Caetano Veloso 80 anos: como o cinema é capaz de decifrar o ícone baiano

Trilhando além da música e da literatura, um dos maiores nomes da MPB assinou canções para inúmeras produções da sétima arte e chegou a dirigir o filme "O Cinema Falado" (1986)

Caetano Veloso celebra luminosos 80 anos de vida. O avanço da idade parece chegar leve para o filho de Dona Canô (1907-2012). A estrela da MPB segue produzindo com vitalidade. Seja gravando discos, escrevendo ou pesquisando a língua portuguesa, o cantor e compositor preserva intacto o seu lugar como uma das mais influentes e questionadoras vozes da cultura brasileira.

A data será comemorada em cima do palco e na companhia da família. Os fãs também podem participar do "Especial Caetano Veloso 80 anos". No domingo (7), às 20h30, a live será transmitida gratuitamente pelo app do Globoplay, que estará aberto para não assinantes, e canal Multishow. Para relembrar sucessos de ontem e hoje, ele canta ao lado dos filhos Moreno, Zeca, Tom Veloso e da irmã, Maria Bethânia.

São quase seis décadas de carreira. Além da dedicação à música, o baiano é reconhecido pelo talento em outros campos da arte. Tal característica diz muito da infância vivida por Caetano Emanuel Viana Teles Veloso, na natal, Santo Amaro da Purificação (BA). Ainda criança demonstrou interesse pelo canto e desenho. Ouvia de Luiz Gonzaga à Carlos Garlhado, bem como a batida dos sambas de roda.

É nesta fase de descobertas que Caetano conhece a magia da sétima arte. Uma obra em particular é citada pelo artista na autobiografia "Verdade Tropical" (1997). "Um dos acontecimentos mais marcantes de toda a minha formação pessoal foi a exibição de 'La strada' de Fellini num domingo de manhã no Cine Subaé (...). Chorei o resto do dia e não consegui almoçar", descreveu o baiano. 

Nada mais foi o mesmo após assistir à interpretação de Giulietta Masina (1921-1994). Neorrealismo italiano, Nouvelle Vague, Cinema Novo... A partir da devoção pelo cinema, o então futuro tropicalista chegou a escrever, entre 1960 e 1962, críticas de filmes para o “Diário de Notícias”. Por vários momentos no início de sua trajetória cultural pensou em seguir o caminho de diretor.

Trilhas inesquecíveis

Em 1967, Caetano e Gal Costa realizam dueto na canção que abre os créditos de "Proezas de Satanás na Vila do Leva-e-Traz" (1967). Um ano depois, o sucesso “Alegria, Alegria” era utilizada no longa "Viagem ao fim do Mundo" (1968), de Fernando Coni Campos (1933-1988). Vale destacar que a mesma música marcou a TV brasileira após ser tema de abertura da minissérie "Anos Rebeldes" (1992), da Rede Globo. 

Conforme o site Internet Movie Database, o brasileiro conta com músicas creditadas em 147 trabalhos audiovisuais. A lista envolve novelas, séries e filmes datados desde 1968. Por duas ocasiões, Caetano esteve em trilhas do amigo e cineasta Pedro Almodóvar.

Em "A Flor do Meu Segredo" (1995) temos “Tonada de luna llena”.  Em 2002, foi a vez de "Fale com Ela" com “Cucurrucucú Paloma”. Caê não só empresta sua voz como pode ser visto em determinado momento do filme. A mesma canção também integrou a trilha do chinês "Felizes Juntos" (1997).

Em Hollywood, o compositor gravou “Let's Face the Music and Dance” para "O Alfaiate do Panamá" (2001). Com “Burn it Blue”, presente na trilha de "Frida" (2002). Composto por Elliot Goldenthal, traz dueto de Caetano e Lilá Downs. A música ganhou o Oscar de "Melhor Canção Original" e o baiano cantou na Cerimônia de entrega do famoso prêmio da Academia.

"É a lua, é o sol é a luz de Tieta, eta, eta, eta..." Estes versos acompanham um sucesso de público para Caetano e marcou a versão cinematográfica da obra de Jorge Amado (1912-2001). Porém, "Tieta do Agreste" (1996) teve a trilha toda assinada pelo artista, incluindo as composições instrumentais. 

Outra parceria bem sucedida com a estrela Sônia Braga aconteceu em "A Dama do Lotação" (1978), com "Pecado Original". Bastante presente na mente dos brasileiros, a melancólica versão de "Você Não me Ensinou a te Esquecer", de Fernando Mendes, marcou época na comédia "Lisbela e o Prisioneiro" (2003).

Caê nos cinemas

Outras referências ao universo cinematográfica estão no nome do disco "Cinema Transcendental" (1979) e canções como “Giulietta Masina”, “Cinema Novo”,  “Cinema Olympia” e “Michelangelo Antonioni”. Em 1998, Caetano foi convidado pela irmã de Federico Fellini a fazer um show em homenagem ao diretor e à sua esposa, a atriz Giulietta Masina em Rimini, na Itália. 

O sonho seria concretizado apenas nos anos 1980, quando filmou, escreveu e atuou em "O Cinema Falado" (1986). Mesmo sendo a única experiência atrás das câmeras, a produção é tida pelo próprio como uma obra especial na carreira. "As questões que ele suscita dentro e fora de seu âmbito são pertinentes ao diálogo que mantenho com quem quer que acompanhe o andamento do todo do meu trabalho”, compartilhou no livro "O Mundo não é Chato" (2005).

Como ator, Caetano atuou em dois filmes de Júlio Bressane: "Tabu" (1982) e "Os sermões – a história de Antonio Vieira" (1989). Interpreta, respectivamente, as figuras históricas de Lamartine Babo e o poeta Gregório de Matos. A filmografia inclui "Os Herdeiros" (1970), "O Demiurgo" (1972) e "O Rei da Vela" (1982). 

Sem previsão de estreia, o longa-metragem de animação “They Shot The Piano Player” (em tradução livre, “Eles Atiraram no Pianista”) contará a origem da bossa nova. Caetano Veloso será homenageado nesta produção assinada pelos espanhóis Fernando Trueba e Javier Mariscal, indicados ao Oscar 2012 por “Chico & Rita”.

A trama acompanha os eventos em torno do bárbaro assassinato do pianista brasileiro Tenório Jr. (1941-1976). Em 1976, quando acompanhava Toquinho e Vinicius de Moraes (1913-1980) em show na Argentina, Tenório desapareceu misteriosamente. Segundo o site "Memórias da Ditadura", o brasileiro foi sequestrado, torturado e morto com um tiro na cabeça por militares argentinos. 

O ator Jeff Goldblum (“Jurassic Park”) fará a voz do protagonista, um jornalista musical que investiga o caso de  Tenório Jr. Além de Caetano, a animação reverenciará Gilberto Gil, Vinicius de Moraes, João Gilberto (1931-2019) e Paulo Moura (1932-2010).