Em uma das ações de formação da Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho (EAOTPS), que ocupa um palacete quase centenário no bairro Jacarecanga, lições sobre memória, patrimônio e preservação são aprendidas na teoria e levadas à prática no próprio imóvel.
Equipamento cultural do Governo do Estado gerido pelo Instituto Dragão do Mar, a Escola — fundada oficialmente em 2002 — oferta formações em diferentes artes e ofícios, com um dos focos em especial sendo na preservação de patrimônios históricos.
Pinturas decorativas, mas simbólicas de uma época de Fortaleza
Na ação atualmente em desenvolvimento no local, 15 alunos do Curso de Conservação e Restauração em Pinturas Parietais — ou seja, aquelas feitas em paredes — seguem até a próxima sexta (4) atuando no restauro das pinturas decorativas do Palacete Thomaz Pompeu Sobrinho.
Construído há 95 anos, o imóvel abriga as atividades da Escola de Artes e Ofícios desde 2006. Assim como ele, as pinturas parietais são, também, quase centenárias, tendo sido feitas ainda na época da construção do Palacete — que combina referências arquitetônicas ecléticas, mas é ligado diretamente à art nouveau.
Quem explica é Carolina Alves, coordenadora dos cursos de Conservação e Restauro do equipamento. “(O Palacete) foi um dos primeiros a serem construídos nessa região, se destacava e acabou atraindo diversos outros, a elite de Fortaleza começou a ocupar esse bairro”, inicia a restauradora.
“Essas pinturas nasceram junto com o casarão, são de natureza decorativa. No entanto, elas contam, por exemplo, de um ofício que existia na época e de um modo de vida: o que a gente importava, os estilos em que a gente se inspirava”
Teoria e prática aliadas marcam processo formativo na Escola
Aluno do curso voltado às pinturas parietais, Antônio Lucas, 29 anos, já teve experiência na Escola numa formação de Conservação e Restauração em telas. “Quando a gente trabalha com tela, o material é bem mais sensível do que uma parede, a gente trabalha com outros compostos menos concentrados. Aqui, tem que ser mais”, partilha.
Conhecimentos do tipo são aprendidos pelos estudantes na parte teórica da formação, para depois chegar ao processo da “mão na massa”.
“Eles passam por disciplinas para compreenderem educação patrimonial, por módulos de química, de teoria da cor, enfim, são preparados teoricamente para depois virem para a prática”, explica a coordenadora Carolina Alves.
Foi a partir de uma cadeira optativa teórica sobre patrimônio no curso de História que a estudante Jéssica Haner, 26 anos, se interessou pela prática do restauro. “Na Universidade, a gente tem muito mais a parte da teoria e eu não imaginava que, vindo para cá, ia mexer nas estruturas. Aqui é muito mais tempo de prática, o que é muito bom”, ressalta.
“Dá um pouquinho de medo no começo, afinal a gente está mexendo numa estrutura muito antiga”, admite a aluna. O preparo prévio e o acompanhamento do professor durante o processo, ela destaca, são bases importantes para a ação.
“A gente vem com a teoria muito forte para cá. Quando passa para a prática, a gente tem um professor aqui que está sempre passando essa segurança. É muito importante que a gente tenha essa parte prática. Aqui, a gente consegue testar o que estava aprendendo lá na teoria”, aponta.
“Decorativo” cuidado, estrutura cuidada
Como explica Antônio, um dos primeiros passos do processo prático é a higienização das pinturas. Carolina ressalta que, nesse processo, é feito o chamado “mapa de danos”, levantamento acerca do estado delas.
Apesar do cuidado destinado às pinturas parecer apenas “decorativo”, ele é, na verdade, intrinsecamente ligado às condições da própria estrutura da casa.
“Nesse processo de restauro, a gente trata o suporte dessas pinturas, que são as paredes — portanto, a estrutura do palacete. Assim, a gente está preservando a edificação de modo geral, não é algo só pictórico”
“As pinturas são chamadas de bens integrados, o que se refere a um bem que não existe se não houver o imóvel, então a gente considera a história dele, as técnicas tradicionais que eram usadas, o material do suporte, para poder tratar elas depois”, segue.
O cuidado com o imóvel que é sede da Escola, inclusive, é ressaltado pela coordenadora também pelo lado simbólico.
“Praticar na própria edificação é uma chance de entender que não é só um prédio que está sendo preservado num bairro. A gente entende o que é pertencimento. A gente se reconhece pertencendo, e é a partir desse pertencimento que o patrimônio se faz”
“A gente apreende a questão do zelo, tem vontade de preservar, identifica como sendo uma coisa importante. Entra a história do afeto, aí. Essa questão da prática na própria casa que está ensinando a teoria faz parte do aprendizado”, ressalta.
Equipamentos do Estado recebem aplicação prática de conhecimentos em restauro
As atividades de conservação e restauro na Escola vão além das pinturas parietais e das telas e incluem outros suportes e técnicas, explica Maninha Morais, diretora do equipamento.
“Tem dos acervos museológicos, dos bens patrimoniais, especificamente das pinturas parietais, mas a gente também trabalha com a escultura, com o papel, são mais segmentos de conservação e restauração que a escola realiza”, afirma a gestora.
A Escola ainda oferece formações em gravura e artesanato, além de capitanear o projeto de educação patrimonial Patrimônio Para Todos
A ação de conservação e restauração das pinturas parietais do Casarão Thomaz Pompeu Sobrinho é exemplo de uma prática constante da Escola de Artes e Ofícios e que envolve, justamente, uma via de mão dupla entre as demandas dos alunos e as de equipamentos culturais do Estado.
Além da sede, espaços como o Cineteatro São Luiz, o Theatro José de Alencar, o Museu do Ceará, a sede da Secretaria da Fazenda do Ceará e a cripta da Igreja de Nossa Senhora dos Remédios receberam diferentes intervenções de restauro ligadas às formações da EAOTPS.
“A gente tem procurado realizar o trabalho da escola voltado para os patrimônios do Estado. Considero a Escola de Artes e Ofícios um laboratório”, define Maninha.
Escola de Artes e Ofícios Thomaz Pompeu Sobrinho
- Onde: avenida Francisco Sá, 1801, Jacarecanga
- Mais informações: @escolaarteseoficios.tps, (85) 9278-5046 e (85) 3238-1244