André Trigueiro avalia luta contra crise climática: ‘nós perdemos o direito de errar’

Jornalista, que cobre área ambiental há mais de 30 anos, acredita que a mudança implica em contrariar interesses econômicos

Um jovem repórter cobria a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, conhecida como Rio-92 ou Cúpula da Terra, em 1992, pela Rádio Jornal do Brasil AM. Em paralelo, também acompanhava o Fórum Global no Aterro do Flamengo, com mais de 10 mil pessoas preocupadas com o rumo do planeta.

“Aquilo mexeu com minha cabeça, fiquei contaminado pela convicção de que a crise ambiental havia assumido uma proporção de não ser mais assunto apenas para biólogo, mas presente na pauta de todos os setores da sociedade, de todas as empresas e governos”, lembra o jornalista André Trigueiro.

Trigueiro foi responsável por levar reflexões sobre “Jornalismo ambiental na era dos extremos” durante o 8º Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Fortaleza – a primeira cidade do Nordeste a receber o evento, entre os dias 19 e 21 deste mês.

Após 32 anos da primeira cobertura marcante, o jornalista possui pós-graduação em Gestão Ambiental pelo Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPE/UFRJ), além de ser criador e professor do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).

André Trigueiro também é editor-chefe do Cidades e Soluções, veiculado na GloboNews cotidianamente há quase 20 anos, e autor do livro homônimo com subtítulo “Como construir uma sociedade sustentável”. No Em Pauta, outro programa da emissora, comenta os principais fatos do País.

Sendo referência para estudantes e profissionais, André Trigueiro foi recebido como inspiração para o encerramento do Congresso de Jornalismo Ambiental, na Universidade de Fortaleza, no último sábado (20). Sob uma perspectiva aprofundada, as reflexões de André transmitem segurança e rigor.

Em conversa com o Diário do Nordeste, o jornalista avalia que a mudança do sistema atual – nada saudável para o meio ambiente – implica em contrariar interesses econômicos e transformar ações cotidianas.

Como falar sobre meio ambiente e mudanças climáticas com pessoas que não conhecem sobre o assunto ou que estão com uma visão distorcida sobre o tema?

Nós somos contadores de histórias e precisamos aprender a contar essas histórias de uma maneira não apenas interessante, mas arrebatadora, que faça sentido e que as pessoas fiquem impressionadas. Às vezes, isso não depende de grandes assuntos, o bom jornalista me parece aquele que transforma assuntos banais, do dia a dia, em temas que são inadiáveis.

Se você escreve uma história que me impressiona, não tem como eu em algum momento do dia não compartilhar isso com alguém. Isso passa a ter, eu diria, uma retroalimentação positiva por caminhos não previstos.

Minha esposa interferiu na minha palestra hoje (21), porque ela mandou uma história que me pegou de jeito sobre um grupo de moradores, que não não são propriamente íntimos entre si, mas se mobilizaram para salvar uma árvore na rua diante da ameaça de ela ser retirada.

Outras pessoas também devem ter ficado comovidas, dizendo ‘olha que interessante’, os moradores não se articularam para salvar a árvore, viram um movimento, começou a gritaria, ‘quem conhece um advogado?’, ‘quem tem o telefone da prefeitura?’, começaram a se movimentar e salvaram a árvore.

O que eu estou querendo dizer, portanto, é o sentido arrebatador das boas histórias. Uma história bem contada alcança o objetivo que você colocou na pergunta.

No Ceará, temos 24 municípios no nível alto de vulnerabilidade climática, agrícola e social. Em Fortaleza, 9 bairros podem ser mais afetados pelas mudanças climáticas. Como a informação pode ajudar essas pessoas a enfrentar essa realidade?

No estudo da comunicação, a gente aprende nos primeiros períodos que precisamos identificar o público-alvo para o qual a notícia que você assina ou a reportagem que você fez será endereçada.

Então, estamos falando de que público? São pessoas que estão basicamente sendo acessadas por qual mídia? Tem rádio comunitária? Tem um jornal impresso? Alguma rede de TV aberta ou eventualmente fechada também que alcança aquele segmento?

A gente precisa ter a Ciência da Comunicação aplicada a precisão cirúrgica de como mobilizar aquela comunidade e isso vai requerer um trabalho. É uma responsabilidade compartilhada, porque eventualmente nada do que eu falei vai fazer sentido para aquela comunidade e terá que se criar um sistema. E, aí, não é propriamente uma mídia convencional.

Pode ser exibido um filminho na associação de moradores, numa improvisada cinemateca. O vídeo faz sentido, mostrando uma história que não é daquela região, mas alude a um problema que aquela região enfrenta ou vai enfrentar. Cinedebate. Isso é mídia, estamos falando de comunicação. Usa o trabalho do vídeo como matéria-prima para fazer algum tipo de engajamento.

São tantas as estratégias, alguém da comunidade mais sensível pode inaugurar uma página numa rede social, num Instagram da vida.

– AT: Me diz o nome de uma das cidades que estão aí ameaçadas?
– DN: Jaguaribe

(Cria-se algo como) ‘SOS Jaguaribe’ ou ‘Se liga, Jaguaribe’ e começa a fazer uma propaganda sistematizada, com planejamento. Portanto, eu acho que a gente precisa ter sempre, diante da questão que você formulou que é muito específica sobre lugares vulneráveis, como sensibilizar as populações que vivem em áreas vulneráveis: ciência da comunicação.

Não é de qualquer jeito e nem usando qualquer mídia. Como é que você faz algo sob medida? É como eu penso.

Estamos em período de campanha eleitoral e, analisando os planos de governo da capital cearense, a gente não vê muitas estratégias bem detalhadas da pauta ambiental. O que é mais urgente para que a população fique atenta nesse período de escolha dos próximos gestores?

