Vera Holtz investiga capacidade criativa do Homo Sapiens em peça que mistura comédia, drama e música

“Ficções” está em cartaz de 3 a 5 de outubro no Cineteatro São Luiz; peça é baseada no best-seller “Sapiens”, de Yuval Noah Harari, e deve inspirar diferentes sentimentos e reflexões

Vera Holtz está inquieta. Passa de uma história a outra em minutos. Às vezes ri, às vezes cala. Gosta de interagir com o público. E, nisso, desbrava uma das características mais fantásticas e reconhecíveis do ser humano: nossa capacidade de inventar. “Fazemos parte de uma mesma dinâmica energética”, demarca a atriz.

A verdade fica ainda mais clara por meio de “Ficções”, espetáculo em cartaz de 3 a 5 de outubro no Cineteatro São Luiz. Baseado na obra “Sapiens - Uma breve história da humanidade”, do professor israelense Yuval Noah Harari, a peça tem tudo para cativar Fortaleza do mesmo modo que encantou plateias das 250 apresentações anteriores.

O assunto é a gente, raça humana. O quanto somos poderosos em criar ficções, imaginar universos, prospectar coisas individual ou coletivamente. Se no livro a dimensão já é absurda – bebendo de premissas da História, Filosofia e Sociologia – na montagem o ponto foi captar essa essência, mas imprimir uma também. 

Vera entra, então, como narradora de toda a jornada, em contraste com o narrador masculino do livro. Uma boa mudança de termos. “Fui convidada pela Alessandra Reis, uma de nossas produtoras, porque ela não via sentido em falar sobre a história da Humanidade no século XXI pela narrativa masculina. Logo, propomos na peça um Homo Sapiens feminino”.

As questões abordadas no roteiro de Rodrigo Portella, no entanto, são gerais. Dizem respeito a todos enquanto espécie. É um dos maiores trunfos do número: conversar com passado e presente, públicos de maior e menor idade, sem se restringir a uma autodefinição. Não é comédia, drama ou musical. Não é coisa fechada. É tudo junto, feito nós.

No compasso da plateia

A semente de “Ficções” brotou em agosto de 2022. No mês seguinte, a montagem já era apresentada no Centro Cultural Banco do Brasil Rio de Janeiro (CCBB). A estratégia era testar a peça em pequenos teatros até saber que amplitude ele poderia ganhar. Em suma, fomentar a musculatura do espetáculo para que crescesse e aparecesse.

A estrutura é de revista, conforme Holtz, em consonância com o modo como o número foi costurado. “Rodrigo Portella escreveu várias esquetes e, à medida que íamos ensaiando, ele ia conectando as narrativas. Ia fazendo o que funcionava e o que não funcionava, o que entrava e o que não entrava. Quando estreamos, fazemos com o esboço pronto”.

À medida que iam vivenciando as geografias do roteiro no palco, a peça deixava de ser frágil – tanto na forma quanto na compreensão para a própria equipe – e ganhava maleabilidade. Para o elenco, é como se a montagem tivesse chegado no momento certo de reflexão sobre a capacidade do humano de criar, fazer, realizar.

Autor e performer da trilha sonora original, Federico Puppi divide o tablado com Vera ao longo de toda a peça – um “duólogo”, como referenciam. Ao Verso, ele reafirma a opinião da colega: o trabalho se retroalimenta a partir do contato com as diferentes plateias, o que torna tudo ainda mais magnético. A palavra de ordem, não sem motivo, é cooperação.

“É interessante como, depois de dois anos de espetáculo, várias cidades e 250 apresentações, tem pessoas que chegam pra gente após o número propondo uma perspectiva nova de algo que a gente não tinha pensado ainda. Isso é muito rico. Entramos em cena no dia posterior pensando sobre essas questões e já ressignificando o espetáculo”.

Seguir aprendendo

Com décadas de carreira, inúmeros papéis marcantes e prêmios capazes de dimensionar a expertise do fazer artístico, Vera Holtz credita a “Ficções” o fato de ter ainda mais fé na força do teatro quando feito por pessoas sabedoras da linguagem e determinadas a entregar o melhor. Toda noite, quando sobe ao palco, o sentimento vem intenso.

“Só em estar ligada a uma equipe super afinada, que gosta do que está fazendo, já é transformador. Você faz seu trabalho de forma diferente, alinhado com a alegria e estabelecendo relações reais”, diz ao rememorar piadas e vivências de bastidores, algo que referencia como uma verdadeira família.

Para Federico, estar no projeto é também chance de explorar possibilidades. Está nos detalhes. Além do casamento oportuno entre texto e música, a máquina do teatro, por exemplo, é completamente exposta, tanto fisicamente – a ausência de cortinas sinaliza isso – quanto conceitualmente, uma vez que todas as operações são visíveis a quem assiste.

Quebramos a ilusão na cara de todo mundo e, acredite se quiser, é uma narrativa. E funciona. As pessoas veem os maquinistas manipulando cordas, levantando peso, mas o que todo mundo vê de verdade é uma ilusão. Eles acreditam naquilo. Você vê uma pedra voando, e também a pessoa puxando a pedra. E você acredita que a pedra tá voando”, situa o músico.

“A música, por sua vez, entra em termos de marcação de tempo. É ela quem confere espaço para reflexão. Estica e acelera o tempo, ditando o tom do que é dramático ou comédia”, completa Federico, vibrando pelo retorno a Fortaleza – terra, segundo ele, de “culinária extraordinária”, algo também destacado por Vera.

“Pra mim, em primeiro lugar, o teatro tem que estar cheio. A peça é uma oportunidade muito gostosa de você refletir sobre a condição humana, sobre você como animal Homo Sapiens. Nessa reflexão ao longo de 1h30, você vai rir, cantar e entender que não está sozinho. Mesmo que você tenha questões, você faz parte de um grupo, de um bando, de uma matilha, de uma alcateia”, gargalha a veterana. “Você faz parte de uma dinâmica energética e humana”.

 

Serviço
Espetáculo “Ficções”
De 03 a 05 de outubro, às 19h, no Cineteatro São Luiz (Rua Major Facundo, 500 - Centro). Valores: a partir de R$80 (meia), em diferentes opções de plateias. Vendas: Sympla ou na bilheteria do Cineteatro (funcionamento de terça a sexta, de 9h30 às 18h, e aos sábados, de 9h30 às 17h. Aos domingos, 2h antes do evento até o horário de início da atração). Classificação indicativa: 12 anos. Duração: 80 min