No lugar onde nasceu e primeiro vislumbrou o tecido do mundo, Sérvulo Esmeraldo (1929-2017) criou a própria orquestra existencial. O Crato representou princípio, meio e travessia para o artista plástico cearense. Era famoso o grande amor e o interesse dele pela região do Cariri, sentimentos alinhados ao desejo de fomentar a arte contemporânea no município natal.
“Ele costumava dizer que o Crato lhe deu tudo e que tudo começou aqui, como os brinquedos levados a sério. Em 2011, quando de sua retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, falou numa entrevista que saiu pronto do Crato. Que em Fortaleza, São Paulo, Paris, ele aprendeu técnicas; a linguagem ele levou do Crato”, situa Dodora Guimarães, viúva do artista e presidente do Instituto que leva o nome dele.
Depois desse gestar inicial na localidade, já se enxergando como um realizador contemporâneo e cosmopolita, ele foi o próprio Crato no mundo, conceito que se avoluma em nova edição do Festival Sérvulo Esmeraldo. Isso porque o evento acontece de forma virtual e, portanto, “içado à web esfera, ganhando o mundo com força total”, conforme sublinha Dodora.
A iniciativa – criada em 2019 como ação comemorativa do Ano Cultural Sérvulo Esmeraldo, instituído por decreto de lei – começa a partir desta quinta-feira (9), seguindo até 30 de setembro, com vasta programação.
No roteiro, estão previstos exposição, exibição de documentários, webinário e realização de cursos, tudo viabilizado pelo XI Edital Mecenas do Ceará, da Secretaria da Cultura do Estado (Secult-CE), com apoio da Enel e em parceria com a Universidade Regional do Cariri (Urca), o Instituto Cultural do Cariri (ICC) e a Prefeitura do Crato, por meio da Secretaria Municipal da Cultura.
Intitulado Festival Sérvulo Esmeraldo 91 (FSE 91), o projeto faz referência aos 91 anos do artista, completados no ano passado. Em razão da crise sanitária provocada pela pandemia de Covid-19, todas as atividades migraram para 2021 – ainda mantendo a referência às mais de nove décadas de idade do homenageado, contudo alterando o formato e o conteúdo.
De acordo com Dodora Guimarães, a ideia já era trabalhar a arte pública no evento, explorando esse conceito tão bem desenvolvido pelo artista inspirador. A iniciativa, porém, era um projeto colaborativo, que envolvia o engajamento dos artistas e da sociedade. “Pensado em outubro de 2019, tornou-se inviável no formato planejado”, diz.
Conexões
Nada que impeça o alcance e a força de toda a programação neste momento. A proposta é apresentar ao público uma exposição ao ar livre no Largo da RFFSA, no Crato; exibições de documentários da série “Museus a Céu Aberto”, também ao ar livre; o webinário “Arte, Ciência e Novos Horizontes”; e cursos virtuais. A curadoria é assinada por Dodora Guimarães, juntamente ao curador Marcus de Lontra Costa, com colaboração do artista plástico e educador Paulo Portella Filho.
O já mencionado amor de Sérvulo Esmeraldo pelo Crato, pela vida ao ar livre e pela luminosidade cearense deu o estalo para a criação da mostra a céu aberto, apresentando parte da obra pública do artista em Fortaleza, representada em 14 grandes painéis fotográficos – inicialmente, impressões em gigantescos lambe-lambes. “O amigo e artista plástico Edelson Diniz, responsável pela expografia da exposição, mapeou espaços possíveis de recebê-la, e assim, chegamos ao Largo da RFFSA, região central do Crato”, detalha Dodora.
Trata-se, assim, de uma festa de conterrâneos, um encontro amoroso de um filho da terra com a sua gente.
As obras expostas convocam a um olhar atento, voltado a tudo o que está dito naquele espaço. Representam também uma síntese dos trabalhos tridimensionais realizados entre 1978 e 2008, narrando a história do artista a partir de seu retorno ao Brasil, quando desembarca em Fortaleza surpreso com a realização do Monumento ao Interceptor Oceânico. Duas esculturas de natureza efêmera complementam a exposição.
A simplicidade e a originalidade nos projetos de Sérvulo Esmeraldo consolidam-no ainda mais como um patrimônio do Crato. Não à toa, a mostra também ganha o espaço virtual nesta quinta-feira (9), às 18h, na qual os usuários poderão contemplar 12 obras do mestre, disponíveis em formato de exposição no site oficial do Cineteatro São Luiz. As fotografias apresentadas fazem parte do acervo do fotógrafo Gentil Barreira.
Cariri pulsante
O tema desta segunda edição do Festival, “O Crato no Mundo”, surgiu como a tradução perfeita daquilo que a equipe à frente do projeto queria, ressignificando o valor da cidade caririense para Esmeraldo, ao mesmo tempo em que fomenta a arte contemporânea no Crato e região.
“Queremos colaborar no processo do Cariri contemporâneo, que é pulsante e necessita de ações efetivas de fortalecimento e valorização”, explica Dodora.