Em se tratando de Fortaleza, a agenda é muito clara para mim: toda a cidade litorânea do Brasil e quanto mais adensada, quanto maior a população, maior o impacto desse crescimento sobre os ecossistemas costeiros. Então, eleva-se o risco diante da elevação – que aumentou o seu ritmo – do nível do mar. O prefeito tem que saber e existem estudos prontos sobre isso, a gente não precisa nem fazer do zero, qual é a exposição que o município de Fortaleza ou da Região Metropolitana têm no cenário de elevação do nível do mar.

O aquecimento global está galopando, a elevação térmica, a temperatura média maior da cidade vai demandar novas rotinas e protocolos da área de saúde, um cuidado enorme com arborização urbana e são os prefeitos – não é governador – que cuida de planejamento urbano.

Tem que ter um projeto que use a natureza, soluções baseadas na natureza: árvores, novas rotinas no sistema de saúde para nos meses mais quentes ou nos dias de calor insuportável ter rápida hidratação, orientação a partir dos órgãos do município, das redes de comunicação do município hoje. ‘Se hoje a previsão é x e a umidade é Y, se liga que pode acontecer’.

A prefeitura pode evitar, no planejamento urbano, as ilhas de calor, quando você tem muitas áreas de cimento, concreto e asfalto, pouco sombreamento. No Nordeste, e eu sou filho de paraibano, vem aquele sol inclemente e arde. Se é uma área onde as pessoas circulam e eu não tenho sombreamento, não tenho árvores, é um problemão. As calçadas (podem ser) permeáveis por causa da chuva forte em Fortaleza, que é o maior PIB (Produto Interno Bruto) do Nordeste, entre as capitais,

Tem uma frase do professor de Comunicação da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo, Ladislau Dowbor: crescer por crescer é a filosofia da célula cancerosa

Então, acho que é por aí, mas não vou desfiar planos de governo, eu não sou nem candidato.

Durante a palestra, André Trigueiro adiantou a resposta para uma das perguntas: nós falamos sobre o termo “ecoansiedade” e com as mortes no Rio Grande do Sul e o País queimando em diversos estados, isso causa medo com prejuízo para a saúde mental. Como você observa isso?

Essa é uma expressão nova, um neologismo que surgiu em 1990, nos Estados Unidos, no atendimento clínico psicológico. Os profissionais começaram a reportar que, principalmente, os jovens traziam demandas sobre o fim do mundo, da água, destruição de florestas, o que gerava incômodos psíquicos e emocionais.

Eles entenderam que isso devia abrir um novo nicho de investigação e de compartilhamento de experiências para lidar com isso. Que respostas dar em consultório para quem tem ansiedade de viver nesse mundo? É muito bonito o encaminhamento que eles tiveram: uma boa maneira de lidar com essa situação é se engajando, dando parte do tempo e da energia para algum projeto ou campanha que guarde absoluta sinergia com o que lhe preocupa.

Se você está preocupado com a matança de animais silvestres que são queimados no Pantanal e não consegue ir pra lá, veja de que maneira você consegue ajudar os grupos a atuarem na linha de frente ou no lugar onde está.

Se informem e vejam de que maneira podem se encaixar, se a sua questão são as árvores, militem a favor da vegetação, reflorestamento...

Em 2009, você questionou ao ex-vice presidente americano Albert Arnold Gore Jr. – conhecido como Al Gore – quanto tempo nós temos para evitar os piores cenários da crise climática. Após 15 anos, qual a sua resposta para a pergunta?

Não há tempo. Eu não quero ser alarmista, mas eu quero falar aquilo que eu tenho ouvido das fontes que eu considero absolutamente confiáveis nesse campo. Nós perdemos o direito de errar e não há mais tempo para hesitar. Tolerância zero para negacionista, tolerância zero para quem não entendeu o que tá acontecendo.

O que está em jogo é: vida, saúde, longevidade, resiliência física e mental. Tem muita coisa em jogo. Então, não há tempo, o tempo é agora, é sério. A gente não tem o direito de continuar postergando, adiando as soluções que já são de conhecimento público, mas que incomodam a certos grupos.

Esse é um ponto que eu não abordei na palestra, mas eu tô falando aqui. Se todo mundo sabe qual é a causa do problema e reconhece o que precisa ser feito, por que não mudamos? A mudança implica em contrariar interesses econômicos que são ainda poderosos no setor público e no setor privado.

– DN: Mas não está tudo entregue, certo?

Claro, a gente deve como consumidor, como eleitor, como cidadão, como vizinho, como estudante ou professor, onde você estiver e com quem você tiver, tem algo a ser feito. Numa reunião de condomínio onde não é feita coleta seletiva. No Nordeste, com toda franqueza, laje ou telhado que não transforme a radiação solar em energia ou água quente é latifúndio produtivo. O conceito de telhado no século XXI mudou, tem que aproveitar essa área.

Eu confesso, eu tô nessa (área) há mais de 30 anos e para mim é tão óbvio. Se você vai construir qualquer edificação, existe um jeito de construir que é mais inteligente, o rebuilding, usando menos recursos, reduzindo custos de manutenção em relação à energia, coleta de água.

É absurdo que se construa prédio no Brasil do mesmo jeito que se faz há mais de 50 anos. Se você conversa com esse camarada ‘por que não faz coleta de chuva?’, vai ouvir ‘não, é mais caro’. A gente demonstra com uma minoria de construtores que não fazem isso, o custo de instalação é maior, de fato, mas é amortizado em três ou quatro anos pelo uso de equipamentos e tecnologia. Depois? Você surfa no azul.