Aos 31 anos, Cristiano Lemos lembra bem das primeiras partidas de Imagem & Ação que jogou na adolescência: quem começava tímido, acanhado, logo ia perdendo a vergonha e se entrosando na tentativa de levar a melhor na descoberta das palavras e expressões.
Era um momento de lazer, mas também de intrínseco desenvolvimento da socialização, bem parecido com o que a maioria das pessoas está precisando hoje, após quase dois anos da pandemia de Covid-19.
“Eu acho que continua atrativo porque proporciona esse contato humano, o riso, a torcida, o abraço quando se vence uma partida etc. E agora então, nem se fala... a gente tá muito carente disso, louco pra voltar ao antes”, aponta.
Com as orientações de isolamento social, necessárias para o controle da atual crise sanitária, a partida entre amigos se tornou inviável. Porém, mais recentemente, com o avanço da vacinação no Ceará e o controle da transmissão, Cristiano já tem se permitido jogar novamente.
“No último final de semana, por exemplo, fizemos uma reunião que não fazíamos há mais de um ano e meio. Teve até um jogo inédito na ocasião”, celebra.
Da mesma forma, a freelancer em audiovisual Camila Fernanda Costa Barbosa, 30, não esconde a satisfação em poder retomar este hábito de infância.
“Principalmente agora, nesse momento de pandemia, a experiência de estar perto, jogando juntos, rindo e até mesmo discutindo por conta das regras, é bem diferente, a gente percebe mais o quanto precisamos dessa troca”, enfatiza ela, que, mesmo quando não é a anfitriã, adora levar vários jogos de tabuleiro para os encontros e sentar em volta de uma mesa.
Conceito e origens
De acordo com o professor de Educação Física do Instituto Federal do Ceará - Campus Aracati, Valter Barbosa Filho, há diferentes formas de classificar os jogos de tabuleiro, com base nos seus materiais, organização interna (como ele é jogado), origem, entre outras. Uma delas se baseia no objetivo do jogo.
“Neste caso, o Comitê Internacional de Brincadeiras na Infância (International Council for Children's Play) descreve os jogos de tabuleiro como de percurso, ou seja, o seu objetivo é seguir um percurso, em geral, através da indicação de dados. O que já distingue, por exemplo, de jogos de estratégia, como o xadrez ou a dama, que não se baseiam necessariamente na sorte. Há ainda outras formas de organizar jogos de tabuleiro de acordo com os seus objetivos, como educacionais e ativos”, conceitua.
Valter lembra, porém, que a origem desses jogos está intrínseca à humanidade de fazer atividades prazerosas, sem o objetivo ou consequência para além do prazer. Isso significa, segundo ele, que o jogo de tabuleiro, como outros tipos de jogos, tem princípio em manifestações culturais pré-históricas, antes mesmo da organização e formalização da língua escrita.
“Há registros históricos que apontam que eles eram praticados cinco mil anos antes de Cristo, com dados feitos até de ossos no Oriente Médio. Ao longo da história, eles se tornaram importantes formas de lazer em diferentes civilizações, na realeza e entre os trabalhadores. Inclusive, jogos de tabuleiro foram utilizados para desenvolver e definir boas estratégias militares durante guerras”, destaca.
Neste sentido, o professor reforça que os estímulos diversos que os jogos de tabuleiro e muitos outros brinquedos oportunizam são essenciais para o desenvolvimento integral e saudável de crianças e jovens.
“Nossas habilidades para tomar decisões, assumir responsabilidades, lidar com dificuldades surgem e se consolidam nestes momentos também. Esta é uma mensagem muito importante do Guia de Atividade Física para a População Brasileira, lançado este ano”, evidencia.
Resgate da socialização
Valter admite que jogos de tabuleiros representam uma possibilidade de, mesmo virtualmente, manter os encontros entre os amigos e familiares. E, lembra que, dentro da própria instituição em que atua como professor, conduziu nesta pandemia uma competição de xadrez virtual com 40 alunos, cada um na sua residência.
“Foi um momento bem proveitoso para eles. Alguns, inclusive, se conheceram a partir deste evento”, observa.
