Não são poucas as vezes em que Maria Iracema Martins do Vale emociona-se ao falar do trabalho: carrega sentimento intenso consigo. Amor belo, devotado e capaz de deixar marcada na retina uma carreira disposta a doar-se pelo outro de maneira integral, sendo escuta, fala e atuação.
A facilidade com que as lágrimas dominam o semblante tem justificativa: a desembargadora do Tribunal de Justiça do Ceará, natural de Fortaleza, vem de uma linhagem cujo diálogo com questões sobre o Direito e a Justiça foi imperativo.
Ocupa lugar de continuidade. É neta e filha de advogados. Ao pai, Francisco Ferreira do Vale, advogado por formação e vocação, ela deve a inclinação de lidar com as causas jurídicas e sociais que pautaram a estrada pessoal e profissional. Dele, guarda ainda uma lembrança forte e bela, que desafia a dobra do tempo.
"Meu pai tinha muita vontade de ter uma filha advogada. Então, fiz Direito e fui começar minha carreira. Infelizmente, o destino não quis que ele acompanhasse meus passos nessa área, tendo em vista que faleceu no primeiro ano da faculdade", recorda.
O que poderia ser motivo de esmorecimento, logo potencializou um prosseguir seguro, abrangente, com vistas a eternizar o legado paterno. "Continuei e trilhei os mesmos caminhos que ele. Terminei a graduação e fui me aprofundando em outras instâncias, seguindo minha vida", afirma.
É diplomada em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em 1974, e Administração Pública pela Universidade Estadual do Ceará (Uece), em 1980. Concluiu especialização em Direito Público pela UFC, também em 1980, e especialização em Processo Civil pela Escola Superior do Ministério Público (ESMP), em 2002.
Hoje, exerce as funções de Conselheira e Ouvidora Geral do Conselho Nacional de Justiça, em Brasília. A abrangência dos importantes serviços que Iracema realiza converte-se em poderosa influência, sobretudo para mulheres.
Alcance
Em uma seara ainda notadamente marcada pela presença masculina, ela ultrapassou obstáculos e, dentre outras conquistas, tornou-se a primeira mulher a ser eleita para a presidência do Colégio de Presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, no qual permaneceu de abril a novembro de 2014.
Outro feito que marcou a trajetória de Iracema é ter sido a segunda mulher a tomar posse na presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, em 145 anos de história do Judiciário local; e, por fim, tornou-se conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), empossada em 2017, em vaga de indicação do Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, elegeu-se ainda, por unanimidade, Ouvidora-geral do Conselho. Trajetória sempre em destaque.
Quando solicitada a elencar os trabalhos sob sua assinatura que considera os mais relevantes para a sociedade, a desembargadora é enfática. Na gestão à frente do Poder Judiciário, integrou a equipe de nomeação de 76 novos magistrados; implementou a Audiência de Custódia no Estado; promoveu a instalação dos Centros Judiciais de Solução de Conflitos - Cejuscs's; e implantou os Núcleos de Apoio Técnico - Nat's, que auxiliam o Judiciário em demandas de saúde.
Promoveu, igualmente, o mutirão de execuções fiscais e aumentou a receita própria do Tribunal de Justiça, trabalhando na organização financeira com o saneamento dos custos.
No posto de Governadora do Estado do Ceará, em exercício no mês de janeiro de 2017 - assumiu interinamente o cargo em decorrência de viagem de Camilo Santana ao Oriente Médio - Iracema do Vale sancionou a lei de cotas em universidades públicas estaduais.
"Posso dizer que a síntese das medidas de maior relevância social adotadas durante a gestão em cada instituição que chefiei teve efeitos positivos na prestação jurisdicional, dando-me a certeza de que cumpri com fidelidade as responsabilidades assumidas", ressalta a desembargadora.
O interesse pelo aperfeiçoamento da qualificação profissional surgiu naturalmente no curso da vida pública. "Ao passo em que fui exercendo os cargos a mim confiados, percebi a necessidade de me qualificar ainda mais para bem servir a sociedade, de modo que a formação no âmbito do Direito e da Administração capacitou-me para a missão de gerir as instituições que chefiei com absoluta dedicação".
Dentre tantos projetos e ações, a Casa da Mulher Brasileira ocupa lugar carinhoso e urgente no peito. Implantado por Iracema, o programa nasceu da necessidade de combater a violência contra as mulheres. Construída e equipada pelo Governo Federal, a partir de iniciativa do Ministério dos Direitos Humanos, a casa possibilita o acolhimento e encaminhamento da denúncia de forma ágil e especializada.
