A Língua Brasileira de Sinais é a verdadeira protagonista de “A História que eu Vejo”, projeto que incentiva um novo olhar sobre práticas artísticas e pedagógicas envolvendo crianças surdas. Engana-se, porém, que apenas elas participam. Ouvintes também são convidados a estar junto, sendo este o grande diferencial da ação.
As atividades acontecem até esta quarta-feira (26) na Escola Municipal de Educação Bilíngue Francisco Suderland Bastos Mota, no bairro Parque Dois Irmãos, em Fortaleza. São contações de histórias, produção de objetos cênicos, músicas específicas, entre outros conteúdos, destinados a 20 estudantes do Ensino Fundamental da instituição.
A apresentação final de todo esse processo acontece exatamente nesta quarta. “O projeto inicia com uma contação de história em Libras feita pela equipe, mas no decorrer das oficinas as crianças vão aprendendo outras coisas. Por fim, começam a passar por um processo de conscientização do próprio corpo, do corpo performático, para contar as próprias histórias”.
Quem explica é a artista e professora Luciellen Castro, 32, cearense criadora do projeto. Segundo ela, a dinâmica artística é inteiramente democrática, abarcando tanto crianças surdas quanto ouvintes, e atribuindo a todas a condução geral da programação. É a primeira vez que Fortaleza recebe a iniciativa após passar por Brasília e Rio de Janeiro.
“Desde o princípio a ideia do projeto é estar em escolas públicas porque acreditamos no ensino público, nesse espaço que precisa ser potencializado. É onde as crianças muitas vezes não têm acessibilidade para estar em projetos artísticos – devido a transporte, condições financeiras, carência etc – e a gente se sente muito privilegiado e grato por isso”.
Desafios e potencialidades
Garantir que todas as crianças sintam-se incluídas na ação é um dos maiores desafios de “A História que eu Vejo”. Isso porque tanto as histórias narradas pelo projeto quanto as oficinas desenvolvidas por ele são pensadas diretamente para o público surdo.
O entendimento do grupo é que, no cotidiano, os surdos são pessoas que acabam sendo muitas vezes esquecidas ou sem acesso facilitado a produções artísticas. “Outro desafio é apresentar ferramentas ao longo das oficinas com o objetivo de dar autonomia para as crianças, para que sejam protagonistas das próprias produções, criações e apresentações”.
Graduada em Teatro, Luciellen contextualiza que a ideia nasceu em Brasília, ganhou nova tessitura no Rio de Janeiro ao também incluir a comunidade escolar na dinâmica, e agora chega a Fortaleza com grande adesão. Não à toa, a procura de professores de outras escolas para que o projeto – contemplado pela Lei Paulo Gustavo – possa ser desenvolvido lá.
A riqueza está nos detalhes. Escuta atenta, presença marcante e investimento em elementos cênicos – como palco, caixas grandes para chamar atenção e uma caixa específica com maior uso da parte grave para reverberar mais forte entre crianças surdas e, assim, permitir que elas sintam a vibração – são pontos-chave nesse processo de encantamento e conhecimento.
“Acho que a parte mais bonita do nosso projeto é essa socialização em si. Porque não adianta colocar, por exemplo, uma criança surda numa escola de ouvintes com intérprete do lado se não acontece interação entre eles. Por isso que, na formação do projeto, durante as oficinas, o foco é elas construírem, criarem e produzirem juntas”.
De forma pessoal, Luciellen não pretende parar. A artista desenvolve um projeto de teatro musical infantil intitulado “O Menino e o Tempo”. Nele, um dos personagens fala em Libras e toda a história perpassa por essa língua, mais uma vez trazendo-a como protagonista da cena.