Cientista Fernando de Mendonça é homenageado com o Troféu Sereia de Ouro

A desembargadora Iracema do Vale, o artista Espedito Seleiro e o médico Sulivan Mota, também recebem a comenda na sexta-feira (27), no Theatro José de Alencar

Fernando de Mendonça considera-se um homem cheio de passado, de ex-ofícios. Não desenvolveu profissão única. Foi aviador, engenheiro e cientista. E, mesmo que ele insista em referenciar tais ocupações num tempo que não seja o presente, fato é que a influência do cearense nascido em Guaramiranga continua pulsante, ativa, onipresente e incontornável.

Se hoje o Brasil possui um dos mais modernos sistemas de meteorologia do mundo e tecnologia avançada no ramo da ciência espacial, muito se deve ao seu incansável trabalho. O sucesso e a abrangência, por exemplo, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), centro de estudos tecnológicos respeitado internacionalmente, refletem o espírito visionário do estudioso, dentre outras conquistas.

Aos 94 anos, o primogênito dos três filhos de José Brasiliano de Mendonça e Maria Laís de Mendonça é semeador de saberes dos mais diversos, feitos que ganham textura ainda mais forte quando ele observa a trajetória construída com esmero e labuta.

O empenho acompanha o cientista desde criança. Não recorda do tempo em que morou na cidade natal, mas traz à superfície a convivência com o avô, João Brasiliano de Mendonça, na fazenda de café próxima a Guaramiranga. "Naquele tempo, eu não tinha perspectiva nenhuma nem pensava nisso. Mas a preocupação dos meus pais era para eu estudar. Meu pai, embora fosse de uma cidade pequena, tinha visão de arte, gostava de tocar flauta. Minha mãe falava francês".

A mudança da família para Fortaleza aconteceu quando ele tinha seis anos de idade. Na Capital - onde o pai abriu um negócio para manter o lar - Fernando estudou o ginásio no Liceu do Ceará e cursava aviação civil no Aeroclube. Após receber o brevê (licença para pilotar), iniciou o curso de instrutor de aviação.

O interesse por voar estava diretamente ligado ao desejo de romper fronteiras.

"Você desenvolve na infância algumas coisas na imaginação. E, na minha mente, voar era ser livre. Você se eleva do espaço e eleva seu espírito também. É uma vida perigosa a de aviação militar, tomam-se muitos riscos e é preciso administrá-los".

Passado o êxito inicial, várias frentes surgiram. A primeira foi na Aeronáutica. Fernando rumou para o Rio de Janeiro, atuando até o começo de 1944 na Base Aérea do Galeão. Também atuou como Aviador Naval na Marinha dos Estados Unidos, entre 1943 e 1945. Foi Oficial Aviador na Força Aérea Brasileira e cursou a Academia da Força Aérea (Escola de Aeronáutica no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro).

Entre outras conquistas na seara, estão a conclusão do curso de Engenharia Eletrônica do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), em 1958, recebendo a "Summa cum Laude", maior prêmio outorgado pela casa desde a fundação; e o doutoramento na Universidade de Stanford, na Califórnia, entre 1959 e 1961, na área de Radiociência.

Fernando permaneceu nos Estados Unidos como cientista visitante, com apoio da Nasa (National Aeronautics and Space Administration). Foi ainda diretor científico do Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais, embrião do que viria a se tornar o Inpe, do qual foi o primeiro diretor-geral.

Progressos

A relação com o Inpe oportunizou que consolidasse sua morada em São José dos Campos, em São Paulo - havia chegado à cidade por ingresso no ITA, já em 1954. Do Inpe, participou de todas as etapas da construção - do alicerce estrutural à busca de pesquisadores para atuar no Programa Espacial Brasileiro, termo relativo à pesquisa e ao desenvolvimento das tecnologias de veículos lançadores, produção de satélites e exploração espacial em geral no País.

A ininterrupta preocupação com a formação de recursos humanos altamente qualificados para integrar o time é uma das maiores características da atuação do cientista o que, aliado à competência, rendeu-lhe honrarias tais quais a Ordem do Mérito Aeronáutico, Medalha Santos Dumont e o Prêmio da Força Aérea Brasileira, entre outras.

"Eu tinha um regime de bolsas de estudos favorecido pela Nasa. Então, nas universidades, quem não tinha reprovação, procurava trazer para o Inpe. E, assim, trouxe mais de 80 indivíduos para o Instituto", detalha. "À época, recebi muitas críticas. As pessoas perguntavam, 'como o Brasil, um País pobre, vai ter um programa espacial?'. Mas o programa que divisei não era para mandar o homem à lua nem a lugar nenhum. Era para auferir benefícios e investimentos para a economia brasileira".

Antes desses estudos, a meteorologia do Brasil era bastante imprecisa. Acertava apenas de 5% a 10%. Na década de 1970, porém, a partir de previsões via satélite, o cientista enviava diariamente para um jornal fotografias da cobertura de nuvens do País. Hoje, as previsões de meteorologia do Inpe acertam de 80% a 90% das vezes os valores, baseados em procedimentos específicos de satélite dos Estados Unidos.

