São centenas de vinis, CDs, fitas VHS, películas cinematográficas, tocadores de disco, câmeras antigas, instrumentos, quadros, xilogravuras, partituras e ainda uma ampla diversidade de suportes, linguagens e tempos que compõem os mais de 150 mil itens do acervo do Museu da Imagem e do Som do Ceará.
O desafio que se impõe ao equipamento — inaugurado inicialmente em dezembro de 1980 e reaberto há quase três anos pelo Governo do Estado — é dar conta de demandas represadas, novas e cotidianas envolvendo o acervo
Além de catalogar, restaurar, preservar e guardar os itens, o museu tem buscado formas de torná-lo, como define o diretor Silas de Paula, “cada vez mais disponível para qualquer pessoa”. A intenção passa por fortalecer formas de acesso que incluem digitalização, exposições, pesquisas e circulação em rede.
Acesso ao acervo sob demanda
Atualmente, o acesso ao acervo do MIS se dá mediante demanda. Isso quer dizer que, para quem tiver alguma busca específica, é preciso contactar o museu pelos e-mails pesquisa.mis@institutomirante.org e acervo.mis@institutomirante.org.
“Como a gente não tem como receber a pessoa fisicamente ainda, manda um e-mail para a gente e aí o setor de pesquisa vai localizar a imagem, ou o que quer que esse pesquisador ou essa pessoa esteja querendo, e disponibilizar”, resume Sandra de Jesus, gerente de Acervo e Pesquisa do MIS.
Esse passo é necessário, explica a especialista, porque os materiais precisam ser preparados com antecedência a partir da demanda. “Por enquanto”, ressalta Silas, uma vez que o Museu da Imagem e do Som tem não somente planos, mas ações voltadas à digitalização desse acervo.
Desafios para digitalizar
“(Com ela) você pode permitir visualização de qualquer lugar do mundo. Não é preciso um pesquisador vir aqui pra ver qualquer objeto ou documento”, atesta o diretor. “A partir do momento em que está digitalizado, é só entrar direto e olhar”, reforça Silas.
Cerca de 10 mil itens do acervo já foram digitalizados, mas o processo é contínuo e inclui o pensamento de como tornar as digitalizações acessíveis.
“A gente está em implantação de um programa chamado Tainacan, do Instituto Brasileiro de Museus, em que a gente vai disponibilizar o acervo. A gente está estudando qual é a melhor forma”, adianta Sandra.
A Gerência de Acervo e Pesquisa do MIS possui 23 integrantes, incluindo 10 em estágios, e, na estrutura, conta com um Laboratório de Preservação, Conservação e Digitalização, por onde passa a demanda. “Vai levar um tempo, ainda, porque tem muita coisa para fazer. É um processo que não para”, ressalta Silas.
Reserva técnica de ponta
Isso porque o atual acervo do museu vem sendo construído desde os anos 1980 e, com a reabertura em 2022, os milhares de itens precisaram passar por processos como higienização e catalogação, para posterior guarda na reserva técnica.
O termo se refere ao ambiente onde as peças do acervo são resguardadas de modo cuidadoso, com controle de climatização e higienização constante, por exemplo. Após passar pelo laboratório, seja para restauro ou digitalização, por exemplo, os itens chegam à reserva técnica para a guarda.
“A gente faz o armazenamento baseando então na numeração que cada um recebe na catalogação”, explica Simone Lopes, técnica especialista de Documentação, Catalogação e Gestão de Acervo do MIS. Tal organização ajuda, inclusive, a encontrar um item demandado.
“A gente já localiza com mais facilidade. A ideia é justamente essa, saber o quantitativo, o que você tem e onde está, que na hora da busca de informação isso dá uma agilidade maior”, afirma.
Na reserva, cada item é guardado da melhor e necessária maneira. Há tanto a fabricação de caixas de armazenamento em diferentes tamanhos e feitas com papel especial, quanto, no caso de películas, estojos feitos de polietileno, que impedem a entrada de luz e evitam a oxidação dos filmes.
“A partir de cada tipo de obra, de acervo, a gente vai dimensionando, estudando. Cada suporte pede uma coisa”, resume a técnica.
“Esse projeto avançou não só aqui, mas na Pinacoteca também: uma reserva técnica que desse condições de preservar essa memória de um jeito mais concreto e objetivo”, ressalta Silas.
“Só que (são) 44 anos de coisas guardadas não de uma forma tão profissional ou técnica, na realidade”, aponta o diretor. “A gente tem que dar conta do passivo e do ativo que está chegando agora”, dialoga Simone.
Na retomada do museu, foi necessário rever todos os itens que compõem o acervo, para organizá-los e guardá-los da forma devida. “A gente começou praticamente do zero”, reconhece o diretor.
“Além do que está guardado, que tem que ser recuperado, tem o dia a dia. É a memória do passado e a memória do presente, então é muito trabalho. Como a gente não fez isso no passado, agora a gente está começando a organizar e espero que pelo menos nesses dois anos e pouco que faltam para esse governo — que tem nos dado apoio em cima desse processo —, a gente consiga fazer boa parte, mas não vai conseguir fazer tudo”
Preservação de filmes cearenses
Juntamente do desafio histórico ressaltado por Silas, a digitalização também traz delicadezas e especificidades que alargam esse tempo. “A digitalização é um processo de preservação, também. Quando digitaliza, além de permitir acesso a mais pessoas, a gente está preservando”, resume Sandra.