Isso graças à presença de Comitê Gestor, formado por representantes do Governo Federal, Estadual, Ministério Público e Poder Judiciário. Na sequência, implantou o Projeto Justiça pela Paz em Casa no Ceará, na esteira do trabalho já realizado no segmento.
Esse olhar esmerado por quem mais precisa - não à toa, considera que a justiça é uma pacificadora social, com foco em melhorar a vida das pessoas - exerce influência também da mãe, Iracema Martins do Vale. "Ela era professora e servidora pública da Secretaria de Atendimento ao Menor (SAM), na qual exercia dignamente seu trabalho ao doar amor aos desassistidos afetivamente, evidenciando a essência de uma mulher aguerrida, de conduta firme e pautada nos princípios éticos e cristãos, com os quais soube muito bem educar os filhos".
Laços
Diante desse panorama, Iracema do Vale considera-se uma pessoa bastante realizada. Seguindo a tradição familiar, os dois filhos, Paulo Vale e Cláudio Vale, são também advogados, exercendo a carreira na retidão de conduta, feito que sublima a alma da mãe. Também é avó de Cláudia, Lara e Lina, "para mim, três fontes de alegria, carinho e amor".
Os contentamentos, por vezes imensuráveis, são divididos com o esposo, João Soares Neto, advogado, empresário e escritor, observado por ela como uma pessoa culta, justa e comprometida com o bem-estar social, com quem partilha a luta e os desafios da vida.
"Conviver o máximo que posso com a família é minha prioridade. Prezo e mantenho amizades sinceras, aprecio a sétima arte, os bons livros, cuido da saúde e procuro me manter atualizada com o mundo e a sociedade, em suas constantes e rápidas evoluções", enumera.
Em igual sintonia, afirma o que muda com a presença de mulheres na seara judicial. "O olhar feminino é outro e isso dá um diferencial importante. Apesar das dificuldades inerentes à jornada, nós podemos, sim, fazer muito mais. Com ética, trabalho e determinação, basta a mulher querer, ela chega aonde quiser".
Os parentes e a profissão, desta feita, caminham lado a lado como motivo de inspiração e causa primeira para continuar buscando um mundo mais justo e melhor. "Sei que ainda posso fazer muito mais, e é isso que me dá incentivo para ir além. As pessoas, quando chegam precisando de justiça, muitas vezes querem apenas ser ouvidas. E eu as recebo exatamente com um abraço, tirando, por vezes, do meu próprio bolso para ajudar. Acho que isso é fundamental. Elas saem com outra aura. Acreditam", afirma a desembargadora.
As vastas homenagens recebidas por ela em décadas de atuação é retrato frutífero de quanto já multiplicou saberes e ações. Nas mãos de Iracema, foram entregues, por exemplo, o Troféu de Reconhecimento conferido pelo Conselho Superior do Ministério Público do Estado do Ceará; a Medalha Pinto Martins, pelo seu compromisso dispensado para o engrandecimento da aviação de segurança pública do Ceará; e a Comenda Promotor de Justiça Guido Furtado Pinho, outorgada pela Associação Cearense do Ministério Público pela atuação no Ministério Público do Ceará.
Honra
Com rosto iluminado pela leve energia intrínseca a seu espírito, Iracema do Vale sublinha que receber o Troféu Sereia de Ouro era realmente um sonho. "Sempre quis ser homenageada, afinal quem não quer ser? Senti-me, então, imensamente honrada, recompensada e feliz por saber que, de agora em diante, meu nome também constará na galeria dos cearenses que se destacaram pelo trabalho árduo, profícuo e honesto, dignificaram a nossa terra natal e contribuíram para o seu engrandecimento".
Ao mesmo tempo, a comenda concedida pelo Sistema Verdes Mares significa, sob sua perspectiva, distinto ato de valor ao fazer com total entrega. "Representa o cultivo de maior responsabilidade em tudo que for fazer daqui para a frente e significa também a nobreza do reconhecimento de meus esforços empreendidos em prol da sociedade cearense, por meio da minha atuação no Ministério Público, no Poder Judiciário e no Conselho Nacional de Justiça. Minha gratidão ao Sistema Verdes Mares e à feliz inspiração do eterno Chanceler Edson Queiroz ao instituir esta importante comenda".
> SAIBA MAIS: VALOROSO RECONHECIMENTO
Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Tem como objetivo homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.
É concedido, anualmente, pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade especial, realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a 192 personalidades até então, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.
Nesta 49ª edição, além da desembargadora Iracema do Vale, serão agraciados com o Troféu Sereia de Ouro o cientista Fernando de Mendonça, o artista Espedito Seleiro e o médico Sulivan Mota.