Embora talvez não saiba, você conhece Sérvulo Esmeraldo (1929-2017). Quando passa pelo viaduto Reitor Antônio Martins Filho, no Cocó, você o reconhece. Ele está lá com a obra “Pulsação”, bailando com o vento. Conhece também ao circular pela Praça da Sé, o Campus do Pici da Universidade Federal do Ceará, a Avenida Beira-Mar. Atravessando Capital e interior, você o reconhece. Sérvulo é movimento e presença. O ateliê dele é a rua.
Você o conhece e precisa conhecer mais. Nomear os sentimentos. Sérvulo é sempre novidade. E há um recanto em Fortaleza dedicado a ele e ao legado que deixou. O Instituto Sérvulo Esmeraldo abre portas, janelas, linhas e formas para o público – seja ele amante ou ainda aprendiz no segmento da arte contemporânea cearense. O generoso lar fica na Avenida Rogaciano Leite, 300, casa 14. A fácil identificação prova o quanto Esmeraldo vive em nós.
Um portão vermelho com traços característicos do ofício desse cratense cosmopolita e luminoso convida a entrar. Movendo-o para dentro está Dodora Guimarães, presidente da instituição, viúva do mestre. “Sejam bem-vindos”, exclama. É ela quem conduz a visita pelo espaço, repleto de alma e dinâmica. Tudo ganha energia própria no Instituto.
Inaugurado em março deste ano como fruto de um sonho tão antigo quanto poderoso, o museu-casa foi o último endereço de Sérvulo na Capital. Quem assina o projeto do ambiente é o escritório Marcus Novais Arquitetura – o mesmo do Museu da Fotografia Fortaleza. Esmeraldo olha para nós em cada cômodo. A sensação é de aconchego. Também é nosso lar.
Dodora nos toma pela mão – ao lado dela, também está o sobrinho, Samir Guimarães, funcionário da entidade – com a paixão e o conhecimento de quem sabe a grandiosidade da herança de Esmeraldo. Nobreza expressa na simplicidade. O minimalismo do escultor, gravador, ilustrador e pintor cearense é percebido de modo bastante natural pelos recintos. A primeira obra a qual somos apresentados, por exemplo, é um imenso painel próximo à mesa com cadeiras, faceta possível da beleza. Entre silêncios e conversas, contemplação.
Papo vai, papo vem, já estamos no pátio de esculturas. A céu aberto e rodeada de vegetação, a área dá mais um passo nisso de conhecer a alma do artista. Peças de alta voltagem lúdica e criativa – em consonância com toda a obra de Sérvulo – emolduram pensamentos. Qual o ponto de partida para o criar?, ousamos refletir. Certamente o amor.
“E nós costumamos dizer que aqui é um espaço de amor. O Instituto Sérvulo Esmeraldo é voltado para a salvaguarda da memória, do arquivo e da contribuição tão importante dada pelo Sérvulo às artes plásticas do Brasil e da França, onde ele viveu. Um espaço também de alegria porque arte é alegria, reflexão e pensamento. É a ciência mais profunda desenvolvida pela humanidade desde os primórdios”, dimensiona Dodora. Como não se encantar?
Cariri em Fortaleza
A diretora do Instituto destaca outro importante aspecto de conexão da entidade com o público: o fato de o museu-casa ser todo “instagramável”, conforme descreve. Em tempos de efervescência das redes sociais, o Atelier é um dos melhores exemplos disso. Igualmente repleto de criações do gênio, expõe instrumentos de trabalho (de prensas a utensílios de modelação e corte) até outros inventos da mente inquieta de Esmeraldo.
Cores, cubos, linhas e combinações de formas e materiais conferem imersão total, beneficiados pela luz que adentra o recinto. Estado de suspensão. Uma fotografia de Sérvulo, feita por Gentil Barreira, nos recebe desde a entrada – sorriso largo e postura aberta. Abaixo da assinatura dele, está escrito “Sempre”. Do outro lado, a frase que sintetiza o espírito da instituição e do homenageado: “A obra pode desaparecer, mas a memória é eterna”.
“Trabalhamos essa memória presente a partir da exibição das obras do artista na última residência dele, onde nós moramos. Costumo dizer que o Instituto é um museu comigo dentro, porque é o lugar em que vivemos e desenvolvemos nosso trabalho. Sérvulo partiu, mas eu fiquei dando continuidade a tudo”, enfatiza a também curadora.
