Quadrilhas juninas cearenses se reinventam para driblar efeitos da pandemia

Entre outras atividades, agremiações da Capital e do interior promovem lives, vaquinhas online e arrecadação de itens para cestas básicas

Devido ao grande potencial de aglomeração, o setor de eventos e entretenimento foi um dos primeiros a parar com a pandemia do novo coronavírus e certamente será um dos últimos a voltar à ativa.

No Ceará, um mês feito junho, em que acontecem os tradicionais festejos em homenagem a São João, evidencia essa realidade de maneira ainda mais forte.

Resultado: no lugar de desfilar pelos palcos da Capital e do interior exalando graça e alegria, quadrilhas juninas estão lidando com impactos gerados no ramo em que atuam, tentando driblá-los por meio de ações.

Diretor da União Junina do Ceará e membro do comitê gestor Ceará Junino, Tácio Monteiro explica que o movimento junino é tentacular e, por isso, demanda diversos esforços.

“Hoje, nós podemos dizer que é o maior movimento de cultura popular tradicional do Brasil. Temos quadrilhas juninas em todos os municípios do Ceará. Em Sobral, por exemplo, há em torno de 50 grupos; Fortaleza concentra mais de 100. É algo que mobiliza o Estado todo e com uma cadeia produtiva bastante significativa”, dimensiona.

Também presidente da quadrilha Junina Babaçu, de Fortaleza, ele contabiliza o número de 200 integrantes no grupo. Como ficaram impossibilitados de fazer reuniões e ensaios, estão realizando fóruns e conversando sobre a temática que ia ser trabalhada neste ano.

“Fazemos lives com várias equipes, coreográfica, de produção, de criação... Uma das mais recentes foi com nosso grupo musical, pelo YouTube, e foi um sucesso. Portanto, apesar de tudo, nosso grupo continua ativo e interagindo”, afirma.

Sintonia

A situação se assemelha a da quadrilha junina Paixão Nordestina, também na Capital.

De acordo com Milton Júnior, marcador junino, bailarino folclórico, pedagogo e coordenador geral da agremiação, há cerca de 170 pessoas atuantes no grupo sob sua coordenação, incluindo dançantes, equipe de apoio, atores e músicos, além de profissionais que, direta ou indiretamente, integram o processo de construção da performance coletiva nas arenas. Devido à pandemia, adaptações ligadas a esses ofícios precisaram ser feitas.

“Tivemos que dar uma trégua em todo o esquema que tínhamos montado, renegociando com os profissionais que contratamos para este ano e mantendo o contato com os dançantes pelas redes sociais”, conta.

“Nós tínhamos uma data agendada para a estreia, que seria dia 5 de junho, e agora vamos fazê-la totalmente diferenciada. Por meio da internet, apresentaremos os anos anteriores da Paixão Nordestina; entrevistas com o casal de noivos e a nossa rainha, mostrando como é o processo de produção no dia em que ela faz uma apresentação junina; e uma enquete sobre o baú demúsicas da Paixão Nordestina, que será lançado quando pudermos estarmos juntos com os nossos de novo”, completa.

Alcance

No interior do Estado, a situação se repete. Marcador e coordenador da quadrilha junina Arriba Saia, da cidade de Várzea Alegre – tetracampeã da etapa Centro Sul da competição Ceará Junino e vice campeã cearense pela União Junina em 2018 – Ícaro Bastos conta que antes do decreto de isolamento social no Estado, instituído em março, a agremiação já havia iniciado costura de figurinos, ensaio do casamento matuto e marcado a gravação do repertório. A partir das medidas de proteção à saúde, vieram os cancelamentos.

“Mesmo assim, ainda deu pra fazer a gravação do repertório, já que realizamos por partes, respeitando as regras quanto à aglomeração. Inclusive, divulgamos o resultado recentemente por entendermos que havia necessidade de contribuirmos para o entretenimento das pessoas nesse período de isolamento social. Hoje, estamos com tudo parado, apenas com planejamentos feitos para, quando tudo voltar ao normal, retomarmos os ensaios e realizar eventos”, situa.

Entre as alternativas buscadas para superar o momento, estão participação em lives, como pelo canal Conexão Junina, e há uma transmissão ao vivo programada para este mês. Ainda assim, complicações financeiras se avolumam.

“Tínhamos um recurso em caixa que deu para custear algumas despesas, porém outras terão que esperar. O aluguel da sede está atrasado e não sabemos como faremos para quitar isso no momento. Tá tudo muito incerto. Acho até uma incoerência que, em meio a essa situação, a gente faça uma cota para quitar as despesas. Temos que ir empurrando e administrando a partir de diálogos com nossos fornecedores”, lamenta.

Ícaro diz ainda que não conhece – pelo menos nas regiões Centro Sul e do Cariri cearense – grupos que estão cobrando dos próprios integrantes para quitar dívidas. Ele contabiliza os integrantes da quadrilha junina que participa.

“De forma direta (brincantes, produção e músicos), são 52 pessoas em nossa quadrilha; se incluirmos costureira, sapateiro, chapeleiro, cenógrafo e bordadeira, ficamos com mais 15”, quantifica. “Já tínhamos investido em torno de R$ 20 mil, pois pouco mais de 50% do projeto já estava encaminhado e executado”.

O coordenador da Arriba Saia menciona também que, tratando-se do lado psicológico e sociocultural, o impacto é ainda maior, tendo em vista que a quadrilha junina faz um trabalho social no município envolvendo jovens.

“Conseguimos mantê-los ocupados com algo saudável, sempre acompanhando de perto a vida de cada um. Com a pandemia, ficou quase automático esse distanciamento de espírito”.

Medidas

A fim de conter os impactos, a Secretaria da Cultura do Ceará e Rede de Equipamentos lançaram, no último dia 18 de maio, o “Arte em Rede”, convocatória para seleção de projetos em formato digital, com investimento de R$210 mil.

Entre as linguagens contempladas pelo documento, está Cultura Popular e o Patrimônio Material e Imaterial, permitindo a participação do movimento junino do Ceará, fomentando ações e iniciativas. Por meio de nota, a pasta informou também que outras ações e editais ainda estão sendo analisadas para o segundo semestre de 2020.

Igualmente, ressaltou que o Edital Cultura Dendicasa, lançado pelo Governo do Estado por meio da Secult no final de março deste ano, apoiou 400 projetos culturais da sociedade civil, dentre eles iniciativas inerentes às manifestações juninas. Houve um investimento no total de R$1 milhão nessas ações.

Por sua vez, a Secretaria Municipal da Cultura de Fortaleza (Secultfor) comunicou que não será lançado, neste ano, o Edital de Apoio aos Festejos Juninos, que contempla projetos de grupos de quadrilhas juninas e festivais da Capital cearense.

A medida, segundo a pasta, atende a recomendações de decreto publicado no Diário Oficial do Município, pela Prefeitura de Fortaleza, que determina ações emergenciais de combate à Covid-19, como o cancelamento de eventos públicos.

Também por meio de nota, comunicou que está em debate com instituições em busca de alternativas para apoio ao movimento junino de Fortaleza. Até lá, um programa da Prefeitura forneceu R$ 200 a envolvidos em atividades culturais da Capital que tiveram ofícios interrompidos em razão da pandemia.

Representantes do setor, contudo, mantiveram diálogo com a pasta para apresentar demandas, argumentando que o recurso precisava ser ampliado.