“Vou vivendo o dia a dia/ embalado na magia/ do seu Carnaval”: o que parecia eterno chegou ao fim. Dois anos após o turbulento período da pandemia de Covid-19, foliões novamente ocupam as ruas das cidades celebrando a festa de todas as cores, sons e amores. É mais que a comemoração por uma data. O agito momino de 2023 é brinde à vida, aos encontros, à alegria coletiva. É a gente querendo vibrar (e existir) outra vez.
Fortaleza entrega ao público quatro dias de programação diversa e emocionada, em sintonia com o que já foi vivenciado no pré-Carnaval. Do Centro à Praia de Iracema, passando pelo Presidente Kennedy e o São João do Tauape, deu para sentir que a Capital voltou, de fato, a pulsar energia. Não faltaram declarações de amor em cima e diante dos palcos, todo mundo em sentimento comovido perante o espetáculo de brincadeira e cultura.
Agora começa a jornada oficial de euforia, deste sábado (18) a terça-feira (21). No Ciclo Carnavalesco da Prefeitura de Fortaleza, diferentes pólos desfilam atrações com apelos e públicos diversos. Se for para curtir frevo, marchinhas, axé e afoxé, por exemplo, uma das melhores pedidas é Lidia Maria e o Bloco do Prazer, com apresentação no domingo (19), às 18h40, na Praça da Gentilândia; e na segunda (20), às 18h, no Aterro da Praia de Iracema.
Lidia já está pronta para o embalo. “A expectativa é encontrar as pessoas. Com a pandemia, percebemos o quanto o encontro é importante, o quanto ele faz diferença na vida, nos alimenta e traz sentido”. Além do repertório principal, a artista guarda um bônus na manga: canções de forró das antigas, considerado um momento especial do show.
“As pessoas se identificam muito. E temos uma sanfona na banda, algo que tem feito total diferença”. O investimento no figurino – assinado pelo estilista Paulo Marinho – é outro diferencial do bloco, que promete devolver bem-vinda inquietação ao público, assim como foi no pré. “Quero que as pessoas se sintam felizes e emocionadas”, torce a cantora.
“Quando promove esse encontro na rua, o Carnaval faz muito pela nossa emoção, pelos nossos sentimentos, pelo nosso interior e nossa alma. Acho que ele promove cura”.
Confete e arte drag
É a mesma prerrogativa do Bloco Mambembe, tocado por Mulher Barbada e Deydianne Piaf. Integrando o Ciclo Carnavalesco da cidade desde 2017 a partir da arte drag, a agremiação, passados dois anos de pausa, entregará tudo e mais um pouco neste Carnaval. “As expectativas estão altíssimas”, adianta Deydianne, ao mesmo tempo que faz ponderações.
“É uma alegria comemorar que estamos vivas, que estamos bem depois de tudo o que aconteceu. Justamente por isso, imaginávamos que o Carnaval de Fortaleza teria outro peso, outra importância para o poder público. É muito difícil concretizar ações ainda porque o nosso setor foi o último a retomar suas atividades. Os gastos com investimentos aumentaram e os investimentos via Edital pouco mudaram”.
Para ela, o próprio nome do bloco remete a esse lugar de resistência e criatividade, pilares encontrados na apresentação da dupla. No repertório, canções divididas em sets: “Viva a Bahia”, com músicas de axé 90; “Brasil Mambembe”, repleta de MPB e homenagens a Gal Gosta; “É pop!”, com hits de Gloria Groove, Ludmilla, Marina Sena, Pabllo Vittar, MC Carol e João Gomes; e “Criança viada”, com clássicos de Xuxa, Rouge e É o Tchan.
Devidamente fantasiadas, Deydianne e Mulher Barbada são acompanhadas pelos músicos Alex Costa, Caio Castelo, Dândara Marquês, Joana Lima, Thiago Nunes e Vladya Mendes. “No último dia, inclusive, eu e Barbada iremos fantasiadas de flores, simbolizando o renascer da nossa democracia que estava em risco, o nascimento de uma fase na política e na sociedade brasileira, colorida e diversa como deve ser”.
Os shows acontecem na sexta-feira (17), no Theatro José de Alencar, a partir das 16h; no sábado (18), na Praça da Gentilândia, às 20h, e a partir das 23h59 no Gandaia Club; no domingo, novamente na Gentilândia, ao meio dia e, às 16h, na Arena Iracema; e no dia 21, no palco do Aterrinho da Praia de Iracema, a apresentação será às 19h20, abrindo as alas do último dia de folia para a banda Limão com Mel e o cantor Seu Jorge.
“Pra esse retorno, a gente criou um repertório onde cada música foi escolhida com muito carinho e atenção. Então, pegamos um pouquinho de tudo que faz a gente dançar, os clássicos e os novos hits, os da infância e os da nova geração”, vibra Mulher Barbada, creditando a essa mistura a ampliação do público do bloco.
