Início da manhã, hora do almoço ou fim de tarde: para sobreviver à rotina, a estratégia é se alimentar. Nesse sentido, o jarrão é a escolha de muita gente que passa pelo Centro sem tanta grana e com pressa para comer. A baixo preço e exibindo fartura, a jarra generosa de suco ou vitamina está espalhada por Fortaleza em diferentes bairros, do Montese ao Centro, independentemente do horário.
O Verso percorreu três estabelecimentos nos quais essa cultura alimentícia está arraigada e define o comportamento das pessoas ao sentar-se à mesa. Comecemos pelo Irmão Lanches Jarrão. Localizado na rua Rocha Lima, esquina com a avenida Visconde do Rio Branco, a casa funciona há 19 anos no mesmo endereço e recebe gente desde às 7h.
É quando tanto moradores quanto trabalhadores do entorno lotam a loja em busca daquilo que garantirá a paz no estômago pelas próximas horas. “O sabor que as pessoas mais procuram é abacate. Depois vem goiaba e açaí”, situa Francisco Fábio Pereira, 44, proprietário do negócio. É ele quem atende a clientela com sorriso no rosto junto à esposa e um funcionário.
A ideia, desde o começo, é vender mais por menos. Logo, a partir de R$7, já é possível encher a barriga com 750 ml de suco ou vitamina acompanhados de um salgado, à escolha do cliente. “A variação de preço depende do valor da fruta. Açaí, por exemplo, é uma polpa mais cara; já as demais geralmente são frutas mesmo, compradas na Ceasa ou em mercados”.
A venda do lanche começou quando Francisco saiu da terra natal, Guaramiranga, ainda jovem para trabalhar em Fortaleza. O primeiro emprego foi exatamente comercializando jarrão após o chefe dele perceber quão caros eram os lanches e almoços na Capital à época. “Ele vendia frutas no Parque das Crianças e, notando os altos preços para se alimentar, decidiu fazer um suco exagerado para saciar a ele e a quem quisesse”.
O ano era 1995. Depois daí, só ladeira acima. O jarrão se popularizou na cidade e virou uma das principais alternativas de comida para quem vai resolver pendências na rua ou mesmo para quem quer uma opção barata e farta no intervalo do expediente. Democrático e eficiente, o lanche faz sucesso – principalmente por vim com um salgado de brinde, que pode ser coxinha, empada ou enroladinho.
“Temos bastante venda pra viagem também, as pessoas realmente gostam. Cuscuz paulistinha recheado, caldo, tapioca e pão na chapa são outros itens do cardápio, mas o carro-chefe mesmo é o jarrão. Com o comércio dele, consegui comprar casa, apartamento, veículo e pagar a escola dos meus filhos. Na nossa família, todo mundo toma”, vibra Francisco, cujo sonho é abrir uma franquia dedicada ao jarrão. Aguardemos.
De caldo de cana também
Pertinho dali, na rua Guilherme Rocha – próximo ao Shopping Lisbonense – quem também incorpora o costume do jarrão é a Compasso Lanches. O ponto é ainda mais antigo, com 32 anos de história. Mal abriu as portas, já sabia que o jarrão seria um dos principais produtos, haja vista a adesão máxima da população.
O item persiste firme e forte no cardápio. Das 7h às 17h30, sempre tem gente disposta a parar para apreciar um dos 15 sabores da casa. Entre eles, além dos tradicionais, existem cupuaçu e sapoti, possibilitando à clientela a oportunidade de se conectar a outros paladares. “Mais de 500 pessoas passam todos os dias aqui pra tomar o jarrão”, calcula Reinaldo Alves, 58.
O proprietário mantém outras duas lojas da franquia – uma na rua Floriano Peixoto e outra na rua Perboyre e Silva – fruto do tino certeiro para o comércio popular alimentício. E tem mais: gosta de ousar. Se o cliente quiser comer pastel, por exemplo, é possível pedir um jarrão de caldo de cana. O preço do salgado mais a vitamina na jarra de 600ml é fixo, a R$13.
