TikTok influencia mercado musical e artistas já pensam em estratégias para a rede social

A plataforma também foi responsável por viralizar e tornar sucesso novamente músicas lançadas em outras décadas

Mesmo que você não seja um dos 732 milhões de usuários do TikTok, certamente já deve ter esbarrado em vídeos feitos pela plataforma, ou mesmo ter conferido a ferramenta Reels do Instagram. Se você se encaixa em um desses perfis, provavelmente em algum momento já ficou com uma música na mente de tanto ouvi-la nesses aplicativos.

Isso tem uma explicação. Segundo a pesquisadora em comunicação digital da Universidade de São Paulo (USP), Issaaf Karhawi, o áudio é um recurso determinante no TikTok, e consequentemente de seu gêmeo Reels, o que contribui para a viralização de músicas nessas plataformas.

O TikTok foi criado em 2016, mas se popularizou mesmo no ano passado, durante a pandemia da Covid-19. No aplicativo, os usuários podem publicar vídeos com duração de 15 a 60 segundos. Já o Reels foi inserido no Instagram em junho do ano passado, depois do sucesso da plataforma vizinha, mas com uma diferença: os vídeos compartilhados devem ter duração máxima de 30 segundos
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“Essa transição que a gente tem acompanhado do Instagram para o vídeo num formato mais curto como o Reels é uma adaptação das plataformas aos novos tempos e também aos concorrentes. Mas enquanto o Instagram é uma plataforma muito definida pela imagem, o TikTok não tem essa mesa ligação. Ele é uma plataforma em que há estímulo para o uso do áudio, em que o uso do áudio é facilitado”, explica a pesquisadora.

Nessas ferramentas, o áudio não faz papel de trilha sonora, ele é parte da mensagem que se quer disseminar. As letras das músicas contam histórias. As batidas das músicas produzem narrativas. Por isso, “o áudio é parte integrante, essencial, indispensável da mensagem que se constrói e se quer transmitir no TikTok”, pontua Issaaf Karhawi.

“O TikTok é decisivo nesse processo de viralização das músicas porque ele facilita justamente o remix, a apropriação, o uso desse áudio em detrimento da imagem, por exemplo. É muito fácil você mixar um áudio dentro do TikTok, é muito fácil você se conectar com as pessoas por meio de um áudio que você usa e aquela pessoa também. A própria engrenagem da plataforma permite e facilita essa conexão e viralização”, acrescenta.

Túnel do tempo

Justamente por causa dessa ‘engrenagem’ do TikTok que músicas antigas, lançadas nas décadas de 1970, 1980, 1990 e 2000, voltaram a fazer sucesso. Clássicos como “Just Two of Us” (1981), de Grover Washington, e “Dreams” (1975), de Fleetwood Mac, se popularizaram não só nos aplicativos, mas também, a partir delas, nas plataformas de streaming, como Deezer e Spotify. 

Presentes nas ‘trends’, ‘challenges’ ou vídeos de danças, a viralização dessas músicas, em publicações de usuários que ainda nem tinham nascido quando elas foram lançadas, está mais relacionada com a narrativa que essas canções pregam do que com o ano de lançamento, afirma a pesquisadora. 

“A origem, o ano de origem dessa música, não é tão decisivo. O fator decisivo é como essa música contribui para contar essa narrativa tão curta de 30 segundos que o usuário decidiu contar”, destaca Issaaf. 
Issaaf Karhawi
Pesquisadora em comunicação digital

Estratégia

“Falta um item para o vídeo pop perfeito: uma dança que viralize no TikTok”. É com essa frase que a cantora Manu Gavassi encerra a lista de cinco passos para um videoclipe de sucesso em seu clipe da música “É difícil dormir sem mim”, lançado em agosto do ano passado. A ex-bbb faz parte de um grupo de artistas que, pensando nessa capacidade de viralização do TikTok, utiliza a ferramenta como estratégia para divulgação de músicas.

A tendência tem adeptos também entre os veteranos. Djavan inaugurou um perfil na plataforma e escolheu, para investir na viralização, a canção "Nem Um Dia". Não a toa, a música tem alguns dos versos mais famosos do compositor alagoano: "Um dia frio / Um bom lugar pra ler um livro"...

Com conteúdos pensados exclusivamente para a plataforma, cantores se utilizam de 'challenges', coreografias e vídeos engraçados na tentativa de impulsionar seu mais novo lançamento, já que “a viralização do trecho de uma música pode trazer benefícios para os artistas no sentido dessa música passar a emplacar em paradas musicais em outras plataformas”, salienta Issaaf Karhawi. 

Por ser um mercado que exige visibilidade midiática, o ramo musical está sujeito a “plataformização”, isto é, o impacto que as plataformas digitais proporcionam a diversos segmentos, incluindo a produção cultural, explica Karhawi. A especialista aponta ainda para a mudança das relações institucionais e práticas culturais proporcionadas por essas ferramentas.  

“Hoje, um artista pode se conectar a milhões de usuários, mas com mediação das plataformas. Pode ter acesso a formas de monetização, mas por meio das plataformas. Pode também ter acesso a ferramentas tecnológicas, mas, novamente, dependendo das plataformas. E isso pode ser positivo, claro, mas também significa se sujeitar às regras do jogo”, alerta.

Isso significa, de acordo com a pesquisadora, estar sujeito às regras opacas das plataformas e à falta de transparência dessas ferramentas. 

“Hoje se discute muito o conceito de plataformização, que é o impacto das plataformas na nossa vida, na nossa forma de sociabilidade, no nosso trabalho, na nossa rotina. Quando a gente pensa em plataformização, ela impacta em muitos mercados diferentes e na música essencialmente”, completa.