A relação da Praia de Iracema com os cearenses se constrói há décadas. Ao longo do tempo, o laço afetivo apertou e afrouxou em consonância com as mudanças do lugar. Mas assim como as fortes ondas do litoral, o bairro ressurge e se renova para dar vazão à sua inesgotável vocação de abraçar os mais diversos públicos.
De baixo do calor escaldante que cobre Fortaleza quase o ano inteiro, a Iracema Guardiã acompanha o ir e vir de banhistas, corredores, ambulantes, ciclistas e tantas outras categorias de filhos seus ou de outras terras.
Ao fim de tarde, quando o sol ruma para o oriente, ela recepciona a chegada de casais, famílias e grupos, em sua maioria de jovens, que se apropriaram e ressignificaram parte do litoral, a "turma dos Crush".
A juventude é recorrente nessas areias há gerações e, de tempos em tempos, o elo se reforça com o bairro histórico. "A gente gosta de vir para o pôr do sol, às vezes até pegar o nascer do sol. É onde nos sentimos à vontade", diz Amanda Alves, de 21 anos, que contempla o fim do dia enquanto troca confidências com um amigo.
Mistura boa
O escurecer do céu faz surgir novas tribos que ganham o calçadão, as ruas dos Tremembés, Tabajaras e outras veias boêmias do bairro.A conversa íntima de Amanda e seu amigo dá lugar ao som vibrante do festival de música Lado B, atração eventual no Centro Cultural Belchior.
Com bandas de rock, surf music e metal no palco, não demorou muito para a iniciativa de um coletivo de músicos aglomerar um público faminto por novos talentos. "Além de ocupar, trazer pessoas pra cá, movimentar e levar entretenimento, queremos unir as bandas, mostrar essa cena que é tão bacana aqui e levar pra fora também", visa Natália Rebouças, uma das organizadoras do evento e vocalista da banda Pulso de Marte.
O privilegiado espaço em frente ao letreiro com o nome da cidade não foi escolhido por acaso.
"A Praia de Iracema é onde está acontecendo. A galera se apropriou daqui, chamou de Praia dos Crush e disse: 'Isso aqui é nosso'. Então a gente decidiu ocupar esse espaço e trazer manifestação cultural", conta Natália.
A promessa é que o festival se faça presente no mesmo lugar a cada primeiro sábado do mês.
A caminhada de alguns metros pela orla de Fortaleza transporta para um histórico point da boemia, o Largo do Mincharia. Apesar do cenário semelhante com vista para o mar, aqui é reunião para o samba, MPB e pop rock.
"Na quarta-feira tem uma programação, junto com o Instituto Iracema, que a gente resgata sucessos dos anos 70 e 80, mesclando o antigo com o novo. Então tem Calé Alencar, Lupe Duailibe, Renato Assunção", detalha o nostálgico repertório, o permissionário Carlos Aragão, à frente do bar há 16 anos.
O empresário investe na vida noturna do bairro desde longa data. Ao lado do pai, abriu as portas do Opção, extinto restaurante na Monsenhor Tabosa que herdou os frequentadores do Estoril e Cais Bar. Entusiasta, ele atravessou os momentos difíceis da P.I. E aposta em um progresso para novos anos de glória.
"A Praia de Iracema foi na laje. Então ela só tem a crescer daqui pra frente. Ela vai melhorar, está melhorando", relembra e indica a direção que busca. "Nós trabalhamos em uma requalificação, trazer a família. Você trazendo o idoso e a criança, a praia se torna acessível a todo mundo".
Ferveção
Os paralelepípedos da icônica rua dos Tabajaras são disputados palmo a palmo quando o fim de semana chega. A Lupus Bier oferece o humor ao estilo que o Ceará costumou a exportar, O Pirata Bar - atração eclética e certeira da segunda-feira para visitantes da Capital - começa as atividades na sexta-feira para o forró tradicional, que passeia pelo repertório de Dominguinhos, Trio Nordestino e Sandro Becker, além de incluir Gilberto Gil e Genival Lacerda.
Vizinho dos dois endereços tradicionais na noite alencarina, o Mambembe - Comidas e Outras Artes reúne uma multidão em torno dos 20 e 30 e poucos anos. Enquanto a sonoridade plural embala a paquera e os corpos suados no ambiente interno, a rua ferve em um verdadeiro formigueiro humano. Ao lado da casa noturna estão também o Ritmo Urbano e o Jamrock.
