Com uma abordagem que evidencia o olhar simbólico e poético do pintor Candido Portinari (1903-1962) às agruras sociais, o Grupo Mirante de Teatro Unifor estreia o espetáculo “Guerra e Paz”. A obra se inspira nos célebres paineis homônimos, entregues pelo brasileiro como um presente para a Organização das Nações Unidas em 1956.
A peça marca os 40 anos do grupo e os festejos pelos 120 anos de nascimento do artista, comemorados ao longo de 2024. A dramaturgia é de Annalies Borges e Eurico Mayer, e direção e produção são de Hertenha Glauce, também diretora do grupo.
“Guerra e Paz” estreia em sessão para convidados na sexta (9) e terá sessões abertas ao público nos próximos quatro finais de semana. Os ingressos já estão à venda.
Relação do Mirante com Portinari
Apesar da consonância de datas, o projeto de “Guerra e Paz” remonta à relação histórica do grupo Mirante não apenas com vida e obra de Portinari, mas com a mistura entre linguagens.
Por sete anos, por exemplo, o grupo realizou o projeto Tarde com Arte, de contação de histórias ligadas ao mundo das artes visuais para crianças, com destaque para o pintor, além de ter montado em 2016 o espetáculo “Tarsila”, obra biográfica sobre a pintora Tarsila do Amaral.
Em 2019, quando o Mirante propôs um espetáculo adulto a respeito da obra de Portinari, a Universidade de Fortaleza recebeu a visita do filho do pintor, João Candido Portinari — diretor-geral do “Projeto Portinari”, que participa da abertura para convidados nesta sexta (9) com Maria Portinari. Há cinco anos, Hertenha teve a oportunidade de ter orientação de João para a ideia.
“Qual obra teria um apelo importante que pudesse ser discutido no teatro? Ele recomendou ‘Guerra e Paz’ como sendo uma das principais do pai, achou que seria a mais simbólica”, recupera a diretora. Com a pandemia, a ideia foi adiada, tendo sido resgatada no final do ano passado para aproveitar as celebrações coincidentes.
“São duas datas simbólicas, além de um tema super atual: estamos em plenas guerras, embora a guerra do Portinari não seja bélica, com armas. É social, contra o empobrecimento e as injustiças”, ressalta Hertenha.
“Acho que aconteceu no momento certo, não só para os 40 anos do Mirante e os 120 anos do Portinari, mas também porque temos vivenciado, na contemporaneidade, essas dualidades”, dialoga Annalies.
Artes visuais, cênicas e literatura
“Como lidar com extremos, realidades que se opõem? Nós, seres humanos, somos feitos de dualidades e a peça surge para dialogar com isso, o que tem tudo a ver com a mensagem do próprio Portinari”, avança a dramaturga.
O desafio, compartilham as artistas, foi conseguir transpor tais temas complexos à linguagem teatral. Para tanto, o grupo teve uma “ajuda” especial: a do próprio Portinari.
Entrevistas com o artista e estudos feitos pelo próprio para o processo criativo dos painéis fizeram parte dos materiais que ajudaram a compor o texto. “A gente se muniu dessa fala potente do próprio Portinari para construir essa dramaturgia”, resume Hertenha. Annalies destaca, ainda, outro acesso crucial para a construção do espetáculo.
“Para além das entrevistas e teorias, a gente também se debruçou na obra poética dele, que tem outro lado de artista, o da literatura, o poeta. A gente teve acesso ao livro de poemas dele e muitos trechos usados nos diálogos dos personagens vêm da nossa criação, mas também de poemas do próprio”
Portinari como "personagem-condutor"
A partir deste acesso a produções do próprio Portinari, bem como de outros teóricos, foi decidido que o artista surgiria na peça como uma espécie de personagem-condutor.
“Quem vai nos guiando dentro nessas pequenas histórias que vão saltando do painel ao palco é o próprio Portinari. É como se ele estivesse no processo de criação e fosse tragado pela obra, fosse conduzido e nos conduzindo na narrativa”, aprofunda a dramaturga.
“O próprio Portinari vai dialogar com esses personagens, vai sendo provocado, refletindo, interagindo, em alguns momentos só observando”, dialoga Hertenha, ressaltando o caráter do fantástico e do onírico no espetáculo.
“Guerra e Paz”, então, reforça as experiências de mistura artística do Mirante, unindo as artes visuais às cênicas, mas também à literatura. “O grupo já tem esses trabalhos, como contações de histórias e esquetes a partir de estímulos visuais e obras pictóricas, desde o primeiro projeto”, afirma Annalies.
Para a dramaturga e atriz, a aposta traz estímulos a mais aos espectadores. “Nós, seres humanos, temos sensibilidades diferentes para as artes. O Mirante acaba criando ‘tentáculos’ e abraçando esses processos de multilinguagens, o que atrai um público muito diverso”, considera.
40 anos de produção do Grupo Mirante
Antes da estreia de “Guerra e Paz”, o grupo já tem celebrado os 40 anos com um novo projeto que aprofunda o diálogo entre linguagens: no Arte ConVida, pequenas esquetes são apresentadas quinzenalmente, aos sábados, no Espaço Cultural Unifor, sempre em consonância com obras em exposição.
Hertenha ainda adianta: “A gente ainda terá uma temporada de espetáculo infantil do nosso repertório em outubro e pretendemos publicar um livro com as 30 histórias que foram feitas durante os sete anos do projeto Tarde com Arte”.
“O Grupo é de atividades regulares, recorrentes, praticamente monta um espetáculo por ano e, mesmo quando não tem montagem nova, está sempre em temporada. Ele está há 40 anos de forma regular produzindo, e bastante”, celebra a diretora.
Os movimentos, dialoga Annalies, acumulam simbolismos. “É importante e simbólico pelos 40 anos de um grupo de teatro, porque nos faz ter a oportunidade de homenagear e dialogar com esse grande artista que é o Portinari e é oportuno porque é momento de refletir sobre essas dualidades humanas e tentar entender como é que a gente chega num equilíbrio individual e coletivo”, sustenta.
Guerra e Paz
- Quando: estreia para convidados dia 9, às 20 horas, com presença de João Candido Portinari e Maria Portinari; sessões nos dias 10, 11, 17, 18, 24, 25, 31 de agosto e 1º de setembro, sendo sábados às 20 horas e domingos às 19 horas
- Onde: Teatro Celina Queiroz (Av. Washington Soares, 1321, Edson Queiroz)
- Quanto: R$ 40 (inteira) e R$ 20 (meia), já à venda no Sympla
- Mais informações: @gmirante.teatro