Cinema de garagem: livro investiga movimento de realizadores brasileiros independentes dos anos 2000

Marcelo Ikeda, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), fala ao Verso sobre momento autoral do cinema brasileiro em nova pesquisa

Nascido no Rio de Janeiro e radicado em Fortaleza, Marcelo Ikeda atua em diversas frentes do cinema, como a crítica, a curadoria, a pesquisa e a realização. É professor do curso de Cinema e Audiovisual do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da Universidade Federal do Ceará (UFC) e nos últimos anos tem lançado uma série de livros que reflete sobre a história da produção audiovisual nacional.

Em sua obra mais recente, intitulada “Das Garagens Para o Mundo: Como Uma Jovem Geração de Artistas Independentes Transformou O Cinema Brasileiro dos Anos 2000” (Editora Sulina), Ikeda retorna à temática que já investigou anteriormente, mas com novos direcionamentos sobre realizadores brasileiros que surgiram produzindo filmes de baixíssimo orçamento, feitos à margem dos modos de produção hegemônicos, e alcançaram reconhecimento no Brasil e no exterior.

Entre os nomes que representam esse cinema independente e autoral estão coletivos como a Teia (MG), o Alumbramento (CE) e a Filmes de Plástico (MG), e cineastas como Adirley Queirós, Affonso Uchoa, Gabriel Mascaro, Marco Dutra e Juliana Rojas, Felipe Bragança e Marina Meliande, Petrus Cariry, Allan Ribeiro, entre outros. Esses profissionais, que já atingiram a maturidade artística no cinema e são reconhecidos pela autoralidade de suas produções, teriam começado nas garagens, em um movimento de pensar outras formas de contar histórias.

Pontos de partida

Em conversa com o Verso durante o 52º Festival de Cinema de Gramado, Ikeda conta que a ideia do “cinema de garagem” surgiu a partir do cineasta, músico e ator paraibano Dellani Lima durante uma mostra de cinema em Belo Horizonte, em 2008. Dois anos depois, Ikeda e Lima se reuniram em Fortaleza para escrever o livro “Cinema de Garagem”, obra que dá o instala o conceito dentro dos estudos sobre cinema brasileiro contemporâneo.

O primeiro livro foi escrito durante um período em que a produção nacional passava por grandes transformações e contava com o surgimento de uma geração jovem fazendo filmes sem recursos públicos e, portanto, com outros modos de pensar. Publicado em 2011, “Cinema de Garagem” tratou de olhar para esse movimento do cinema nacional enquanto processo intelectual. Dez anos após essa primeira publicação, Ikeda decidiu voltar ao tema durante sua pesquisa de doutorado na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em 2021, em busca de outras perspectivas temáticas.

A proposta era prosseguir nessa ideia do cinema de garagem, mas pensando não apenas na análise dos filmes, na análise estética, na análise interna das obras, mas entender essa relação entre texto e contexto. Para mim, é cada vez mais importante entender não só as qualidades estéticas das obras, mas o contexto em torno do qual essas obras podem ser reconhecidas como símbolos de inovação de criatividade. 
Marcelo Ikeda
Professor e pesquisador da UFC

Para Ikeda, diante das novas circunstâncias da pesquisa, foi possível reconhecer um distanciamento mínimo histórico para traçar uma análise mais específica sobre a contribuição dessa geração do cinema de garagem. O ponto de partida da nova pesquisa gerou o novo livro, que já é não é mais sobre o cinema de garagem em si, mas sobre as características dessa cena.

“A pergunta é como uma geração que começa à margem, ou seja, fora das estruturas hegemônicas do cinema brasileiro, vai sendo reconhecida dentro do campo do cinema brasileiro. Porque hoje não dá para falar sobre o cinema brasileiro sem falar sobre realizadores como Gabriel Martins, André Novais Oliveira, Adirley Queirós, Petrus Cariry, entre outros. Então, como se dá a institucionalização de uma geração? Como uma geração que começa à parte vai sendo reconhecida pelos seus pares dentro do campo simbólico do cinema brasileiro?”, situa.

Reconhecimento das obras

Ao olhar para o contexto de transformações ocorridas no cinema brasileiro, Ikeda chega em mais questões que colaboraram para o reconhecimento dos filmes de garagem, como a tecnologia e as mudanças da película para o digital, a crítica cinematográfica e o surgimento da crítica na internet e a curadoria no sentido de estabelecer uma rede de novos festivais de cinema que reconheceu os valores dessa nova cena.

“Por meio dessa tríade tecnologia, crítica e curadoria, eu vou analisando então o contexto que permitiu que essas obras que eram tão diferentes do que estava sendo feito no cinema brasileiro na época e pudessem ser compreendidas, absorvidas e legitimadas dentro desse cinema”, continua. A pesquisa para o livro cobriu uma geração de obras e realizadores que fizeram os seus primeiros longas-metragens principalmente entre 2005 e 2015.

Segundo o pesquisador, o cinema cearense teve um papel assim fundamental dentro desse cenário de transformações do cinema brasileiro. “Os coletivos cinematográficos colocaram outras formas de fazer filmes, outros valores, e dentro dos coletivos um dos mais destacados é o Alumbramento, que teve uma importância fundamental nesse movimento de renovação do cinema brasileiro. O Ceará também foi um lugar de destaque dessa dentro dessa cena que reverbera até hoje. O Ceará também está inserido como um agente importante dentro desse cenário no Brasil”. 
 

*Colaboração especial para o Verso do Festival de Gramado