Ler um livro ou ficar no TikTok? Comunidades na rede social incentivam leitura e fortalecem escrita

No Dia da Literatura Brasileira, celebrado neste 1° de maio, um guia para estimular a leitura sem sair do TikTok

Na emergência das redes sociais, até o que era inconciliável pode ganhar alternativa. Uma das maiores provas é a BookTok. A comunidade literária é utilizada por grande número de escritores e produtores de conteúdo tanto para indicar livros quanto para expandir o universo das letras na internet.

No Dia da Literatura Brasileira, celebrado nesta quarta-feira (1º), usuários do TikTok compartilham experiências para que ninguém deixe de acompanhar os posts de todo dia enquanto engata um título e outro. Annik Machado, 26, é uma delas. A cearense  lê e divulga vários livros nacionais – numa média de três por mês.

Nesse movimento, percebe que os seguidores gostam muito de ler obras escritas por brasileiros devido à proximidade com os autores. “A maioria é bem acessível nas redes sociais, e é possível interagir com eles também. Isso agrega muito na experiência da leitura”, observa, elegendo “Safira de Prata”, de Laura Reggiani, e “Jantar Secreto”, de Raphael Montes, como alguns dos nacionais favoritos.

“Nossa literatura é muito rica e diversa. Existem muitos livros brasileiros incríveis e é importante apoiar o mercado literário nacional para que ele possa crescer ainda mais”. A fala reflete muito da trajetória trilhada até aqui. Annik começou a criar conteúdo para o Booktok em 2021 no perfil @leiturasannik.

Após um ano difícil, sem muitas oportunidades de trabalho em Engenharia Civil – área na qual se graduou – resolveu apostar na paixão de infância, quando passava horas e horas revirando páginas de livros em busca de descobrir novas histórias. Resultado: mediante investimento de tempo e trabalho, começou a ficar mais conhecida.

“Oportunidades foram surgindo e a criação de conteúdo se tornou minha principal fonte de renda. Meu trabalho consiste principalmente em ler e divulgar livros nacionais e internacionais que são lançados aqui no Brasil, de forma independente ou por editoras, seja por meio de resenhas ou vídeos de indicações de leitura. Também compartilho notícias sobre o mercado literário, como lançamentos e adaptações literárias que estão por vir”.

Rotina entre livros

O cronograma de produção é intenso. Em uma semana típica de trabalho, a influenciadora se organiza para ler dois livros e gravar/postar cinco vídeos. É essencial considerar os assuntos e trends do momento e dividir o tempo para cada atividade: de manhã responder e-mails e comentários e ler um livro; à tarde, gravar vídeos; à noite, postar conteúdo e ler mais um pouco. “Com a criação de conteúdo, consegui abrir minha empresa de prestação de serviços e ter minha independência financeira”, dimensiona.

“A meu ver, o Nordeste ainda não ocupa a dianteira nesse ramo, mas cada vez mais vem sendo reconhecido pelo público leitor. Eu, como criadora cearense, gosto de interagir com meu público e fazer eles se identificarem com o meu conteúdo. Acredito que essa proximidade e acolhimento é um diferencial nosso”.

Pedro Rhuas, 28, que o diga. Potiguar de Mossoró, ele é escritor, cantor e jornalista bastante reconhecido devido ao alcance singular da literatura no TikTok. Iniciou na plataforma por acaso, em abril de 2021 – embora, como todo jovem autor conectado às redes, ouvia com pé atrás os casos dos sucessos literários que explodiam graças à rede social. 

“As grandes editoras no Brasil viam os efeitos dessa onda em estado de incredulidade – por não saber como explicá-la – e êxtase, pelas cifras que rendia. Muitas casas não tinham sequer perfis na rede. O fenômeno ‘booktok’, nome dado à comunidade literária no TikTok, era o bilhete premiado da loteria que todos queriam ganhar”.

Mesmo assim, decidiu apostar. Na primeira publicação, contou a respeito de como o próprio livro, “Enquanto eu não te encontro”, saiu de uma publicação independente na Amazon para ser lançado pelo selo jovem da maior editora do Brasil, a Companhia das Letras. Apresentando a trajetória como autor nordestino e LGBTQIAP+, no final mostrava a capa e anunciava a pré-venda. Tudo simples e em menos de um minuto em uma edição caseiríssima. 