Não apenas a exposição estará imbuída desse propósito. Os seis encontros do webinário “Arte, Ciência e Novos Horizontes” abordam questões fundamentais da obra de Sérvulo, aliando-as à arte e à ciência na atualidade. Os palestrantes e participantes convidados apresentarão, com particular propriedade, temas como Patrimônio, Arte Cinética, Formação de um artista, Saúde e Covid-19, Novos horizontes para a cultura, Arte como ponte entre os tempos, entre outros.
O foco é gerar conhecimento e interesse – seja na obra de Esmeraldo, seja no campo da arte e da cultura contemporâneas. A transmissão será pelo canal do Instituto Sérvulo Esmeraldo no YouTube, com necessidade de inscrição prévia, para os interessados em certificação, pelo site da Urca. Os participantes podem interagir com os palestrantes via chat.
A programação virtual acontece de 9 a 28 de setembro, sempre às terças e quintas-feiras, às 19h.
Por sua vez, a exibição da série “Museus a Céu Aberto” no Festival é uma cortesia da Bravura Cinematográfica e da diretora Karina Ades. Feito a mostra, os documentários também serão apresentados ao ar livre e no canal do Youtube do Instituto.
Por fim, há ainda a Residência Educativa e a Oficina de Pop-up (Origami Arquitetônico), cuja intenção é acolher e colaborar com a formação e a geração de conhecimento entre os participantes. A inscrição para a oficina virtual – ministrada pelo arquiteto e artista plástico Guto Lacaz – deve ser feita previamente, pelo site da Urca.
Já a Residência Educativa – desenvolvida pela jornalista Izabel Gurgel com as professoras Larissa Rachel, Elis Rigoni e Mariana Smith, do curso de Artes Visuais da Urca – antecede a mostra e terá quatro seminários preparatórios.
Estímulo à sensibilidade
Dodora Guimarães sintetiza o teor das atividades ao destacar que é de grande importância o estímulo à sensibilidade e à criatividade. “Todos somos tocados quando recebemos estímulos e somos reconhecidos. Inventar é uma necessidade humana, assim como pensar e elaborar”, considera.
Sobretudo no Brasil de 2021, com a emergência da pandemia do novo coronavírus e tantos ataques à cultura, realizar o Festival Sérvulo Esmeraldo nesses moldes, ao ar livre e na infinitude do mundo digital, representa uma grande alegria para ela.
“É um ato de coragem também. Exige muita energia e capacidade de luta. Só temos a agradecer, agradecer muito a todos os nossos apoiadores, aos amigos que acreditam e incentivam a lida do Instituto na preservação do seu legado”.
Dodora também adianta que a nova sede do Instituto Sérvulo Esmeraldo – no momento em implantação – abrirá brevemente para o público. “A lida da instituição é diária, permanente. Trabalha-se tanto na preservação de seu acervo documental, como pela preservação de sua obra pública. Colabora-se também na realização de exposições e publicações”, conclui. Uma dinâmica que não há de parar nunca.
Serviço
Festival Sérvulo Esmeraldo – FSE 91
De 9 a 30 de setembro, no Crato e de forma virtual. Programação on-line por meio do canal do YouTube do Instituto Sérvulo Esmeraldo e do perfil da instituição no Instagram.
Exposição virtual “Sérvulo Esmeraldo: O Crato no Mundo” em cartaz no site do Cineteatro São Luiz a partir desta quinta-feira (9), às 18h. Inscrições para webinário e oficina do evento neste link. Gratuito.
> Confira os temas trabalhados no webinário
Dia 9 de setembro, às 19h
Tema: Patrimônio e Generosidade – Palestrante: Alex Nicolaeff, artista, arquiteto e urbanista. Moderador: Professor Edmar Pinheiro – geógrafo e chefe de Gabinete da Reitoria (Urca)
Dia 14 de setembro, às 19h
Tema: O Laboratório do Mundo – Palestrante: Regina Teixeira de Barros, historiadora e curadora de arte. Moderadora: Professora Sandra Nancy Freire, historiadora e pró-reitora de Extensão (Urca)
Dia 16 de setembro, às 19h
Tema: Como Expandir os Pulmões – Palestrantes: Dra. Márcia Alcântara, pneumologista; Dr. Marcelo Alcântara, pneumologista e idealizador do Elmo. Debatedor: Dr. José Flávio Vieira, médico, escritor, dramaturgo e presidente do Instituto Cultural do Cariri (ICC)
Dia 21 de setembro, às 19h
Tema: Excitáveis, a Escultura e o Corpo – Palestrante: Mario Ramiro, artista e professor (USP)
Debatedor: Fred Sidou, artista e professor (Urca)
Dia 23 de setembro, às 19h
Tema: Arte, Ponte entre os Tempos – Palestrante: Marcus de Lontra Costa, crítico e curador de arte.
Debatedor: Sérgio Vilaça, cineasta e professor (Urca)
Dia 28 de setembro, às 19h
Tema: Novos Horizontes para a Cultura – Palestrante: Marta Porto, jornalista e crítica de Cultura.
Debatedor: Alemberg Quindins, produtor cultural