Recuperar a confiança

Nenhum recurso natural é tão importante quanto a água, essencial para a existência das plantas, que, por sua vez, nos dão oxigênio. Dessa dupla vem toda a vida. A luta centenária dos nordestinos pela transposição do Rio São Francisco, um reforço contra a escassez hídrica, mostrou no episódio em Jati que ainda precisamos avançar no que é essencial.

Quase duas semanas após o rompimento de tubulação de concreto, em 21 de agosto, a parte mais próxima da parede foi totalmente recuperada. O problema não está resolvido. Uma inspeção que se inicia nesta semana avaliará a dimensão real dos danos causados. Saber o que aconteceu é a maneira de evitar repetições.

O sistema não suportou uma pressão de água dez vezes maior que o normal. Possível falha na válvula teria gerado um fenômeno que a engenharia chama de regime transiente ou golpe de aríete, quando a energia da velocidade da água se transforma em pressão.

A extraordinária vazão de 70 metros cúbicos por segundo só é comparável à média de vazão para abastecer toda a Grande São Paulo. Após oito horas, o vazamento foi contido e não houve feridos. Mas a tromba d'água escavou 60 metros da talude, uma rampa rochosa que reveste a barragem, que está segura.

Engenheiros do Ministério do Desenvolvimento Regional afirmam que a barragem não têm riscos de rompimento, mas é preciso mais para confortar a população local. Além de recuperar toda a barragem, será necessário recuperar a confiança de quem mora imediatamente abaixo dela - sujeita, portanto, às possíveis falhas que houver.

O poeta Patativa do Assaré escreveu, em um de seus mais conhecidos versos, que "seca sem chuva é ruim, mas seca d'água é pior". O Nordestino precisa de água, mas a convivência com a seca demonstra que o excesso desse recurso hídrico se torna algo mais espantoso. Em março último completou setenta anos após o arrombamento do açude Orós, que tem capítulo à parte na memória das águas do Ceará.

Após reconstruir a tubulação, o poder público precisa recompor a confiança da população sobre o reservatório. E nisso a transparência será fundamental. Assim, se evitam achismos que viram boatos e as tão propaladas notícias falsas, de quem nem o episódio de Jati ficou livre.

O Governo Federal, responsável pela obra, será o transmissor do detalhamento após todo o trabalho de inspeção por uma consultoria independente, além da avaliação pelos próprios engenheiros servidores do Ministério do Desenvolvimento Regional.

No tempo certo que houver para a engenharia - uma ciência de que os nordestinos muito dependem, tendo em vista as centenas de obras de açudagem, esses esclarecimentos precisam ser repassados à população. De preferência, de maneira simples e direta à população em Jati. A mesma que, na conta dos milhares, precisou subir nos montes mais altos da cidade, passando à noite fora de casa, à espera do pior.

A segurança hídrica começa pela segurança das obras. É aguardada para as próximas semanas ou meses a recuperação plena de uma outra construção que sofreu avarias: a confiança e alívio dos moradores no entorno de barragens. Para isso, transparência e diálogo serão as grandes matérias-primas