O MIS, informa Silas, possuiu um equipamento que consegue digitalizar uma obra “em tempo real” — se o filme tem 1h30, a digitalização dura 1h30. “Só que precisa restaurar e tratar, e aí é quadro a quadro, então pode demorar seis meses”, avança.
No escopo do Laboratório de Preservação, Conservação e Digitalização do museu, diferentes filmes cearenses já foram trabalhados.
Filmes como “O Caldeirão da Santa Cruz do Deserto” (1986) e “Lua Cambará: nas escadarias do palácio” (2002), de Rosemberg Cariry, passaram por digitalização. Já entre aqueles também restaurados, estão os curtas “Chico da Silva” (1976), de Pedro Jorge de Castro, “Jangada de ir e vir” (1977), de Marcus Vale, e “Reis do Cariri” (1978), de Oswald Barroso.
Técnica especialista de Preservação, Conservação e Digitalização do Laboratório, Gabriela Dantas explica que, do processo, resultam duas cópias: a de preservação, original, e a de exibição, “que vai receber o restauro digital com ajuste de cor e retirada de sujidade”.
Difusão do acervo
“É na difusão que a gente pensa em como botar esse acervo para a população ver. Recentemente, a equipe dos laboratórios esteve no Dragão do Mar com essas películas que a gente restaurou”, explica a técnica.
No final de outubro, o Cinema do Dragão recebeu sessão dupla de “Chico da Silva” e “Homens trabalhando” — registro em super-8, feito por Marcus Vale e João Vale e dirigido por Hélio Rôla, de performance artística realizada em 1977 pelos pintores da Escola do Pirambu.
As obras, já finalizadas, não estão ainda disponíveis ao público em plataforma digital, mas as equipes do MIS e do Cinema do Dragão — ambos equipamentos do Governo do Estado — planejam eventuais sessões nas salas do Centro Dragão do Mar.
“Isso está sendo conversado com eles, para ter sempre um tipo de programação mensal, ou, enfim, com alguma periodicidade, para fazer sempre exibições tentando difundir esse acervo”, adianta Gabriela.
Além das exibições no Dragão do Mar, representantes do laboratório do MIS têm circulado nacionalmente para apresentar os trabalhos de restauro e digitalização feitos no equipamento cearense.
Já houve presença em iniciativas como a Mostra de Cinema de Ouro Preto (MG) — referência em preservação audiovisual no Brasil — e o Instituto Itaú Cultural (SP).
Acervo dinamizado
Outro pensamento de difusão do acervo do Museu da Imagem e do Som cearense está também, naturalmente, na realização de exposições que dinamizem esses itens após os passos necessários de catalogação e conservação, por exemplo.
Sandra cita, por exemplo, o trabalho da equipe que foi focado na coleção do compositor Humberto Teixeira (1915-1979), cujo acervo está sob a guarda do MIS. Após os processos devidos, uma exposição sobre o artista foi aberta no museu no final de 2023.
Ainda em novembro, no dia 21, o equipamento abre a exposição permanente "Imaginar os Cearás: Memórias e Tecnologias", que explora a história e o acervo do MIS. A mostra terá pesquisa gerida pela Coordenação de Pesquisa e curadoria de Eliene Magalhães.
Outra coleção atualmente sendo trabalhada no MIS é a da agência de publicidade cearense Scala, que reúne parte relevante da memória da propaganda institucional sobre o Estado a partir dos anos 1970. Há planos, ainda iniciais, de uma exposição sobre a área em geral para o ano que vem.
Para 2025, o MIS também prevê a criação de um prêmio de aquisição a ser entregue no Cine Ceará, festival de cinema mais importante do Estado, para um curta e um longa cearense que serão adicionados ao acervo de salvaguarda do museu.
Informação multiplicada, informação preservada
As ações adiantadas pela equipe ao Verso ressaltam uma vocação necessária do museu, como Simone destaca:
“A gente não pode pensar que está dentro de um espaço que é educação, pesquisa, formação, lazer e que tem toda uma dinâmica, e achar que vai estar só cuidando para deixar dentro das estantes”
É preciso, ressalta a especialista, trabalhar pensando “de que forma consegue se comunicar da melhor maneira possível com o público”.
“Exposição, debates, pesquisas realizadas internamente, tudo pensando justamente nesse processo de preservação, entendendo ela desde o fazer até dar continuidade à informação. É uma cadeia que não acaba. Quanto mais a gente multiplica a informação, mais está preservando ela”, sustenta.
Dessa forma, como reflete Silas, se torna possível que o passado ensine a olhar o futuro. “Essa é a grande questão da memória, nos permitir pensar o que foi feito, como foi feito, ajustar ou trabalhar de outra maneira”, define o diretor.
No MIS, tal gesto é acentuadamente voltado, de forma natural, às especificidades cearenses.
“Por mais que eu possa gostar do Van Gogh, eu prefiro mostrar Chico da Silva (pintor acreano e filho de cearenses, radicado no Estado). que coloca nossas identidades de uma forma mais viva e possível de discutir o que a gente faz na cultura, na arte, não só para quem vem de fora, mas para nós mesmos, cearenses, conhecermos melhor o que tem no Ceará”
Museu da Imagem e do Som do Ceará
- Quando: aberto quarta e quinta, de 10 horas às 17h30, e de sexta a domingo, de 13 horas às 19h30
- Onde: av. Barão de Studart, 410, Meireles
- Entrada gratuita.
- Contato para pesquisa de acervo: pesquisa.mis@institutomirante.org e acervo.mis@institutomirante.org
- Mais informações: no site ou no Instagram @mis_ceara