“Além de todas as pessoas LGBTQIAP+ que costumam ir aos nossos shows, vemos também muitas crianças e idosos. Temos um Carnaval pra todas, todos e todes de verdade. Torço muito pra que o Carnaval de Fortaleza cresça e tenha a devida importância. Acho que o Ceará tem a mesma capacidade artística que Bahia e Pernambuco”.
Memória, história, cultura
Não apenas a mesma capacidade como a mesma tradição. Quando o assunto é esse, o Maracatu Solar é referência forte e bonita. Famosa por valorizar e propagar o universo de uma das identidades e patrimônios de Fortaleza, a agremiação desfila na avenida Domingos Olímpio com o tema “Solar Com Oxumaré - Pra continuar mudando a maré”.
A referência é exatamente a Oxumaré, orixá que representa mudanças de ciclo – neste caso, ciclos pandêmicos, políticos e sociais. “Estamos bastante felizes com essa retomada”, festeja Pingo de Fortaleza, coordenador do grupo. “Dois anos sem Carnaval impactaram bastante uma manifestação que atinge o ápice no ciclo carnavalesco”.
Para ele – totalmente envolvido com ensaios, oficinas e outras atividades promovidas pelo grupo – voltar a difundir entretenimento e cultura para os fortalezenses ajuda a quebrar o circuito de isolamento ao qual fomos condicionados no último par de anos. Em resumo: é para todo mundo estar na rua. “Um congraçamento à arte”.
Os desfiles acontecem no sábado (18), 19h20, mediante cortejo na Avenida Domingos Olímpio; domingo (19) e terça (21) à tarde, na Praça João Gentil; e segunda (20), na Praça da Gentilândia, integrando os Tambores Ancestrais na Noite Escura.
Sabe quem também vai comemorar a tradição carnavalesca neste ano? O Bloco Unidos ds Cachorra, há exatamente duas décadas abrilhantando a folia da Capital. O Grêmio Recreativo foi fundado em 1997 por um grupo de amigos admiradores dos sambas de enredo na Rua Marechal Deodoro (antiga Rua da Cachorra Magra), no Benfica. De lá para cá, prestígio.
“O pré pra gente foi muito especial porque depois de dois anos parados, de grandes dificuldades – até o teto do local onde a gente ensaiava caiu – a gente não ficou parado. Conseguimos manter as atividades à distância e nunca deixamos de nos movimentar. Mas o presencial é que dá aquele calor humano”, situa Mestre Choquito, como é conhecido o mestre de bateria Anderson Florêncio.
Mencionando que o bloco estará na Avenida Domingos Olímpio no domingo (20), às 23h, encerrando o dia no local, Felipe Pontes complementa a fala do colega. Membro da diretoria da agremiação, ele destaca que o fato de o bloco desfilar na Domingos Olímpio – mesmo palco de grupos como o Maracatu Nação Solar, por exemplo, é histórico.
“A gente se sente honrado, e promete uma grande festa. Uma festa histórica, que pode ser realmente um enorme marco no Carnaval de Fortaleza”. Ansiedade que bate à porta, circula pelo peito e dança com os membros. “Contamos com a presença de todos”.
Homenagem à existência
Por sua vez, o Luxo da Aldeia elege como foco principal da festa a vida. O guitarrista e vocalista Mateus Perdigão é todo contentamento ao falar das premissas do bloco para este ano. "O pré-carnaval já foi um excelente termômetro, deu pra ver o quanto a gente estava necessitando de uma festa desse tipo, que valorizasse a vida e a cultura, após alguns anos de dificuldade – tanto por causa da pandemia quanto devido a um governo que não valorizava nada da cultura".
Assim, os quatro dias de festejo chegam para potencializar aquilo já presenciado em termos de diversão e alegria nos quatro cantos da cidade. A programação do Luxo da Aldeia inclui apresentações no sábado (18), no Benfica, a partir das 16h30; no domingo (19), no Aterro da Praia de Iracema, às 19h20; e na segunda (20), de volta ao Benfica, a partir das 18h.
No repertório, canções na mesma linha de sempre, divulgando e revereciando músicas carnavalescas de compositores cearenses, a exemplo de Ednardo, Evaldo Gouvea, Fausto Nilo, Lauro Maia, Marcos Dias, entre outros. Nesse rol, também são inclusas composições próprias do bloco, em um misto de tributo e originalidade.
"E é bem importante ressaltar é que este carnaval vai ser uma celebração da vida. Foram dois anos parados por causa de uma pandemia, por causa de um governo que não teve cuidado com a pandemia e a cultura do próprio país. Nessa celebração, estaremos fazendo uma homenagem àquelas pessoas que não estão mais entre nós hoje, mas que brincaram o carnaval e curtiram o Luxo da Aldeia". Será lindo!
Afinal, é Carnaval de novo, mas parece que pela primeira vez. Há uma cidade querendo viver. É onde mora a magia desse tempo.