Semelhante aos três anteriores por atrair os jovens, o caçula Café Couture inaugurou há quase dois anos um novo polo para a musicalidade do Estado.
"A casa surgiu para abrigar música de boa qualidade. A gente começou só com o chorinho e o jazz, hoje tem o rock, o blues, o samba. Fomos ficando mais diverso, maior e mais completo", pontua Nélida Aires, uma das sócias do empreendimento.
Nesta semana, o espaço foi palco do encontro de Linn da Quebrada, Valéria Houston e Mulher Barbada em um show gratuito realizado pelos Festival das Travestidas, conduzido majoritariamente por mulheres para homenagear vozes femininas do samba.
"Nos últimos anos, a Praia tem se voltado pro fortalezense. Então, fazer arte aqui é fazer arte em casa, com os meus", pontua o intérprete de Barbada, Rodrigo Ferrera, atração de várias festas no bairro.
A apresentação da noite foi apreciada com entusiasmo por dezenas de pessoas, entre elas a professora Carol Aguiar. Ela comemora a valorização da obra autoral e local na região.
"O cenário musical tem crescido bastante na Praia de Iracema. Venho em busca de shows de MPB, que normalmente é muito difícil em outro lugar da cidade. Fico muito entusiasmada quando vejo talentos locais tocando por aqui. A Praia tá com uma cena muito rica de opções e em expansão, felizmente".
O Café Couture privilegia músicas feitas por artistas locais e mescla ritmos como jazz, samba, chorinho, blues e rock. Espaço funciona na Rua dos Tabajaras, 554 Autointitulado a segunda-feira mais louca do Brasil, o Pirata Bar atrai turistas com um grande espaço voltado para o litoral de Fortaleza.
O local abre as portas também às sexta-feiras e entre as atrações tem banda de forró, apresentações de quadrilha e grupo musical próprio. A entrada custa R$ 40 (valor antecipado) e R$ 50 (bilheteria).
O Largo do Mincharia é um ponto de encontro tradicional da boemia fortalezense. Por décadas reuniu artistas, intelectuais e políticos. O cardápio do bar mescla petiscos típicos de boteco com a culinária regional, com peixes e frutos do mar.
Carlos Aragão, permissionário do imóvel há 16 anos, abraçou o negócio que o pai acompanhou no início. Hoje, ele promove atrações musicais que passeiam pelo samba, chorinho, MPB e pop rock. Entre as atrações especiais está também um revival de sucessos dos anos 1970 e 1980.
Os clientes do Bar da Morena preferem o ambiente descontraído. As mesas na calçada dividem espaço com o churrasco. Quem é frequentador assíduo pode até levar a carne de casa para assar no bar, explica o dono Cleber Ribeiro. Uma caixa de som fica disponível próxima à porta para qualquer pessoa colocar a playlits que mais agrada.
O Centro Cultural Belchior, equipamento administrado pela Secultfor, explora atividades artísticas. O prédio histórico foi reaberto em maio do ano passado e trouxe apresentações de 60 peças de artes visuais que homenageiam o cantor e compositor cearense. O centro trabalha também a difusão, formação e realização de ações no campo da música.
Reduto da juventude alencarina há quase duas décadas, o Órbita Bar se reinventa de tempos em tempos. A casa é berço do reggae, pop, rock e indie.
O ambiente é estilizado e uma grande sinuca convida para o jogo no meio da balada. Recentemente, a fachada do prédio ganhou cores vibrantes e descoladas se tornando um grande mural a céu aberto assinado pelo grupo Acidum. O bar funciona de sexta a domingo, na Rua Dragão do Mar, 207.
As festas, shows e demais eventos promovidos pelo Mambembe - comida e outras artes agitam o fim de semana na Rua dos Tabajaras. A diversidade sexual e os fãs de música alternativa se encontram no espaço, que nesta semana recebe o Festival das Travestidas.
Amanhã, o local vai ser palco da Transvirada, que encerra a série de apresentações O reggae e eletrônico são o forte da casa de show Jamrock. O espaço é um ambiente ao ar livre com decoração caraterística. O empreendimento fica na Rua dos Tabajaras, 402.