Serginho Mesquita, de 42 anos, sempre foi apaixonado por quadrilhas juninas. Desde criança. É um amor partilhado com a mãe e com familiares. Em 2008, ele montou a Beija-Flor Junina e, desde 2013, coleciona figurinos do grupo. A confecção das roupas é realizada pela população da comunidade Esmerino Gomes, em Itapajé, no Interior do Ceará. Hoje, são mais de 100 figurinos que costumam ser alugados para escolas e outros dançarinos para obter uma renda extra ao grupo.
"A gente procurou fazer esse grupo com as pessoas invisíveis. A gente tem coleção desde 2013. E é tudo na minha casa, não tem um ponto específico para guardar. Se você chegar na minha casa, tem roupa de quadrilha, tem chapéu, tem cenários... Minha casa é um ateliê", revelou ao Diário do Nordeste o servidor público. A estreia da temporada 2024 da Beija-Flor Junina ocorreu no último sábado (15).
Serginho conta que o processo de armazenamento das indumentárias é cuidadoso: "Ao final da temporada, a gente lava, deixa tudo limpinho, embala tudo, deixa guardadinho para não pegar poeira. Claro que algumas coisas mofam, algumas precisam ser restauradas, a gente vai restaurando, com o desgaste do tempo. A gente vai preservando. A gente sempre usa coisas naturais, de fácil acesso", detalhou.
As indumentárias, ele compartilha, são construídas por costureiras da comunidade — e todos são remunerados no processo.
"Contratamos um figurinista para fazer os croquis. Na comunidade, tem costureiras maravilhosas e elas vão construindo. [...] É um ciclo. Ciclo que vai rodando e a economia girando, para eles também. Para que todos ganhem. Além de eles estarem ganhando, eles têm prazer de ajudar, eles têm prazer de estarem presente e dizerem: 'Olha aquela obra de arte, fui eu quem fiz'", revelou.
Embora alugue os figurinos, Serginho descreve que essa fonte de renda não é suficiente para manter o grupo. "Esses aluguéis são uma fonte que a gente tira para suprir as necessidades da quadrilha, investir dentro da quadrilha. Pessoal mesmo meu, eu faço é colocar [dinheiro]. Mas tenho muito prazer, e a gente tem que fazer o que gosta", reflete.
A ideia inicial de quando montou a quadrilha era reunir as pessoas do entorno que nem sempre sabiam dançar e às vezes não eram aceitos em grupos tradicionais.
Amor pelas quadrilhas
Serginho relata que o amor pela quadrilha surgiu a partir da mãe. Dona Liduína Teixeira, de 65 anos, era proibida pelos pais de participar dos festejos. Contudo, saía escondida de casa para dançar.
"Já vem de família. A minha mãe dança. Ela fugia de casa para ir para São João. A família não deixava... Ela tinha que fugir [para participar]", contou.
Após a proibição familiar passar, Serginho e a mãe fundaram a quadrilha Beija-Flor Junina. Liduína é a vice-presidente da agremiação.
"Ela topa tudo que a gente vai construir. Ela dançou um São João dos idosos e foi a noiva. Brincou bastante, é bem bacana", continuou. "Tenho uma grande parceira que me ajuda em tudo. Ela que comanda a grande parte", afirmou.
Além da mãe de Serginho, há duas sobrinhas dele que atuam no grupo: "Uma era a noiva e outra a rainha", detalha.
Quadrilha Beija-Flor Junina
O grupo de Itapajé estreou a temporada no último sábado, na quadra de uma escola do Município. Pelo 16º ano consecutivo, Serginho é o marcador da quadrilha. "O marcador é o que comanda as coreografias da quadrilha, geralmente a execução, dá o sinal, o comando. Ele é o que direciona cada momento, é o que faz todo o movimento da quadrilha, faz dar esses comandos. Por isso que é chamado marcador", definiu.
Serginho conta que a dança tirou a timidez que ele sempre teve. "Eu sempre gostei, desde pequeno. ‘Tô’ no ramo há mais de 25 anos. Mas danço desde os oito. Como eu era muito tímido, a quadrilha fez que me libertasse dessa timidez. A partir do momento que passei a ser marcador da quadrilha, que tive que assumir essa função, aquela timidez ficou de lado. Já conseguia falar em frente às pessoas, fazer palestra. A quadrilha teve papel marcante na minha vida", refletiu.
