A passagem de KondZilla por Fortaleza deixou urgente mensagem para a juventude da periferia cearense. O papo do produtor musical, fenômeno mundial de audiência na internet, foi dos mais diretos. Em poucas palavras, turma jovem, não deixem para amanhã. Façam o seu. Driblem a ignorância, preconceito e desigualdade social criando. Organizados. Felizes.
A trajetória do cara nascido nas quebradas do Guarujá, região metropolitana da Baixada Santista, foi o combustível principal da visita realizada na quarta-feira (4). A primeira parada ocorreu no Centro de Eventos do Ceará, no 4º Seminário Internacional de Políticas Públicas Inovadoras para Cidades, realizado via Coordenadoria de Relações Internacional e Federativas (Cerif) da Prefeitura de Fortaleza. Dividiu experiências, perspectivas e escolhas profissionais durante o Painel Juventude e Empreendedorismo.
Não falou só. Tinha a companhia da documentarista alemã Annabella Stieren (Instituto Fryshuset), Daniel Calarco (Observatório Internacional da Juventude - RJ), Júlio Brizzi (Coordenador Especial de Políticas Públicas de Juventude de Fortaleza) e Preto Zezé (Presidente da Central Única das Favelas - Cufa). O debate promovido pelo grupo alertou para a necessidade de olharmos com mais carinho para os jovens, principalmente os menos favorecidos.
Como o paulista responsável por inserir o funk no mais alto escalão da mídia mundial e também empresário de sucesso pode contribuir para o delicado tema? Bem, uma rápida imersão pela biografia do cara explica o convite.
Criado na comunidade Vila Santo Antônio, Konrad Cunha Dantas tinha sete anos quando o pai abandonou a família. Adolescente, outro baque. Teve que encarar, junto do irmão, a morte da mãe. A única esperança nas mãos foi um seguro de vida deixado por dona Áurea Cunha.
Konrad investiu os parcos recursos em educação. Migrou à metrópole de São Paulo para se dedicar aos estudos em audiovisual. Buscou qualificação nas áreas de cinema e pós-produção de comercial de TV.
Focado, porém repleto de contas a pagar, viu no chão da comunidade aquilo que transformaria todo aquele corre. "Como cresci na Baixada Santista, o funk era um movimento que era muito forte, muito presente na minha região".
Bote o seu
O produtor era uma das figuras mais disputadas pelo público na tarde do Centro de Eventos. Subiu ao palco e a conversa "Da Favela ao Business" foi rápida e objetiva.
Confessou estar ali por uma única razão. Como muitos brasileiros periféricos e vulneráveis, queria apenas dignidade.
"Hoje, sou dono de uma gravadora e de uma agência que empresaria alguns artistas, entre eles Kevinho, Lexa, Rael...Temos cerca de 100 artistas agenciados pela KondZilla. Nosso canal é o maior canal de música do mundo, com 56 milhões de inscritos. 29 bilhões de visualizações. Isso tudo pensando em como dar uma vida confortável para nossa família", dividiu.
Entretanto, o assunto foi debulhado sem aquela falsa marra de palestrante motivacional. Para quem se perde na vã tentativa de detratar o som trabalhado por KondZilla, o profissionalismo desse artista chega bem antes. Centrado, comedido por vezes nas palavras, o interesse do empresário é situar conquistas e números capazes de incentivar quem ainda está batalhando na estrada.
Vídeo de "Bum Bum Tam Tam", do MC Fioti
O faro é sagaz. Quando topou com um clipe do MC Lon para "Visão da Sobrevivência" ficou intrigado. O material produzido com celular tinha seis milhões de visualizações no YouTube. "Bom, preciso fazer conteúdo para esse tipo de público". Era 2011. Estreou na direção de vídeos exclusivos para o funk com "Espada no Dragão", do MC Primo.
O primeiro sucesso de audiência foi "Megane", do MC Boy do Charmes. Depois chegou MC Guimê com "Tá Patrão". Não teve mais dúvidas. A carreira no audiovisual era o funk. Entender o mercado é a alma do negócio e setembro de 2016 trouxe uma relevante decisão. Tudo começou quando MC João cantou "Baile de Favela" no programa da Fátima Bernardes. A faixa tinha alcançado 100 milhões de inscritos no YouTube.
Porém, durante a performance, a apresentadora fez uma sugestão ao cantor: "Se você não tivesse falado aquele palavrãozinho na música, ela teria um alcance muito maior".
Observador, Kond matou a mensagem no peito. Decidiu retirar palavrões das músicas. Armas e imagens que exploram o corpo feminino também foram vetadas. Outro acerto.
"Fizemos com que todos nossos clientes mudassem o discurso das músicas. Fizessem, em vez da versão explícita, a versão rádio da canção. Mesmo assim nos perguntávamos se outro trabalho ia ter uma performance maior do que 'Baile de Favela'. A primeira música a fazer sucesso na sequência foi o 'Deu Onda' com 'O pai te ama' no lugar do palavrão original. Em fevereiro de 2017, o vídeo foi o segundo mais visto do mundo no YouTube", afere.
Na quebrada
KondZilla atuou no ambiente formal do seminário com a mesma desenvoltura da participação, por exemplo, no South by Southwest (SXSW), um dos maiores eventos de tecnologia e audiovisual do mundo. Algumas horas depois, o destino da estrela do funk foi uma visita ao Cuca Jangurussu. A casa estava cheia naquela noite. Por todos os espaços se respirava o movimento da comunidade.
De Fortaleza, MC Sequência e MC Jarli disputavam na rima. Teve batalha de BBoys. Uma meninada seguia centrada na biblioteca. Outra turma ligada num bate bola enquanto a galera da dança era só concentração nos ensaios. Na plateia, estrelas do Brega Funk feito nas áreas esperavam a fala do produtor. MC Lêza da Sul e a equipe do Guia Jangu, iniciativa feita por jovens para divulgar a cultura do bairro, estavam ligadas na missão.
KondZilla prossegue bem mais à vontade naquele território. No calor da periferia, é ainda mais perceptível o cuidado do cara. Seu império musical, edificado a duras penas também é norteado pelo signo da responsabilidade social. O alvo é como saber falar e estar mais próximo do jovem de favela.
Trailer da série “Sintonia”, parceria da Netflix e KondZilla
"Como é que vamos nos comunicar com esse público? Esse público que até pouco tempo era visto apenas como entretenimento. Preparamos um portal de comportamento para o jovem de favela. O portal KondZilla foi desenvolvido para que as pessoas contassem suas histórias. Entregassem suas mensagens. Alguém tinha que se preocupar com a parte técnica", argumentou.
Poxa, KondZilla virou patrão. Lutou contra uma lógica de desigualdade e possui uma história de vida tão detonada quanto muitos outros jovens espalhados pelo País. A maioria, deixe-se registrado. Respondeu atentamente a cada uma das perguntas. Por conta da projeção conquistada, obviamente foi questionado se não iria produzir alguém do Ceará. Até ouviu umas rimas.
O menino da comunidade Vila Santo Antônio preferiu dar outro papo. "Por que os produtores, diretores, fotógrafos jovens de Fortaleza não se unem, produzem e veiculam num canal?", chegou a explicar. A mensagem foi captada na maior das atenções pela plateia voraz. Da favela às cifras milionárias, a jornada de KondZilla deixou um enredo de motivação e coragem naquele inédito encontro no Jangurussu.