Ter a permissão do marido ou da esposa para se tornar estéril via cirurgia não é mais necessário. A mudança é uma das trazidas pela lei nº 14.443, a nova lei da laqueadura e da vasectomia, que entrou em vigor neste mês e representa um avanço para as mulheres: uma maior liberdade sobre o próprio corpo.
No Ceará, a cada 5 mulheres que fazem laqueadura, apenas 1 homem efetiva a vasectomia – e a maioria delas realiza o procedimento junto ao parto cesáreo.
Os dados são do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS), coletados pelo Diário do Nordeste, e refletem outras exigências também alteradas pela nova lei.
Antes, para fazer laqueadura, a mulher precisava ter acima de 25 ou ter dois filhos vivos. Agora, a idade mínima para fazer a cirurgia sem ter filhos é de 21 anos. A mesma mudança vale para os homens.
Ainda de acordo com a lei, o prazo entre a decisão por se tornar estéril e a efetivação do ato cirúrgico é de 60 dias, “período no qual será propiciado aconselhamento, com vistas a desencorajar a esterilização precoce”, como diz trecho da norma.
Mulheres que desejam fazer a laqueadura durante o parto também precisam respeitar, além das “devidas condições médicas”, o “prazo mínimo de 60 dias entre a manifestação da vontade e o parto”.
O que é laqueadura tubária?
Laqueadura é um procedimento cirúrgico que “consiste em seccionar as trompas, impedindo que elas se comuniquem, para que o espermatozoide não consiga chegar até o óvulo”, como descreve a ginecologista Ana Vitória Linard, responsável pelo planejamento reprodutivo do Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC).
A médica explica que a esterilização feminina pode ocorrer, em geral, de três formas: durante o parto cesáreo, via laparoscopia (pequenas incisões para introdução de câmera) ou por meio de uma “mini-cesárea”.
“Quando a mulher não está no pós-parto e não realiza a laqueadura por laparoscopia, fazemos uma incisão como se fosse uma mini-cesárea. É um procedimento simples, rápido, com breve recuperação”, destaca.
Em que casos a mulher pode fazer laqueadura?
A vontade de não engravidar não é o único requisito para buscar uma laqueadura no Brasil, mas a nova lei sobre o assunto pode ampliar o acesso de mulheres ao procedimento.
Para ter acesso à esterilização via cirurgia, a mulher precisa manifestar o desejo com antecedência de 60 dias até o procedimento e seguir pelo menos um dos requisitos:
- Ter 21 anos de idade ou mais;
- Se tiver menos de 21 anos, é preciso que a mulher tenha 2 filhos vivos.
Para a ginecologista Ana Vitória Linard, a nova lei impacta principalmente o público feminino. “O companheiro não precisar mais assinar para autorizar a laqueadura foi uma grande vitória. Isso deu mais liberdade à mulher, ela ganhou mais controle sobre o corpo dela numa decisão tão importante.”
Antes, a gente via demais a paciente querer fazer a laqueadura e o companheiro não querer, insistir que queria filhos. E agora, ela vai decidir quando e se quer engravidar. Foi a maior conquista, há muitos anos era um anseio das mulheres.
Obstáculos da laqueadura no SUS
O caminho para solicitar uma laqueadura na rede pública de saúde no Ceará é a atenção primária, ou seja, a mulher precisa ser encaminhada pelo posto de saúde a uma unidade que realize o procedimento.
Uma profissional ligada a uma unidade básica de Fortaleza, que preferiu não se identificar, afirmou à reportagem que “é muito difícil a mulher conseguir ser encaminhada, tem toda uma lavagem cerebral pra ela desistir”.
Questionamos a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) sobre o assunto e sobre que fatores podem dificultar ou impedir esse encaminhamento. Não houve resposta até esta publicação.
Laqueadura é reversível?
A esterilização feminina por cirurgia é um método contraceptivo de grande eficácia: a cada 100 mulheres que “ligaram as trompas”, como se diz popularmente, só 0,5 engravidam ao longo de 1 ano, como estima Ana Vitória. Um índice tão pequeno que chega a ser abstrato.
Apesar disso, é possível, sim, reverter a laqueadura. “A taxa de reversibilidade varia de acordo com a idade e a época em que foi feito o procedimento: quanto mais tempo passa, mais difícil reverter”, frisa a ginecologista do HGCC.
A taxa de sucesso da reversão varia de 20% a 70%: ou seja, você faz a cirurgia para reverter, mas isso não garante que consiga ter uma gestação.
A médica explica ainda que em cerca de 1% dos casos, no máximo, há uma reversão “espontânea”, em que o próprio organismo restabelece a ligação que permite o transporte de espermatozoides ao óvulo.
“Os DIUs (dispositivos intrauterinos) hormonais são mais eficazes, inclusive. Mas é difícil convencer as mulheres disso”, relata a profissional.
O que é vasectomia?
Vasectomia é um procedimento por meio do qual os dutos deferentes, canais que transportam os espermatozoides, são cortados e amarrados, como explica Raphael Bezerra, médico coordenador do serviço de urologia do Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar.
“É algo relativamente simples, realizado muitas vezes só com anestesia local. Em geral, o paciente tem alta na mesma hora. Não tem impacto algum no sêmen, nos hormônios, na ereção ou na libido. Só não vai ter mais espermatozoide no sêmen”, resume o urologista.
Em que casos o homem pode fazer vasectomia?
Os requisitos são os mesmos válidos para as mulheres. Para fazer vasectomia, o homem tem de manifestar o desejo com antecedência de pelo menos 60 dias até a cirurgia e se enquadrar em uma das situações:
- Ter 21 anos de idade ou mais;
- E se tiver menos de 21 anos, ter 2 filhos vivos.
O acesso ao método também é via posto de saúde. “O homem informa o desejo de realizar a vasectomia, é encaminhado e damos seguimento a todos os trâmites, tanto médicos como burocráticos”, pontua Raphael Bezerra, que coordena o Centro de Atenção à Saúde do Homem (Cash).
Vasectomia é reversível?
A eficácia da vasectomia é considerada muito alta pela ciência, “embora nada na medicina seja 100%”, como observa o urologista. “A chance da recanalização espontânea é menor do que 2%”, acrescenta.
Reverter a esterilização, por outro lado, também é possível. “Quanto mais próximo da vasectomia, a reversão é mais eficaz. É um procedimento microcirúrgico, que exige um material mais específico. Até os 8 anos desde a vasectomia, a taxa de reversão é boa.”
Nova lei da laqueadura e vasectomia
A lei federal nº 14.443 foi sancionada em setembro de 2022, com prazo de 6 meses para começar a vigorar – o que ocorreu no dia 2 deste mês de março.
O dispositivo altera a lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, de modo a “determinar prazo para oferecimento de métodos e técnicas contraceptivas e disciplinar condições para esterilização no âmbito do planejamento familiar”.