Pelo segundo ano consecutivo, o breaking terá destaque no Festival Corpo Arte, mostra cearense de artes cênicas que completa uma década de história em 2024. A quinta edição do evento ocorrerá em agosto, em Fortaleza, mas os preparativos já começaram: neste sábado (23), mais de 50 B-Boys – ou breakers – participam da primeira eliminatória do concurso, na pousada Vila Kalango, em Jericoacoara. O evento começa às 16h e é aberto ao público.
O coreógrafo Paulo Lima, diretor e idealizador do evento, destaca que decidiu incluir o breaking no Corpo Arte para apresentar uma amostra mais ampla da dança contemporânea do Ceará. A ideia surgiu do habitat “natural” da cultura hip hop: a rua. “Nos últimos cinco, dez anos, percebi que havia uma enxurrada de dançarinos de breaking se apresentando nas ruas, nos sinais”, comenta.
O breaking, também conhecido como break dance, faz parte da cultura hip hop e existe há cerca de 50 anos, mas só na última década tem entrado no radar de grandes eventos. Neste ano, por exemplo, será a primeira vez que a modalidade estará nas Olimpíadas – fato que tem dividido opiniões entre os breakers, já que muitos não veem a atividade como esporte, mas como uma dança urbana que é, também, um estilo de vida.
Ao conhecer um grupo de B-Boys durante a produção de um espetáculo teatral, Paulo percebeu que poderia reinventar o formato de festivais de artes cênicas do Ceará, incluindo uma modalidade até então não explorada. A mudança veio no ano passado – após um período de cinco anos de hiato do festival, devido a ausência de recursos financeiros para a realização do evento.
Foi quando Paulo convidou Agriberto Mateus, 27, arte-educador e breaker conhecido como AngryRoc, para ser co-diretor do Corpo Arte, trazendo dançarinos e realizadores que já mantinham a cena cearense ativa há muito tempo. Coube ao dançarino montar um time que fosse de fato representativo para a cena: dos participantes aos jurados, passando por uma equipe de instrutores de workshops.
“Não queria em momento nenhum roubar a autonomia deles”, pontua Paulo. “A cena já é muito invisibilizada pelas instituições. Geralmente, os editais contemplam mais outros tipos de dança contemporânea, e eu queria que a competição tivesse a cara dos artistas da Cidade”, completa.
Na Capital, treinos e eventos independentes de breaking costumam ocorrer em espaços públicos, como praças e equipamentos culturais, a exemplo do Dragão do Mar, da Escola Porto Iracema das Artes, do Centro Cultural Bom Jardim e dos Cucas.
Para Paulo, era essencial conseguir se aproximar do público que realmente praticava e prestigiava a cena local de breaking. A primeira edição com o evento demonstrou que a organização estava no caminho certo. “Foi um sucesso em tudo. Meu público era muito nichado, então fiquei impactado com o tanto de gente que veio, inclusive de várias periferias, do Canindezinho, do Bom Jardim, do Conjunto Palmeiras”, celebra.
Em 2024, o evento foi ampliado para dar conta da cena nordestina: além da seletiva ocorrer em Jericoacoara, em parceria com a gestão municipal, houve apoio do setor privado para disponibilização de hospedagem, alimentação e passagem de dançarinos de outras cidades e estados próximos, como o Piauí.
A meta, segundo Paulo Lima, é tornar o festival cada vez mais itinerante, levando atividades para cidades de diversos lugares do Nordeste, como forma de criar uma grande rede de break dancers.
Hip hop como ferramenta social
Desde que o hip hop chegou na sua vida, aos 14 anos, o dia a dia de Agriberto Mateus, hoje com 27, nunca mais foi o mesmo. A descoberta aconteceu em João Pessoa (PB), onde o B-Boy morava, através de um projeto social. Começou discotecando e depois migrou para o breaking, onde encontrou propósito pessoal e profissional.
Há oito anos, AngryRoc mora na capital cearense e divide os dias entre ensaios em casa e no Cuca Jangurussu e as atividades de arte-educação que ministra no Sistema Estadual de Atendimento Socioeducativo do Ceará (Seas), onde busca levar um pouco do que aprendeu e criar possibilidades para os jovens que ali estão.
