Se a beleza é subjetiva, não adianta reduzi-la ao lugar-comum. Dito isto, há muito mais em Fortaleza que o mar de Iracema, as árvores do Cocó e os grandes centros culturais. Um encanto nem escondido nem invisível, conforme evidenciam registros feitos por jovens moradores da periferia da cidade. Magia à mostra, capturada pela sensibilidade.
No Dia da Fotografia, celebrado neste sábado (19), esta reportagem traz imagens que rompem a visualidade usual associada à capital cearense por meio do olhar delicado de gente que mora nas quebradas e, por lá, faz acontecer. São marcas de corpos, cores, fluxos e miudezas espalhadas pelo bairro Canindezinho, sede de diversas oficinas ao longo deste mês.
Elas fazem parte do projeto Canindezinho Fotográfico. Realizada pelo coletivo Imagem Território, a ação propôs três diferentes atividades gratuitas em agosto para que jovens e adolescentes amadurecessem percepções sobre a própria região. Além de cursos, ela resultou na exposição “Periferia Presente”, com curadoria de Jauh Ferreira.
Também foram incluídas no cronograma rodas de conversa e um Varal Fotográfico, composto por imagens dos participantes das formações. Tudo vem a público hoje no espaço em que ocorreram.
“O projeto nasceu a partir de uma demanda da comunidade. As oficinas tiveram um caráter prático, instigando a percepção do território”, explica o idealizador, o fotógrafo e produtor cultural Gandhi Guimarães.
Segundo ele, o Centro Cultural Canindezinho ficou pequeno para tanta criatividade. A partir da orientação dos professores Gustavo Costa e o já citado Jauh Ferreira, foram descobertos talentos e potencialidades vários. “Quem for ver a exposição vai se surpreender com a diversidade do olhar dos jovens sobre a periferia”, destaca.
“É tudo bem diferente do que é noticiado em jornais sensacionalistas, que atrelam esse lugar à violência. A mostra retrata o contrário: a realidade periférica tem muita arte, esporte, um habitar do espaço que percebe a cidade num ritmo criativo”.
Lutas e história
Dos 45 estudantes imersos no processo, o Verso conversou com dois. Jack Indris tem 16 anos, sempre morou no Canindezinho e participa de movimentos sociais, além de ser fundador do coletivo “deixa o nome para depois”. Ele começou a fotografar no celular, avançando pouco a pouco no contato com câmeras profissionais. Assim, enxergou no projeto a oportunidade perfeita para evoluir.
O foco das imagens produzidas pelo artista são trechos da avenida Osório de Paiva vistos de cima. Ali ele se detém em detalhes pequenos, mas muito poderosos. “Mostro que a periferia tem liberdade, e registro também o lado onde o povo mora – onde está, de fato, o Canindezinho. Não existe só criminalidade, tráfico e violência. Tem arte, cultura, pessoas extremamente incríveis de talentos, lutas e história”.
A mesma visão tem Rafaelly Alves, 21. Foi a primeira vez da técnica de Enfermagem no Canindezinho Fotográfico, apesar do interesse antigo pelo registro em imagens. “Quando fiquei sabendo do curso, não pensei duas vezes e me inscrevi. Mas confesso que não imaginava ser uma experiência tão incrível e transformadora como foi”, festeja.
A princípio sem direcionamento específico, logo ela filtrou a vista e entregou fotos que retratam jovens jogando bola, pessoas reunidas conversando, uma criança mostrando a pureza em um sorriso. “Minha intenção é exatamente trazer um novo olhar a coisas que, para muitos, passam despercebidas. Situações do cotidiano com beleza única e um significado a mais”.
Agora, com sede de ir adiante, cada jovem pode multiplicar conhecimentos e emoções, atestando que, de fato, a magia está em todo lugar. “Minhas fotografias podem fazer as pessoas repensarem os conceitos de beleza e ver que há muito mais lugares que merecem atenção. Podem sair também um pouquinho da própria bolha de convívio e perceber que o mundo é grande”.