Sendo essa produção tão múltipla e dialógica, natural que nos impressionemos com maquetes de obras feito a escultura-fonte “Ballet Gráfico”, presente na Praça da Sé; a escultura “Monumento ao jangadeiro”, recentemente de volta à Avenida Beira-Mar; e a icônica e ainda ausente na paisagem alencarina, “La Femme Bateau”.
Texturas que ganham ainda mais força na Reserva Técnica da instituição, onde estão valiosíssimos arquivos – compondo o Acervo Documental do projeto. São cerca de 15 mil documentos, entre correspondências, material de imprensa, publicações de 1947 aos dias atuais, estudos, fotografias, croquis, maquetes, projetos de desenhos, esculturas e gravuras. Há também uma biblioteca, com títulos focados sobretudo nas Artes Plásticas; e um espaço reservado para a apresentação de vídeos sobre o Instituto e a vida e obra de Sérvulo.
As correspondências institucional, pessoal e entre colegas artistas são um capítulo à parte. Cartas de nomes incontornáveis – de Gabriel García Márquez (1927-2014) a Julio Cortázar (1914-1984) – atestam a amplitude do cratense, de como conquistou o mundo. Além do Brasil, Sérvulo viveu na França. Nunca parou. E continua assim. Dodora diz: “O Instituto Sérvulo Esmeraldo é uma extensão do Cariri em Fortaleza”. Verdade. Queremos ficar.
Sempre continuar
Ficar porque o horizonte permanece infindo. E é bom ficar perto das coisas eternas. O Instituto conserva essa relevância ao investir em vários projetos. Um deles é o de visitação. A ação educativa envolve crianças, jovens, adultos, turistas, artistas, bem como todos os interessados nas criações de Esmeraldo. Basta agendar por e-mail.
Há também a iniciativa de conservação da obra pública de Sérvulo. Missão de redobrar a atenção e a vigilância. “Esse é um grande patrimônio que ele legou à Fortaleza, o conjunto de obras espalhadas pela cidade. Talvez poucos artistas no mundo conseguiram esse feito.. Então, nós temos – todos, não somente o Instituto, mas os cidadãos e cidadãs de Fortaleza, as instituições públicas e privadas – a responsabilidade e o dever de preservar essa herança”.
Por fim, o Festival Sérvulo Esmeraldo, um dos mais importantes projetos da instituição. Sempre ocupando o Crato, no Cariri cearense, acontece de 20 de novembro a 20 de dezembro deste ano. Focado na formação artística, receberá grandes nomes da arte contemporânea do Brasil e do mundo, promovendo exposições desenvolvidas durante residências de oito dias. Trata-se de um esforço para manter viva a chama da inspiração e do fazer.
A visita ao museu-casa pode findar no próprio lar do artista, nos recantos mais internos. É quando ocupamos a sala de estar – repleta de livros e detalhes –, a sala de jantar e outras áreas expositivas. Existe também uma lojinha, em que é possível comprar blusas, bolsas, joias. Em tudo Sérvulo está. Um milagre. Um privilégio.
“Ele é muito presente em todos os lugares dessa casa porque viveu intensamente aqui. Em cada canto trabalhou, há essa referência importante da memória. Todos os espaços estão impregnados da grande sensibilidade e contribuição dele. Um espaço sagrado. Costumo dizer que, quando você põe o pé na calçada do Instituto, já entrou nele, já penetrou na memória do Sérvulo, já está de mãos dadas com ele”, poetiza Dodora.
É noite quando a despedida acontece. A diretora nos acompanhou ao longo de três horas carinhosas. O portão-painel vermelho faz o movimento inverso agora, mas prossegue convidando. Nunca para. Dodora quer que ninguém saia como entrou. Convém que saiam felizes, despertos para o bem e a transformação social e humanitária – vetores das criações de Sérvulo. Impossível isso não acontecer. Linha, luz, Crato. Você sente. Porque está.
Você conhece Sérvulo Esmeraldo. O Instituto dedicado a ele quer conhecer você.
Serviço
Instituto Sérvulo Esmeraldo
Avenida Rogaciano Leite, 300, casa 14, Salinas. Visitação gratuita com agendamento pelo e-mail institutoservuloesmeraldo@gmail.com. Terça a sexta-feira, de 10h às 12h e de 14h às 17h; aos sábados, de 14h às 17h. Contato: (85) 3241-4604. Mais informações no site e nas redes sociais (instagram e facebook)