O servidor público revelou ainda que investe o próprio dinheiro e faz dívidas para continuar a tradição anual junina na comunidade.
"Fazer São João hoje é muito difícil, porque é tudo muito caro, não existe mais fazer um São João barato. Tudo é muito profissional. Então a gente gasta muito, e o retorno é bem pouquinho. Inclusive, faço empréstimo para poder bancar a temporada", confidenciou.
Pessoal do Ceará
O tema central deste ano da Beija-Flor é o Pessoal do Ceará — movimento cultural que ocorreu no início dos anos 1970. "A gente vem fazer esse resgate, desse pessoal, dessa cultura", contou.
A comunidade, ele conta, está envolvida há meses na produção. "A quadrilha, além de tudo, gera renda na nossa comunidade. É um dos nossos princípios: usar os artistas locais, os brincantes locais, os profissionais. Tudo que é feito é feito aqui. Pouquíssimas coisas a gente traz de Fortaleza. Só o que não tem", descreveu.
A construção do tema começa logo após o fim da temporada anterior. "A gente descansa e já inicia o processo de produção da outra [temporada]. De agosto a setembro trabalhando a temática, discutindo o tema, pesquisando. Em dezembro, a gente passa a temática para os brincantes para, em janeiro, iniciar os ensaios. Os ensaios vão até junho", relatou.
Ainda conforme Serginho, cada ensaio dura uma média de duas as três horas. E, aos domingos, há uma escala maior de treino para o espetáculo. "A gente faz intensivo de domingo, que é o dia todo. A gente leva de 8h às 18h, dependendo da demanda, quando a coreografia demora mais tempo, que é mais difícil, a gente procura passar mais tempo".
Origem da quadrilha no Brasil
Pesquisadores apontam que a quadrilha junina surgiu como dança de Palácio, feita pelas cortes francesas durante o período da Guerra dos Cem Anos (1337–1453), na Idade Média. "Esse costume, essa cultura, foi passado pelos franceses, eram difusores de moda. Essa quadrilha começa a se espalhar pela Europa a partir dos franceses. Chega a Portugal e vem para o Brasil a partir dos invasores", descreve Breno Guedes, designer de moda e mestrando em antropologia.
Quando chegou ao Brasil, a dança trazida pelos portugueses, durante o Império (1822 – 1889), pertencia às altas classes dos colonizadores.
Breno Guedes explica ainda que a dança nem sempre foi realizada no mês de junho. "A quadrilha era uma dança nos bailes de carnaval, casamento, comum em festividades da alta sociedade", descreveu.
Com o fim do Império, a quadrilha deixou de ser "moda". "Mas, ao mesmo tempo, as pessoas que praticavam essa dança tinham contato com as pessoas do campo. Então, essa dança foi sendo replicada de outras formas, por várias outras pessoas. A gente pensa que, num sentido de moda, de classe mesmo, a quadrilha dançada pela elite é copiada com pessoas de camadas sociais mais baixas", continuou.
Com o início do êxodo rural, em 1970, pessoas do campo saem do interior em direção aos grandes centro urbanos e começam a realizar grandes festas e competição.
"Criam-se as grandes festas, movimentando o comércio, o turismo. Nas grandes festas, começam a ocorrer, a partir da década de 1970, festivais de quadrilhas, em junho, e elas começam a competir entre si tem todo um formato de julgamento para saber quem será essa campeã", explica.
Com as competições também há a entrada de maquiagens de festas, penteados estilados. "Em 1989, a Quadrilha Luar do Sertão retomou ao quesito originalidade [da dança]. O grupo buscou as origens palacianas e trouxe para sua forma de construir o espetáculo junino. Então, foram colados pedrarias nas roupas e outros elementos, chinelinha pelo chapéu e o cabelo de trança por um cabelo com arranjos, por exemplo", explicou.
Breno, designer e mestrando em antropologia, explica também que hoje a customização das roupas dos grupos festivos está muito atrelada ao tema escolhido pelos brincantes. "Esses grupos estilizados hoje baseiam seus espetáculos a partir de temas porque é um dos quesitos de julgamento numa competição", cita.