O resultado impressionou: mais de 37 mil curtidas e centenas de comentários em poucas horas. Os brindes limitados da pré-venda, planejados para vender em até três meses, esgotaram em apenas quatro dias. Editora e autor não conseguiam acreditar no que estava acontecendo.

“Depois disso, entendi o TikTok como a principal rede de divulgação do meu trabalho. Afinal, ele fazia os conteúdos saírem da bolha literária e chegarem a jovens que normalmente não teriam acesso a conversas sobre literatura antes, além de proporcionar o mais importante: conexão em comunidade”, explica o escritor.

Sempre focando em vídeos sobre representatividade queer, nordestina e cultura pop, Pedro chegou em diversas pessoas espalhadas pelo país. E quando “Enquanto eu não te encontro” foi por fim lançado três meses depois, já havia conseguido hype suficiente para atestar um fenômeno: a obra vendeu 50 mil exemplares físicos e gerou milhões de visualizações no TikTok. Tecnologia e literatura juntas e dando certo.

TikTok no processo criativo

Para além da divulgação das obras que escreve, Rhuas elege o TikTok como agente no processo criativo de novas narrativas. Segundo ele, a plataforma é um “paraíso para contadores de histórias”.

“Fofocas, relatos pessoais emocionantes, romances fofos que parecem saídos das páginas de um livro… Existe essa tendência de furar a bolha constantemente com o algoritmo inesperado do TikTok. Então, vez ou outra sou surpreendido com histórias que, sim, me inspiram”. Hoje, colhe os frutos de todo esse investimento em si por meio da rede.

Pedro saiu de um estudante recém-formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte para um autor best-seller bem-posicionado em uma das principais casas editoriais do país.

“Temos a impressão de que, hoje em dia, as pessoas vivem exclusivamente conectadas aos dispositivos eletrônicos. Embora ganhem cada vez mais espaço em nossa rotina diária, ainda saímos para fazer compras, para jantar com a família, ir à academia, à praia, à casa de nossos avós... O livro faz parte de nossas vidas”, contextualiza.

“E, pelo contrário, o Booktok proporcionou justamente incentivo à leitura. Com livros ganhando espaço nas discussões das redes sociais, as pessoas querem fazer parte do diálogo, estar no centro da ação. O TikTok contribuiu com isso. Nossa principal pergunta é: como ampliar ainda mais esse debate e democratizar o acesso à leitura?”.

Sempre fomentar a literatura

Líder de Relacionamento com Criadores do TikTok no Brasil, Luciana Galastri ajuda a endossar o diálogo. E faz isso mostrando dados. Hoje, a hashtag #BookTokBrasil conta com aproximadamente 2,3 milhões de vídeos publicados. Apenas no ano passado, foram publicados 1,9 milhão. Isso equivale a 5200 vídeos por dia em média.

“O fenômeno dos criadores de conteúdo que falam sobre livros já vinha se estruturando desde 2020, mas deslanchou no primeiro semestre de 2021. Desde então, se tornou um dos assuntos mais comentados da plataforma. A #BookTok hoje conta com mais de 32 milhões de vídeos publicados. O TikTok é uma plataforma em que a cultura encontra o entretenimento e, para nós, é natural que esse tipo de conteúdo faça parte do interesse da comunidade”.

Logo, para ela, a ferramenta promove a leitura. O BookTok, por exemplo, popularizou resenhas curtas e dinâmicas de livros, despertando o interesse de muitos em novos títulos e gêneros. “Além de atrair muitos jovens para os livros, contribui com as mudanças nos hábitos de leitura no país, sendo uma maneira divertida e envolvente de descobrir novas obras e se conectar com outras pessoas que compartilham o mesmo interesse”.

A presença das editoras na plataforma também é relevante, uma vez que elas também usam o TikTok para falar de lançamentos e se aproximar ainda mais dos públicos. Esse pacote completo é um guia para estimular o praticamente impossível: estar nas telas e, mesmo assim, se dedicar integralmente aos livros.

Por fim, Luciana recomenda: “Tenho vários livros nacionais que não saem da minha cabeceira, desde os clássicos, como ‘Dom Casmurro’, até os mais recentes. É difícil eleger um só, mas a minha última recomendação é ‘Oração para Desaparecer’, da Socorro Acioli . É um livro extremamente delicado, escrito com um amor tão grande que transborda”.

Feito escreve Carola Saavedra em "O mundo desdobrável - Ensaios para depois do fim": "O livro se transforma à medida que se transforma o leitor. E nos faz, mesmo que por algumas horas, esquecer nossa profunda seleção".