Um demônio começa a falar se o disco da Xuxa for reproduzido ao contrário. O boneco diabólico do Fofão guarda um punhal escondido. Mesmo quem não cresceu nas décadas de 1980 e 1990, já deve ter ouvido falar de duas das mais famosas lendas urbanas brasileiras.
Comprovando o poder que detêm, elas se atualizam e agora ganham novos contornos: preenchem as páginas de HQs. Criada pelo piauiense Bernardo Aurélio, “Máscara de Ferro contra a televisão” tem como protagonista um personagem que satiriza os super-heróis. Numa das histórias do volume, intitulada “Satã TV”, ele percebe algo estranho acontecendo com pessoas que assinam contrato com a telinha. Por isso, vai parar em uma emissora.
“O Máscara de Ferro é um super-herói vivendo em Teresina. Ele não tem muita estrutura pra isso – nem a cidade, nem ele mesmo. Nesse cenário, existem seres, entidades, criaturas, demônios, e foi aí que uma coisa levou a outra. Essa já vai ser a minha quarta revista dedicada ao personagem”, detalha o autor.
A narrativa envolvendo a Rainha dos Baixinhos tem como título: “Super Máscara contra o baixo-astral”; a do Fofão, por sua vez, ainda está em processo de escolha. Segundo Bernardo, as duas personalidades ganharão nomes diferentes no projeto. Fofão possivelmente se chamará Bobão; Xuxa é a nova Xexa. Jeito divertido e criativo de imprimir originalidade.
Nesse processo de feitura dos gibis, o quadrinista não quis inventar a roda. Abraçando o foco principal de cada lenda urbana, priorizou os elementos genéricos delas e ousou acrescentar mudanças. “Tem algumas diferenças: na história, é o boneco da Xuxa, não o do Fofão, que apresenta características diabólicas. Optei por colocar o Fofão de verdade”, pontua.
“Como as histórias estão inseridas em um contexto, no cenário de um personagem meu, o Máscara de Ferro vai enfrentar entidades demoníacas, num ato heróico. A ideia é essa, logo isso tinha que estar nessas narrativas. Foi o que priorizei”.
As revistas estão em campanha de financiamento coletivo na plataforma Catarse até 3 de outubro, sob o nome “Cantinho do Combo”. O projeto é derivado do “Cantinho do Caio” – iniciativa tocada pelo irmão de Bernardo Aurélio, o ilustrador Caio Oliveira, que assina os desenhos da HQ sobre a Xuxa. O lançamento deve acontecer apenas em dezembro, na Comic Con Experience (SP).
Fisgar o público
Tanto a história de Xuxa quanto a de Fofão mesclam terror, horror e comicidade. Perversão em alta voltagem, maledicência penetrando as folhas. Não à toa, ambas são direcionadas ao público adulto, mirando sobretudo naqueles que vivenciaram o clima das duas lendas.
Isso não impede, contudo, o alcance de novas praças. Bernardo acredita que os jovens – por possivelmente já terem ouvido falar das histórias – vão gostar de percorrer as páginas. “Só não dá para o público infantil ler”, aponta. “O tema é meio bizarro e, apesar de ser cômico, tem muito sangue”.
Tantos essas narrativas quanto a já citada “Satã TV” estão passando pelas mãos do mesmo colorista, Ellis Carlos. Uma vez o autor ter desenhado os três gibis em períodos diferentes, foi necessário esse ajuste de modo a garantir uma unidade a todo o projeto.
“Quero passar a ideia de que, apesar de serem três histórias um tanto independentes, elas formam um todo. A colorização ajuda nisso. A de realização mais antiga é a do Fofão – já tinha alguns anos que ela estava pronta na minha gaveta. A segunda história, da boneca da Xuxa, escrevi alguns anos depois e entreguei para o meu irmão desenha; a terceira história é mais recente, terminei de desenhar neste ano”.
Abraçar a nostalgia
Questionado se o retorno a essas lendas pode suscitar ainda mais olhares sobre a época em que surgiram, o quadrinista e livreiro autor das obras é enfático: estamos sempre imersos em nostalgia, feito comprovado nos mais diversos produtos culturais lançados atualmente – da série Stranger Things, ambientada nos anos 1980, ao remake de um sucesso de décadas passadas, feito a novela “Pantanal”.
“A Xuxa ainda está aí, mas o Fofão não ocupa mais tanto a mídia. Quem lembra dele é apenas quem pesquisa ou viveu esse período. Por isso é sempre bom trazer isso à tona de novo”, ressalta.
A questão, contudo, ultrapassa o resgate apenas desses dois personagens. Para Bernardo, há um desejo de sempre buscar lendas urbanas, uma vez elas estarem consolidadas no imaginário popular. Resultado: mais trabalhos no tema.
“Se não a ideia específica do boneco do Fofão ou da Xuxa, mas essa questão do pacto com o demônio, do boneco assassino, do brinquedo diabólico, que já vem da mídia – do cinema, principalmente – há muito tempo. Queremos chegar perto dessa temática. E propor esse olhar, de fato, para trás, dessas experiências e de identificação dessas histórias – os nossos mitos, as nossas lendas. Não apenas as folclóricas, mas sobretudo a lenda urbana. Elas existem, são fortes e acredito que ainda pouco abordadas”. Mergulhemos.
Serviço
Campanha de financiamento da HQ “Máscara de Ferro contra a televisão”
Apoio até 3 de outubro, por meio da plataforma Catarse.me. Mais informações neste link