A cultura hip hop é formada por quatro elementos: rap, discotecagem, break dance e grafite.
"Lá tem grande impacto, porque o hip hop é uma ferramenta social. Quando a cultura começa a ser introduzida, você começa a ver que existem vários outros caminhos, principalmente para jovens vulneráveis, de periferia. Isso está mudando a vida de muitas pessoas", destaca.
Por meio do breaking, Agriberto já competiu em outros países e se consolidou como artista, produtor e instrutor. Ele ressalta que esse avanço só foi possível porque, no Ceará, há uma tradição antiga de breaking, com grandes B-Boys como Flip Jay, Splinter e Tijolim. "Esses caras fizeram o alicerce para cultura ter essa revolução que está havendo agora, esse crescimento gigantesco de ter B-Boys de nível internacional", pontua.
Seja em festivais de dança que, pouco a pouco, começam a reconhecer a importância da cultura negra e periférica ou no maior evento esportivo do mundo, Agriberto é otimista ao olhar para o futuro do breaking no Ceará e no Brasil. "Cada vez mais estão abrindo mais espaços para que aconteçam essas batalhas de breaking, principalmente depois que o breaking virou olímpico. Graças a Deus, todo mundo está abraçando a causa", destaca.
O artista ressalta, no entanto, que a popularização não pode deixar de lado a razão pela qual essa arte-esporte existe. "Breaking é revolução e é política também. Por isso, é sempre bom ocupar esses espaços, que são nossos por direito".
"Dentro do hip hop, as mulheres ainda não têm espaço"
No Festival Corpo Arte, assim como em outros tantos eventos que têm o breaking como categoria, ainda não há espaço competitivo para mulheres. Segundo a organização do evento, isso se dá porque não houve número suficiente de competidoras inscritas. Para impulsionar e inclui-las, o evento criou uma categoria de fomento, com batalhas mistas, que visa promover a arte feminina dentro do hip hop.
Uma das grandes revelações do breaking cearense, Karolaine Navarro, 27, a B-Girl Karolzinha, também teve a vida impactada pela potência do hip hop ainda muito jovem. Aos 14 anos, começou a treinar breaking em uma instituição para crianças e adolescentes vulneráveis no Antônio Bezerra, na Capital, e descobriu um refúgio que nunca mais deixaria.
Hoje, a artista-atleta representa Fortaleza em competições nacionais e internacionais, e já foi considerada uma das sete melhores B-Girls do mundo no Red Bull BC One. "O breaking leva pessoas para lugares que você jamais imaginou que iria. Os eventos de relevância servem para lembrar que é possível, mostram que você é capaz", destaca.
Apesar das conquistas e do destaque mundial, Karolzinha acredita que ainda há muito o que conquistar – não só a nível individual, mas coletivamente. Afastada da rotina intensa de treinos e eventos temporariamente, por motivos de saúde, ela reflete sobre o machismo no hip hop, que ainda impede muitas mulheres de alcançarem relevância em suas especialidades.
"Acredito que toda B-Girl, aqui ou do outro lado do mundo, enfrenta dificuldades por ser mulher e esse esporte-arte ser muito masculinizado. Dentro do hip hop, as mulheres ainda não têm espaço, seja no breaking, no grafite, no rap. É algo que com certeza está melhor, mas que ainda precisa ser trabalhado, porque ainda não é normal, a gente ainda precisa lutar muito por espaço", lembra.
Porém, assim como AngryRoc, ela vê com alegria a chegada da modalidade a eventos de todos os níveis, do regional ao global, tanto para B-Boys quanto para B-Girls. "Quanto mais o breaking se espalhar e estiver em grandes espaços, melhor. Isso dá esperança para as pessoas, especialmente as que vêm da comunidade e que acham que nunca vão conseguir".
Serviço
Festival Corpo Arte - Eliminatória de Breaking
O quê: Categoria 1x1 (competitiva) e Battles Crew x Crew (categoria fomento)
Onde: Vila Kalango (R. Angela Marques, 30 - Jijoca de Jericoacoara)
Mais informações: @corpoarte24
Aberto ao público