“Foi interessante observar a mudança. Antes eu vendia suco e vitamina no copo, mas, com o tempo, a demanda bem maior era por jarrão. Então, trocamos”, conta. De acordo com ele, a bebida generosa é incorporada também à própria rotina dos funcionários. Como forma de preparo para o início das vendas, todos os oito tomam um jarrão reforçado, com insumos como granola e pó de guaraná, a fim de aguentar o tranco do dia.
“O jarrão mudou minha vida”, celebra Reinaldo – jarra numa mão e salgado na outra, entre tapiocas, panquecas e cafés. “Clientes pedem porque é uma coisa que tem sustância. E eu torço pra que seja sempre assim”.
Entre a saciedade e o afeto
Para Franzé Melo, esse costume não deve diminuir tão cedo. Pelo contrário: integra com muito vigor a paisagem da Capital. Instrutor na Escola de Gastronomia Social Ivens Dias Branco, ele diz que o hábito de eleger o jarrão como alimento nos conecta até mesmo à nossa memória afetiva. “Imagina você chegar e receber um litro de vitamina?”, situa.
“Ingerir esse tipo de bebida está muito relacionado à nossa infância, quando tomávamos bananada e abacatada, por exemplo, com mais frequência, servida com empada, queijo frito ou coxinha. Foi isso que criou esse mercado do jarrão, no qual as pessoas compram suco ou vitamina junto a um salgado frito, fazendo às vezes até de almoço”.
Ele cita transeuntes do Centro e estudantes dos grandes colégios de Fortaleza como alguns dos principais consumidores da iguaria. O próprio Franzé um dia foi um desses alunos. Almoçava um jarrão de abacate, o que o deixava saciado para o segundo turno de aulas.
“A cultura do jarrão nasceu há muito tempo, por volta de 1998. Muitos estabelecimentos trabalhavam, em self-services ou lanchonetes, servindo-o com água no Centro. O cliente pedia e eles entregavam. Numa dessas, decidiram colocar suco ou vitamina na jarra, juntamente a um salgado. Aí, a moda pegou”, contextualiza.
Questionado se a sustância ofertada pelo jarrão tem algo relacionado aos nossos antepassados no interior do Ceará, Franzé não titubeia: certamente sim. A avó dele mantinha um pé de abacate no quintal, e era de lá que extraía o fruto para preparar vitamina durante o lanche.
“O jarrão faz um resgate desse paladar porque é feito de frutas muito comuns na mesa do cearense. Quem, quando criança, não tomava uma bananada às 17h? Ou uma abacatada? Essa ideia da sustância vem daí. É um traço muito nosso, tomar vitamina pra ficar forte”.
Um tanto distante do Centro, esse alimento que nutre e sustém fica a cargo do Jarrão Montese. O negócio abriu as portas em 2018 por Carlos Alexandre Cesário, 39, e o irmão. Apesar de fechar temporariamente durante a pandemia de Covid-19, reabriram com o intuito de seguir comercializando o prato.
“Decidimos colocar o jarrão porque meus irmãos já trabalhavam nesse ramo. Mas saíram e quiseram colocar os próprios negócios. Logo, herdamos essa tradição”, explica. A partir de R$10, é possível experimentar os 16 sabores disponíveis. “Graças a Deus já conquistamos nossa clientela, temos muitos fregueses. E não servimos mais nada além de jarrão e salgado”.
Nesse cantinho estreito onde se entra e sai com rapidez – basta 20 minutos para encher a barriga – a gastronomia de rua ganha mais tentáculos e diz muito sobre nós. Jarrão é Cultura.
Serviço
Irmão Lanches Jarrão
Rua Rocha Lima, 1719, esquina com Avenida Visconde do Rio Branco, Centro. De segunda a sábado, das 7h às 17h30 (exceto aos sábados, de 7h ao meio-dia). Combo de jarrão mais salgado a partir de R$7.
Compasso Lanches
Rua Guilherme Rocha, 431. De segunda a sábado, das 7h às 17h30 (exceto aos sábados, de 7h ao meio-dia). Combo de jarrão mais salgado: R$13.
Jarrão Montese
Rua Eduardo Angelim, 397, Montese). De segunda a sábado, das 7h às 17h30 (exceto aos sábados, de 7h ao meio-dia). Combo de jarrão mais salgado: a partir de R$10