Quando a estudante da rede estadual do Ceará Letícia Marques de Abreu, 18 anos, se deparou com a nota 1000 na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) 2022, logo pensou que fosse um erro. Sem acreditar, recarregou a página e conferiu o nome diversas vezes antes de aceitar que, sim, aquela era a nota dela.
Às 23h30 de quarta-feira (8), avisou para mãe e ligou para os professores buscando compartilhar a notícia. "Eles já esperavam, e eu achei bem engraçado isso, porque eu não esperava. Hoje, estou no céu, as portas realmente abriram, mas até chegar aqui foi difícil".
Os resultados do Enem 2022 foram divulgados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) no fim da noite de quarta. Com a nota, Letícia deve concorrer a uma vaga em Medicina no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e se tornar a primeira pessoa da família a concluir o ensino superior.
Apesar de ter nascido no Rio de Janeiro, a jovem se mudou para o município de São Benedito, no Ceará, aos 14 anos. O ensino médio foi cursado na Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Isaias Gonçalves Damasceno.
"Sempre soube que queria Medicina, brincava de ser médica com minhas bonecas, e a ideia foi aos poucos crescendo na minha cabeça. Mas como é que eu ia conseguir esse curso tão sonhado sem ter condições financeiras? Foi por isso que sempre estudei muito. Sempre acreditei muito na educação".
A trajetória dela foi marcada por diversas adversidades e, nos últimos três anos, precisou conciliar trabalho, estudos e atividades físicas — já que procurava manter os exercícios para cuidar da saúde física e mental. "Na pandemia, passei todo dia acordando 4 horas da manhã e só me dava descanso nos finais de semana", detalhou.
Redações semanais
Em meio à intensa rotina, Letícia buscava fazer pelo menos uma redação por semana. Além disso, lia diversas redações que tinham tirado a nota máxima para ter mais referências.
"Focava bastante em corrigir os meus erros. Acho que isso foi um dos principais pontos antes de conseguir essa nota. Eu sempre busquei ir atrás dos meus erros. Para fazer outra redação, sempre corrigia os erros da anterior".
No entanto, o esforço vem de longe, sendo marcado por muito apoio de professores e outros profissionais da instituição. Conforme Letícia, desde o 1º ano no ensino médio, mesmo antes de ter aulas focadas na escrita, já procurava pelo professor de redação, Marcos Fontes.
"Ele não me deu aula no 1º ano, mas eu sempre perturbava ele, para que corrigisse minhas redações. Ele me ajudou desde o início. Ele é o professor responsável por esse feito", afirmou. Assim, no 1º e 2º ano, conseguiu tirar 900 em redação e, no 3º, atingiu a nota 1000.
Além dele, citou a organização da escola e o apoio de profissionais, mesmo durante o período da pandemia. "Tinha uma luz. Tinha professor, o pessoal da biblioteca, que sempre me auxiliaram muito", disse.
Importância da leitura
Para além da coesão do texto e do cuidado com a gramática, a redação do Enem ainda requer que o estudante traga referências. "Então, sempre colocava algum filme, algum livro para complementar e deixar a redação mais caprichada", explicou Letícia.
Na redação do Enem 2022, chegou a citar o livro "Banalidade do Mal", da Hannah Arendt. "Sempre estudei em escola pública e meus professores eram muito bons. Eu tive um que ajudava demais, sempre indicando repertórios para a gente".
"Fui construindo meu modelo de redação. Isso foi fazendo com que o processo de escrita fosse mais fácil, eu já tinha o esqueleto, só precisava ir substituindo".
Ao olhar para a própria trajetória, percebe que o gosto pela leitura foi importante para o resultado. "Gostava bastante de HQ e 'Turma da Mônica', lia bastante e tinha facilidade para surgir ideias. Por isso, criatividade nunca foi um problema".
Inclusive, no ano passado, escreveu o esboço em 30 minutos e "passou a limpo" em 20. "Foi um caminho bem doloroso e árduo, mas deu certo. Minha média ficou 740, mas acredito que vai dar certo por meio das cotas. A gente só vai saber realmente quando o resultado sair", concluiu.