A UFC prevê, no conjunto de normas para volta às atividades presenciais, a exigência de imunização com pelo menos duas doses ou dose única contra a Covid – mas, na prática, segundo alunos e professores, a cobrança do comprovante não tem sido realizada.
Arthur Clemente, 19, estudante de Arquitetura e Urbanismo, num dos campi do Benfica, destaca que “alguns professores cobram, outros não”, deixando um clima de insegurança e tensão entre a comunidade acadêmica.
Como sabemos se estamos seguros? Alguns professores pedem o passaporte, outros não. Na Uece, eles pediram na hora da matrícula, no sistema. Na UFC, não. Na entrada do RU, tinha o aviso sobre a cobrança, mas não pediram. Ficamos à deriva.
Irenísia Oliveira, vice-presidente do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais do Ceará (ADUFC) e professora do Departamento de Literatura da UFC, define que “o retorno foi muito mal preparado”, e que a pressão sobre garantir a própria segurança e a dos alunos tem recaído sobre os professores.
“Não tivemos orçamento pra adaptar salas e equipamentos. Alguns professores com mais de 60 anos podem ficar em trabalho remoto, então os alunos precisam de internet no Bloco Didático para acompanhar as aulas. Mas não tem”, frisa a docente.
A cobrança do passaporte de vacina é outro problema: a Reitoria não determinou quem iria cobrar. Estão orientando que os professores não devem pedir. Na prática, não está sendo cobrado.
Segundo ela, cumprir um distanciamento mínimo “não está sendo possível”. “Temos turmas muito grandes, principalmente as de ingressantes, com até 50 alunos. O que se diz é que o distanciamento foi dispensado, mas o que reina é a insegurança”, lamenta.
Bruno Rocha, presidente da ADUFC, reitera que no campus da UFC no interior, como em Crateús, por exemplo, onde ele esteve para acompanhar a volta às aulas, os problemas também chegam.
UFC
A reportagem solicitou à assessoria de comunicação da UFC um posicionamento a instituição sobre cada ponto denunciados por alunos e professores. Em nota, a UFC destacou que, “de maneira geral, o retorno presencial ocorreu em clima tranquilo e organizado, com um feedback bastante positivo da imensa maioria dos nossos estudantes, professores e diretores de unidades acadêmicas”.
Contudo, diz a instituição, após dois anos de distanciamento e ensino remoto e híbrido, era esperado que “alguns ajustes se fizessem necessários”.
A UFC respondeu ponto a ponto os assuntos focos de queixas no retorno presencial:
- Restaurante Universitário
De acordo com a Universidade, o atraso da entrega de refeições no Restaurante Universitário em Fortaleza, que gerou aumento nas filas de espera, “foram registrados em um processo de notificação à atual empresa responsável pelo fornecimento
de refeições”.
A referida empresa, diz a UFC, deverá apresentar, em 48 horas a partir da notificação, um plano de ação com soluções para as inadequações apontadas no relatório da equipe de nutrição da Universidade. A empresa começou a prestar serviços à UFC em janeiro de 2022, explica a Universidade, e até o dia 16 de março atendia uma demanda residual de estudantes moradores das residências universitárias.
- Cobrança do passaporte
A UFC diz que os alunos foram perguntados, durante o ato da matrícula, se haviam tomado a vacina, e também tiveram a opção de não responder ou de declarar não terem sido vacinados. Dos que responderam - a UFC não informou o total - 97% disseram ter sido vacinados.
A instituição afirma que a “a Administração Superior da UFC confia na boa fé de sua comunidade, ao mesmo tempo em que garante àqueles que não estão vacinados ou que fazem parte do grupo de risco de terem um atendimento específico no retorno presencial”. A nota não detalha como isso está ocorrendo ou ocorrerá na prática.
- Transporte intercampi
Na nota, a Superintendência de Infraestrutura (UFC Infra) esclarece que “neste momento, a Universidade dispõe de apenas um ônibus para a oferta do transporte intercampi. Por isso, foi necessário ajustar o serviço de acordo com a capacidade da frota”.
Acrescenta que devido “à impossibilidade legal, estabelecida pelo Ministério da Economia, de aquisição de novos veículos pelas instituições federais, a UFC Infra estuda a viabilidade orçamentária para contratação de aluguel de ônibus para atender à demanda de transporte intercampi”.
- Distanciamento seguro nas salas de aula
A Universidade argumenta que no decreto do Governo Estadual não consta mais a necessidade de observância de distanciamento de 1 metro/1,5 metro nos ambientes, inclusive tendo sido liberados eventos sem limite de capacidade, sem detalhamento sobre a distância a ser mantida entre os indivíduos.
E diz também que o Plano de Retomada às Atividades Presenciais, elaborado pela Superintendência de Infraestrutura e Gestão Ambiental da UFC, não estabelece obrigatoriedade de um distanciamento mínimo nas salas de aula, mas fornece uma série de recomendações para a ocupação desses ambientes.
O uso da máscara, destaca o documento, “é exigido em toda a Universidade, o que, aliado à vacinação, tem permitido o retorno seguro dos estudantes”.
- Internet nos blocos
Em relação a esse ponto, a Superintendência de Tecnologia da Informação (STI) da UFC informou que não houve nenhum registro de queda no sinal ou de redução da qualidade do wi-fi nas unidades nas quais a tecnologia está instalada. Mas esclarece que o projeto de implantação da rede wi-fi institucional na UFC “está em pleno andamento, e o planejamento está sendo cumprido pela STI”.
A Superintendência afirma, que caso haja ausência de wi-fi em determinado bloco, isso não implica “qualquer tipo de prejuízo às aulas, uma vez que as atividades que exigem Internet ocorrem com a opção à cabo”.