Forró vai além das notas musicais da sanfona, zabumba e triângulo. Mesmo as pessoas com deficiências auditivas podem sentir a música, por meio de gestos e expressões corporais. Para atingir todos os públicos com o São João do Ceará Solidário Dendi Casa, o Sistema Verdes Mares inclui nas transmissões intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras).
Na primeira edição, domingo passado, eles ganharam a cena ao transformar letras de forró em “gestos, caras e bocas”. Hoje (14) e nos dias 21 e 28, eles seguirão no especial junino na TV Diário e nas plataformas digitais do SVM.
Fábio Ambrosio, diretor de programação do SVM, afirma que cada público merece ser representado e ter acessibilidade.
“É a primeira vez que fazemos essa experiência. A ação foi motivada pelas diversas lives com a introdução desses profissionais. Esse público merece representatividade na TV, principalmente no período de São João. Atualmente, em alguns programas, já contamos com audiodescrição e closed caption para quem precisa de acessibilidade. O São João foi um evento pensado para todos os públicos. Não deixamos ninguém de fora”, ressalta.
José Bezerra, 32 anos, intérprete e responsável pela equipe, conta que antes da exibição dos programas o grupo lê e assiste a clipes de boa parte das bandas. Mais do que “traduzir” canções, eles não podem deixar de passar a poesia que as composições de forró possuem.
“É um trabalho árduo, o do intérprete. Libras tem a própria forma gramatical. Precisa ser feita com todas as adaptações para o que o surdo entenda. Se sinalizo a música ao pé da letra, os surdos não conseguem compreender. Se você perceber, durante a transmissão fazemos muito trabalho corporal. O contexto da interpretação é diferente, por exemplo, de uma transmissão de palestras”, explica José Bezerra.
A intérprete de libras Islandia Castro, 30 anos, trabalha há 12 na área. A afinidade com o gênero musical nordestino facilitou na transmissão das letras de forró. “Muitas composições, escutei na minha adolescência, como as cantadas pela Banda Líbanos. A maior dificuldade foi dançar e fazer os sinais ao mesmo tempo. Com os ensaios e até a prática, na primeira transmissão, tudo fluiu com mais calma”, avalia a profissional.
Um dos momentos importantes no trabalho dos intérpretes, durante a transmissão do primeiro especial junino, foi a interpretação da canção “Saga de Um Vaqueiro”. A letra, conhecida por ser extensa, com cerca de nove minutos de execução, protagonizou um dos momentos mais bonitos do trabalho dos profissionais.
A canção conta a história de amor de um casal formado por um vaqueiro e a filha de um fazendeiro. “Estudamos bastante essa música. O mais trabalhoso foi interpretar os dois papeis: o de vaqueiro e o da moça. Precisei ajustar expressões de amor e raiva”, conta Islandia Carvalho.
O sentimento de ser uma nova experiência é compartilhado com o intérprete de libras Cássio Hebert Soares, 25. O jovem nasceu no estado de Alagoas, mas foi criado no Ceará. Ele tem gosto musical por artistas dos gêneros MPB, pop e gospel.
O São João do Ceará Solidário Dendi Casa é o primeiro trabalho musical e profissional da carreira de Cássio.
“Para que eu incorporasse as letras, precisei aprender alguns passos de forró e entender a metáfora das composições. Foi algo difícil, mas acabei até criando afinidade com músicas da banda Mastruz com Leite”.
Inclusão
O quadrilheiro Italo Oliveira, 28 anos, pessoa com deficiência auditiva, dança há 16 anos em festas juninas. Neste período, por conta da pandemia do coronavírus, ele ficou muito triste pela ausência do evento. No fim de semana passado, ele estava nas redes sociais quando descobriu a transmissão do São João do Ceará Dendi Casa.
“Há pouco tempo não tínhamos isso. O intérprete era muito focado na área educacional. Na área de evento, nós não tínhamos. Fico feliz com esse crescimento. Você acompanhar um show desse é gratificante. Parece que a sociedade finalmente abriu os olhos para a inclusão. O surdo tem direito a vivenciar tudo isso. Agradeço ao SVM por incluir esses profissionais. O surdo trabalha muito a questão visual, é por onde temos nossas emoções. E, agora, ganhamos mais um trabalho para nosso público”.
Lilian Freitas, graduada em letras libras, pessoa com deficiência auditiva, também acompanha o especial junino do SVM e fala do prazer em ter emoções pela TV. “Estou me sentindo feliz. Muitas lives estão ganhando a presença dos intérpretes. Podemos sentir, nos emocionar, é esse objetivo de qualquer produção. Sem o intérprete, o surdo não tem sensação alguma. Por isso é relevante esse trabalho também na televisão”.
São João na sala de casa
Em mais um domingo de junho, o forró animará os cearenses na TV Diário e nas plataformas digitais do Sistema Verdes Mares. Hoje, o São João do Ceará Solidário Dendi Casa chega ao segundo programa. Avine Vinny, Chico Pessoa, Solange Almeida e Zé Cantor animam a programação do especial junino. Apresentado por Tony Nunes e pela cantora Michele Andrade, a transmissão exibe, após o fim de cada apresentação musical, diferentes quadros temáticos.
“Meu Coração Junino” revela a relação de cantores do gênero com as festas de São João. Os brincantes também ganharam espaço com o quadro “Quadrilhas do Ceará”. Já em “Causos e Comédia”, nomes do humor apresentam boas histórias do cotidiano. Há ainda a homenagem ao mestre artesão do couro Espedito Seleiro.
A solidariedade também está presente no São João do Ceará Solidário Dendi Casa. No site, qualquer pessoa pode manifestar apoio à causa, sem nenhum custo financeiro, por meio de um rápido cadastro. Ao atingir a meta de 300 mil inscritos, os patrocinadores do especial junino farão doações para a Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza.