Da pizza preferida de Belchior à atuação como produtor musical; veja lembranças de Lucinha Menezes

Neste domingo (2), às 18h, ela fará uma live para relembrar os 30 anos do seu disco de estreia, “Divina Comédia Humana”, produzido pelo cantor

Da residência onde Belchior passou a juventude, no bairro Parque Araxá, em Fortaleza, até a casa da infância de Lucinha Menezes, no Monte Castelo, o cantor levava apenas alguns minutos caminhando a pé. O percurso se repetia praticamente todos os dias, quando ele ia visitar os amigos Dalgimar e João Batista, respectivamente professor e colega de turma no curso de Medicina. 

Na expertise dos seus 11 anos, a caçula dos irmãos Menezes já sabia que aqueles encontros, regados a duas garrafas térmicas de café e algumas fatias de queijo, eram imperdíveis. E foi exatamente por isso que ela tornou-se uma grande observadora dos processos que consagrariam o cearense como um dos principais nomes da Música Popular Brasileira.

Primeira a ouvir a versão inicial de “Paralelas”, composta, segundo Lucinha, numa das travessias de Belchior pela Avenida Bezerra de Menezes, entre a casa dela e a dele, a cantora orgulha-se da relação que construiu com o compositor. 

Belchior confiou a ela a interpretação da música “Espacial”, no IV Festival da Música Popular do Ceará, em 1968, e mais tarde foi o produtor do primeiro disco da cantora, “Divina Comédia Humana”, que em 2021 completa três décadas de lançamento. 

Essas e outras memórias da convivência com o compositor, cuja morte completa quatro anos nesta sexta (30), serão relembradas em live por Lucinha neste domingo (2), a partir das 18h, no Instagram @lucinha_menezes_cantora. Mas, em entrevista ao Diário do Nordeste, ela adianta algumas histórias do amigo que, nos últimos encontros com a turma, aliás, não dispensava uma pizza de mussarela de búfala com tomate seco e rúcula.

Da varanda aos festivais

“Quase toda noite havia uma reunião na varanda lá de casa com Belchior. Ele chegava lá e começava com o violão. Toda vez em show dele, quem viu, sabe, que quando ele estava tocando e cantando, fechava os olhos e ficava revirando, parecia que estava em êxtase”, rememora Lucinha.

Na volta da primeira temporada do cearense no Rio de Janeiro, conta ela, nasceu “Paralelas”. “Todo mundo estudava de manhã e só eu de tarde. Um dia o telefone tocou e era ele. ‘Oi, Lucinha! Quem tá aí?’, e respondi ‘Só eu, Belchior’. E ele ‘Pois eu vou cantar uma música que eu fiz ontem quando eu saí daí. E começou”, recorda, cantando a versão inicial da canção, que era muito mais longa, e cujo trecho “dentro do carro...”, era “no Karmann Ghia a cem por hora”.

Estudante à época, Lucinha admirou as metáforas do poeta e pediu autorização para mostrar imediatamente às colegas da escola. “Foi um clique tão grande essa experiência, um insight imenso. Comecei a pensar um monte de coisa, interpretar todos os textos com muita exatidão. Tinha 12 anos, aquela idade, quando a gente começa a pensar com a nossa própria cabeça. E nunca mais me esqueci disso. Fiquei com a música na cabeça”, afirma. 

Os primeiros trechos de “A Palo Seco” e “Mucuripe” também foram exibidos na varanda da família Menezes. Mas esta segunda, de acordo com ela, seria completamente reformulada na parceria com Fagner.

Da época dos festivais, Lucinha lembra que ficou em 5º lugar com “Espacial” e, no ano seguinte, tentariam com outra música: Bailinho da Ironia. “Mas ele nunca gravou essa. A censura federal não deixou nem a música tocar no Festival”, diz. 

Produção musical

No fim da década de 1980, quando já estava se profissionalizando no ramo musical, Lucinha contou com o incentivo direto do artista já consagrado.

Em 1990, eu conversei com ele que eu estava juntando dinheiro, fazendo o projeto do disco. Tinha uma relação de músicas, ele ouviu tudo. Eram muitas músicas desconhecidas, ele gostou do repertório, mas deu a ideia de fazer um tributo aos cearenses. Falamos muito por telefone da metade de 1990 para o começo de 1991, aí acertamos fazer lado A Belchior e lado B Fagner”, contextualiza.

Como produtor, ele participou de todo o processo de “Divina Comédia Humana”, incluindo a vaquinha e os patrocínios, naquela época simbolizados pelo “livro de ouro”,  a disponibilização de fitas, e o acompanhamento das gravações e da produção da capa.

“Ele falou: Lucinha, usa meu nome, diz pra todo mundo, que vai ficar mais fácil, vai abrir caminhos. E como abriu!”, reconhece ela, que contou também com alguns músicos da banda de apoio dele nesse processo.

Despedida, pizza e saudade

É com carinho que Lucinha relembra os derradeiros encontros que teve com o amigo, nos arredores da Praia de Iracema, no início dos anos 2000. Até de um aniversário da mãe do compositor, numa pizzaria dali, ela recorda de ter participado brevemente. "Mussarela de búfala com tomate seco e rúcula era a pizza preferida do Belchior, a gente comia muito essa pizza”, conta.

Minha última lembrança dele é igual a de quando eu o via indo embora lá de casa, pela Av. Bezerra de Menezes, mas, dessa vez, andando ali no Dragão do Mar, em direção à galeria do Totinha, que hoje é um estacionamento”, afirma Lucinha.

A saudade de quem lhe aproximou ainda mais do universo musical cultivado em casa, ensinou-lhe a entonação para as palavras que queria destacar nas músicas e até opinou sobre seus figurinos artísticos, só aumenta com o passar dos anos.

“Era uma pessoa que poderia estar fazendo muitas coisas lindas nesse tempo da gente. Sinto falta do amigo, da minha adolescência, tão rica por causa desse movimento cultural na minha casa, com a presença dele. Não é uma velha roupa colorida, o passado. Ele te ajuda, te ensina”, conclui, certa de que não dispensou nenhuma oportunidade.

Serviço

Lucinha Menezes celebra 30 anos de disco produzido por Belchior
Neste domingo (2), às 18h, no Instagram e no Facebook