Quando indagado sobre a relevância de compartilhar esses conhecimentos, marca contundente de sua personalidade profissional, a fala de Fernando é direta: "Isso não é apenas essencial: é a única maneira. Você não transfere tecnologia com papel, relatórios ou livros. É com cérebros. Você manda um indivíduo para um lugar, ele participa do programa, absorve, e traz a tecnologia na cabeça dele, o modo de comportar"

"Fui cientista durante um longo período e sacrifiquei a minha vida de profissional para tornar outros seres cientistas no Brasil, País outrora inóspito em termos de ciência. Isso, para mim, foi uma coisa muito importante".

Atualmente, é empresário no setor privado, na área de telecomunicações via satélites, e representa corporação norte-americana do setor espacial. Desenvolve igualmente esforços para a criação de um instituto voltado a pesquisas científicas e tecnológicas em energias limpas e alternativas no Ceará.

Imensidões

Maiúsculo em tudo que faz, Fernando de Mendonça também traduz esse espírito para os hobbies e sonhos. Junto à esposa, a administradora Márcia Barberio, com quem é casado há 44 anos, reside num castelo em São José dos Campos.

A imponente construção, cuja sede principal detém 3.800 m² e a secundária 1.700 m², foi erguida em apenas dois anos e é toda inspirada na arquitetura medieval, com 12 suítes, capela, estúdio, adega e sala que reconstitui o ambiente da Távola Redonda, do Rei Arthur.

A ideia para concebê-la nasceu da paixão desenvolvida a partir de passeios por edificações em países como Alemanha, França, Inglaterra, Escócia e Itália, quando estava na Europa para estudos e trabalhos. "Onde tinha castelo, eu ia lá ver. Aí, decidi estudar um pouco das especificidades dos castelos medievais", conta, sublinhando que criou uma escola especialmente com vistas a formar marceneiros, serralheiros, pedreiros e toda diversidade de ofícios para que construíssem a estrutura conforme desejava. "Gosto de influenciar jovens a fazerem coisas diferenciadas para o seu futuro".

O que, a priori, pode ser encarado apenas como capricho, Fernando garante ser investimento. "Se eu fizesse um prédio agora, moderno, em 100 anos ele deixaria de ser moderno. O castelo, no mesmo período de tempo, continua sendo castelo".

Nesse suntuoso espaço, vale mencionar, os dias são preenchidos por leituras, estudos, música e a ligação diária dos filhos, Roberto Tamlyn de Mendonça e Adelaide Carolina Tamlyn de Mendonça, que residem e trabalham distantes do pai. Nessas trocas, quase sempre os netos - Fernando Van den Temple de Mendonça, Mariana de Mendonça e Suzana de Mendonça - também se pronunciam cheios de afeto.

Reconhecimento

Recostado em uma das poltronas mantidas na principal sala de seu grandioso lar, Fernando de Mendonça recebeu, surpreso, a notícia de que seria agraciado com o Troféu Sereia de Ouro.

"Eu não esperava. Senti uma gratidão enorme, uma emoção, por todo o respeito à homenagem. Gosto de pensar nisso como algo que deve servir de exemplo para alguns jovens, especialmente para os do meu Ceará. Parece piegas falar em pátria, mas sou muito vinculado ao sentido de pátria, e o reconhecimento traz essa ideia de conjunto, de pessoas me prestigiando porque reconheceram alguma característica que valeu a pena ser expressa", afirma.

Sempre referenciando a juventude em sua fala, o cientista afirma ser um nobre ato do Sistema Verdes Mares prover a homenagem a cearenses. "Tem muita gente importante em nosso Estado que é ignorada, o que fica difícil para criar modelos para os mais novos. Saí lá do sertãozinho do Ceará, um lugar pobre, e consegui fazer uma longa carreira sem ser por grandes meios financeiros. Apresentar isso às pessoas é importante para inspirar mais gente".

> SAIBA MAIS: Valoroso reconhecimento

Criado em 1971 pelo chanceler Edson Queiroz e dona Yolanda Queiroz, o Troféu Sereia de Ouro é uma das mais tradicionais comendas do Ceará. Tem como objetivo homenagear personalidades que se destacaram em diferentes setores de atuação, contribuindo para o desenvolvimento do Estado.

É concedido, anualmente, pelo Sistema Verdes Mares, integrante do Grupo Edson Queiroz, em solenidade especial, realizada no Theatro José de Alencar. A honraria já foi entregue a 192 personalidades até então, brilhantes em atividades públicas e privadas, e que seguem inspirando gerações.

Nesta 49ª edição, além do cientista Fernando de Mendonça, serão agraciados com o Troféu Sereia de Ouro a desembargadora Iracema do Vale, o artista Espedito Seleiro e o médico Sulivan Mota.