Morreu, nesta quarta-feira (9), o ator, diretor e dramaturgo Aderbal Freire-Filho. Nascido em Fortaleza, é considerado um dos grandes nomes no teatro brasileiro. O cearense tinha 60 anos de trajetória artística. Começou a carreira em grupos que fizeram a história do teatro no Ceará.
Radicado no Rio de Janeiro nos anos 1970, escreveu o percurso que lhe tornaria um dos diretores mais renomados do País. Com atuação também no rádio e televisão, o diretor teatral era casado com a atriz Marieta Severo. As causas da morte ainda não foram divulgadas.
Em 2020, Aderbal foi internado após sofrer um AVC hemorrágico no dia 24 de junho. Naquela ocasião, ficou internado por mais de 70 dias.
Entre os inúmeros feitos da carreira artística e acadêmica, criou o "Centro de Demolição e Construção do Espetáculo" (1989-2003) e coordenou a comissão que criou o Curso de Direção Teatral, da Escola de Comunicação, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Em 2003, o talento deste cearense foi reconhecido com o Troféu Seria de Ouro.
Um homem de teatro
Por telefone, o ator, dramaturgo e diretor teatral Ricardo Guilherme destacou a trajetória de Freire-Filho. Um realizador que se confunde com a história do teatro cearense e brasileiro. "Um dos mais imprescindíveis pensadores do Teatro Contemporâneo, referência não apenas no Brasil, mas em vários países da latino-américa", descreve.
Nascido em 1941, Aderbal Freire-Filho era segundo dos seis filhos do advogado Aderbal Freire e da professora de francês da Escola Normal, Maria de Lurdes Pompeu Rossas. A primeira casa onde morou ficava na Rua Liberato Barroso, entre a Praça José de Alencar e a Avenida Tristão Gonçalves. Naquela vizinhança, existia um espaço fundamental à sua trajetória nas artes cênicas. Local de sonhos e cultura, era o Theatro José de Alencar.
A grande lembrança deste período é mesmo ter morado vizinho ao Theatro José de Alencar. E o Theatro José de Alencar ter me chamado tanto a atenção. O que eu acho que colabora com este acaso ou parte de acaso que me levou a ter como ofício o teatro. Eu me lembro mais da imponência do prédio, do poder de atração que ele exercia".
Aos 13 anos, o jovem Aderbal já fazia suas incursões na arte. Entre participações no teatro amador e semiprofissional, formou-se em Direito. Mas, até o percurso que lhe tornaria um dos diretores mais renomados do País, faria parte de três dos mais importantes grupos teatrais do Estado.
Começou no tradicional Teatro Experimental de Arte, fundado por Hugo Biachi, B. de Paiva, Marcus Miranda e Haroldo Serra. Anos depois integra-se ao grupo Comédia Cearense, participando da montagem do primeiro espetáculo da companhia, “Lady Godiva”, de Guilherme Figueiredo. Já na década de 1960, Aderbal, ao lado de Marcus Miranda e Maria Luiza, criam uma das tradicionais companhias do Estado: o Grupo Teatro Novo.
"Waldemar Garcia me formou nos fundamentos da poética da cena incrivelmente. B. de Paiva me mostrou um sentido plástico e a grande dimensão do encenador, o que foi fascinante para mim. Eu considero até hoje esta a minha maior virtude, tirar do papel e criar uma cena nova, algo que eu me descobri com um talento insuspeitável, desde as minhas primeiras peças no Rio", contou o realizador ao Diário do Nordeste em 2003.
O Brasil ganha Aderbal
Em 1970, muda-se para o Rio de Janeiro em definitivo. Mora no "Solar da Fossa", um abrigo para jovens que tinham muitas ideias na cabeça. “O Cordão Umbilical” (1972), de Mário Prata, foi o primeiro texto montado. No ano seguinte conquista plateias cariocas com o monólogo “Apareceu a Margarida”, estrelado por Marília Pêra. Entre os projetos iniciais, também realiza versão para "Flicts", livro infantil de Ziraldo.
Logo, Aderbal Freire-Filho passou a ser também sinônimo de bom teatro, por meio de encenações como "A mulher carioca aos 22 anos", "Senhora dos Afogados", "Manual de sobrevivência na selva", "Réveillon" e "A morte de Danton".
Quando comecei a dirigir, já possuía uma longa prática de quase 20 anos de teatro. Só depois mergulhei fundo em ler um pouco mais de teoria, o que assessorou a minha formação. A preocupação com métodos surge, na prática, mais como uma busca de uma relação entre processo e resultado. Existia muito empirismo e muito pouca ortodoxia. Procuro testar os limites e as possibilidades do palco com os atores".
Na década de 1980, realiza experiências com teatro de rua, em grandes montagens de dramas sacros e também com adaptações para Machado de Assis (1839- 1908) e Carlos Drummond de Andrade (1902-1987). Na década seguinte, dedica-se a personagens históricos, realizando: “Lampião”, de sua própria autoria.
Seguem “O tiro que mudou a história”, dele e de Carlos Eduardo Novaes (1991); “Tiradentes, Inconfidência no Rio”, dos mesmos autores (1992). Esse último lhe vale uma encenação ímpar no teatro brasileiro. Por sua longa carreira, pela gama variedade de linguagens e projetos cênicos, e pela ênfase à função questionadora do processo de criação teatral, o dramaturgo recebeu o Troféu Sereia de Ouro de 2003.
Em nota, a Secretaria da Cultura do Ceará (Secult CE), afirma que Freire-Filho "aliou a busca constante por novas formas de teatralismo a uma encenação que priorizava o ator como agente principal da linguagem e da comunicação das ideias do texto".