Camila Barbosa também teve uma experiência parecida durante o isolamento.
“Uma vez, meu melhor amigo e eu resolvemos fazer uma chamada de vídeo e jogar Perfil, nos aproveitando do fato de termos jogos iguais em casa. Então jogamos o jogo de tabuleiro, pela videochamada e foi muito divertido”, partilha.
No entanto, não se pode fechar os olhos para os prejuízos que a entrega digital traz para a saúde mental, social e física. “Jogos virtuais são bem interessantes, porém, precisam ser pensados e organizados com cautela, para não afetar negativamente as pessoas, sobretudo, as crianças e adolescentes em desenvolvimento”, alerta o professor Valter Filho.
É aí que o tabuleiro tradicional pode dar um novo fôlego. Para Jakeline Andrade, professora da área de Psicologia da Educação na Universidade Federal do Ceará e coordenadora do curso de Pedagogia noturno, o jogo de tabuleiro é uma interação social.
“Qualquer tipo de jogo tem esse caráter de socialização e de regras, então a gente está falando realmente de uma aprendizagem social”, observa.
Logo, segundo a professora, se as pessoas estão nesse período de isolamento e recorreram a isso, essa é também uma forma de fazer um resgate.
“Eu acho que nós sentimos falta dessa socialização, e a gente quando tem uma crise, recorre aos momentos mais tranquilos da nossa vida, que é a infância, a adolescência. Esses jogos fizeram parte da vida de muitos adultos, e trazê-los nesse momento para o seio da casa, da família, é no sentido de resgate do contato”, acredita.
O que jogar
Se depois disso tudo, bateu a vontade de jogar, mas você ainda está aí sem saber o quê, a professora Jakeline dá a principal dica: “jogo bom é aquele em que todo mundo consegue se perceber inserido em uma relação social”.
Dito isto, é importante pensar também sobre a intenção ao jogar, se é de fato socializar ou ainda aprender e praticar estratégias cognitivas, entre outras opções, como bem lembra o professor Valter.
Vamos então a algumas opções:
Damas: Realizado num tabuleiro quadrado, de 64 casas que alternam entre cores claras e escuras, este jogo é voltado para dois jogadores. Cada um tem 12 peças à disposição, sendo distinguidas entre brancas e pretas. O objetivo é capturar ou imobilizar as peças do adversário. Aquele que conseguir capturar todas as peças do inimigo ganha a partida.
Xadrez: A partida entre dois jogadores é disputada em um tabuleiro de casas claras e escuras. No início, cada enxadrista controla dezesseis peças com diferentes formatos e características. O objetivo da partida é dar xeque-mate no rei adversário, o que só se consegue com estratégia e tática.
Gamão: Neste jogo, realizado num caminho unidimensional, os dois adversários movem suas peças em sentidos contrários, à medida que jogam os dados e estes determinam quantas "casas" serão avançadas. Será vitorioso aquele que conseguir retirar todas as peças primeiro.
Ludo: De dois a quatro jogadores disputam quem é o primeiro que, partindo de uma casa de origem, chega com quatro peões ou cavalos à casa final. Para isso, deve-se dar a volta inteira no tabuleiro e chegar antes dos adversários.
Monopoly (Banco Imobiliário): Envolvendo de dois a seis jogadores, o jogo consiste na compra e venda de propriedades como bairro, casas, hotéis e empresas. Vence aquele que não for à falência, ou o que tiver mais propriedades compradas em mãos.
War: Disputado em um mapa do mundo dividido em 6 regiões (Europa, Ásia, África, América do Norte, América do Sul e Oceania), pode ser jogado por 3 a 6 pessoas. Cada uma recebe uma carta com uma determinada missão e, ganha quem a completar primeiro.
Imagem & Ação: Os jogadores têm à disposição 2.400 palavras ou expressões, divididas em 6 categorias, para expressar por meio de desenhos, esboços ou rabiscos aquilo que será adivinhado enquanto a ampulheta marca o tempo. Tudo bem que, por aqui, a mímica assumiu o lugar do desenho, mas, em todo caso, ganha quem mais identificar aquilo que está sendo projetado!