Fobia de pipoca, de botões e até de se lavar: livro lista 99 obsessões da mente humana

Fatos históricos, curiosidades e exemplos de figuras célebres se mesclam em obra que investiga, de A a Z, nossos principais medos e manias

O desespero do amor não-correspondido. A aversão por pelos faciais. O medo de palavras longas. A intolerância mórbida a coisas vermelhas. Todas essas fixações têm nome, história e alcance: demonstram a capacidade da mente de desenvolver neuroses. Não à toa surgem obras como “O Livro das Fobias e Manias”, mais recente lançamento da editora Intrínseca.

O trabalho é um compilado de 99 obsessões para entender a psique humana. Escrito pela jornalista inglesa Kate Summerscale, traz um panorama, de A a Z, de tudo aquilo que nos tira a paz – por vezes, pelos motivos mais óbvios; em outros casos, pelo que rompe a barreira da normalidade. Como explicar, por exemplo, alguém que tem fobia de pipoca? Ou de botões?

Cada compulsão ganha um contexto, num misto de fatos históricos, curiosidades e menção a personagens célebres. Para se ter uma ideia, a discussão sobre fobia de pipoca começou em 2016. À época, o músico e designer de jogos Fisher Wagg confessou a doença durante a gravação de um podcast. Ver os grãos de milho estourando lhe causava “angústia”.

Tudo começou quando, certa vez, ele assistiu a um desenho animado em que larvas “dançavam dentro de um cadáver” – imagem que não despertou nenhuma reação emocional até que a perspectiva mudou e as larvas de repente lhe pareceram uma gigantesca pipoca viva, inchada e espiralada. Não deu outra: o petisco leve e rangente se tornou mais assustador do que vermes se banqueteando em um corpo aberto.

Segundo a autora do livro, a reação de Fisher parece uma piada, mas fornece uma pista acerca dos mecanismos de funcionamento da fobia. Quando um grão de milho estoura, incha a partir da casca rompida, se expande para fora e aumenta de tamanho: a parte interna sai, o interior engole o exterior, e entranhas e pele trocam de lugar.

Em outro livro, “Pureza e Perigo” (1966), a antropóloga britânica Mary Douglas argumenta que a repugnância é provocada por “matéria fora do lugar”. Para a maioria das pessoas, vermes se contorcendo em um mar de carne humana provocam essa reação. Para Fisher Wagg, um grão de milho estourado era uma transgressão semelhante e pior: não apenas infringia, como também destruía e ofuscava os próprios limites.

Tudo se explica

O maior mérito de “O Livro das Fobias e Manias” é exatamente este: não é um glossário, não se limita à mera citação dos medos e manias, mas apresenta um interessante recorte de cada um. As referências nos ajudam a entender que fobias fazem parte de nossa realidade, e podem se manifestar da maneira mais diversa possível, espelhando a pluralidade humana.

Outra qualidade do projeto é a mescla de manias incomuns com outras mais conhecidas, caso de fobia social, aracnofobia (medo de aranhas), xenofobia (aversão a estrangeiros), entre outras. “Todos nós somos movidos por medos e desejos, e às vezes nos tornamos escravos deles. Foi Benjamin Rush, um dos ‘pais fundadores’ dos Estados Unidos, quem deu início à mania de nomear obsessões e ideias fixas, em 1786”, situa a autora na Introdução do livro.

Kate Summerscale, inclusive, segue nesse mesmo fluxo. Demonstra tanta curiosidade pela pesquisa que traz à tona termos anormalíssimos. Voltando ao início desta matéria, o desespero do amor não-correspondido é chamado de Erotomania; a aversão por pelos faciais é Pogonofobia; a intolerância mórbida a coisas vermelhas é Eritrofobia; e, pasmem, o medo de palavras longas se chama Hipopotomonstrosesquipedaliofobia.

Há bem mais. A também já citada fobia por botões foi detectada em nomes como Steve Jobs, e é denominada Koumpounophobia. A Hipnofobia é um medo mórbido do sono, geralmente associado a um pavor de sonhos ou pesadelos. A Globofobia é uma aversão a bexigas, cuja raiz costuma estar no medo do barulho do estouro de um balão. Clazomania, por sua vez, foi cunhada pelo psiquiatra húngaro L. Benedek em 1925 para descrever a compulsão por gritar.

Por que sentimos isso

Para que o medo de um indivíduo seja diagnosticado como fobia ele deve ser excessivo, irracional e ter durado seis meses ou mais. Além disso, precisa ter levado a pessoa a evitar a situação ou o objeto temido a ponto de interferir no comportamento racional ou na capacidade de levar uma vida normal.

As informações estão na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM, na sigla em inglês), publicação da Associação Norte-americana de Psiquiatria. O DSM-5 faz uma distinção entre fobias sociais – medos avassaladores de situações dessa natureza – e as fobias específicas, divididas em cinco tipos.

Existem as fobias de animais; do ambiente natural (medo de altura ou de água, por exemplo); de sangue, injeção e ferimentos; situacionais (como o aprisionamento em espaços fechados); e outras de caráter extremo, caso do vapor de vomitar, engasgar ou de barulho. 

Todas as fobias e manias, conforme o livro, são criações culturais: o momento em que cada uma foi identificada marcou uma mudança na forma como pensávamos sobre nós mesmos. “Elas revelam nosso íntimo – coisas que nos fazem recuar de repugnância ou das quais tentamos de tudo para nos aproximarmos, coisas que não conseguimos tirar da cabeça”.

Logo, não se escandalize caso você tenha mania de caminhar (Dromomania), medo de cobras (Ofiofobia) ou temor por engasgar com comprimidos, líquidos ou comida (Pgnofobia). Ou talvez fobia de caiaque, urinar em lugares públicos e até micromania (insana depreciação de si mesmo, ou uma autodepreciação patológica). É “apenas” sua mente atuando.

Afinal, sentencia Kate Summerscale: “Uma fobia ou uma mania são condições que podem ser opressivas, mas também encantam o mundo ao nosso redor, tornando-o tão assustador e intenso quanto um conto de fadas. Tal qual a magia, eles exercem um controle físico e, dessa forma, revelam nossa estranheza”.

 

O Livro das Fobias e Manias - 99 obsessões para entender a mente humana
Kate Summerscale
Tradução de Renato Marques

Intrínseca
2023, 320 páginas
R$59,90/ R$39,90 (e-book)