Muitas, juntas, distintas. Na visão da escritora e professora da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), Juliana Diniz, a expressão "mulheres de Beauvoir", além de sintetizar o conjunto de personagens criadas pela autora, filósofa e ativista política francesa, também alude a um aspecto importante: elas não pertencem a um grupo uniforme, tampouco podem ser enquadradas num único bloco.
"Beauvoir defende que o destino social da mulher é pré-estabelecido por convenções culturais, mas cada uma delas vai assumir esse destino a partir de uma história individual. Uma mulher nunca será igual a outra. Suas histórias são sempre únicas porque, de acordo com a ética existencialista que a inspira, o caminho da vida é marcado pelas escolhas que fazemos diante do que se dá a nós", considera.
Nesse movimento, o processo de revisita ao pensamento e legado de um dos maiores expoentes na seara de pensar o feminino - cujas teorias e ideias promovem diálogo intermitente com questões envolvendo política, ética e corporeidade até hoje - tratará de ganhar maior força nesta terça-feira (28), a partir das 16h, quando Juliana estará à frente da palestra "As mulheres de Beauvoir".
O evento acontece no Auditório da Biblioteca Central do Campus do Pici da UFC, integrando a programação do projeto mensal realizado pelo grupo de estudos e pesquisas Cipó - Varanda de Ciência Poética, do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da universidade. O objetivo, nesta décima edição da iniciativa, é contemplar a força das mulheres.
"Foi Juliana que me apresentou a proposta de falar sobre 'As mulheres de Beauvoir', sendo ela um exemplo da escrita de potência feminina contemporânea, já demonstrada em seu romance de estreia, 'Memória dos ossos'. Coerentemente, foi a própria quem escolheu outra mulher cuja contemporaneidade nunca se esgota, Simone de Beauvoir", justifica Cavalcante Júnior, idealizador da ação e professor do ICA.
Aprofundamento
O momento para o debate não poderia ser mais oportuno. Neste ano, comemora-se o 70º aniversário de lançamento de "O Segundo Sexo", obra publicada originalmente em 1949 e na qual Beauvoir aborda os fatos e mitos da condição da mulher. Também analisa a condição feminina em todas as dimensões, da sexual e política à social e psicológica.
Foram exatamente esses aspectos o gatilho para Juliana Diniz lançar olhares atentos sobre a potente produção. Segundo ela, o interesse por esse campo surgiu há alguns anos por uma motivação pessoal.
"A obra de Beauvoir me atraiu pelo que ela oferece de reflexão e por conta da qualidade literária. Aos poucos, os estudos sobre gênero e a condição feminina foram inseridos em minhas pesquisas a respeito de direito constitucional e filosofia política", dimensiona.
"'O Segundo Sexo' permanece potente porque o argumento culturalista que a autora explora deu margem ao desenvolvimento de um debate profundo sobre gênero e identidade feminina", completa. "Segundo esse argumento, a condição da mulher é determinada por convenções culturais transmitidas ao longo do tempo, que se enraízam nas práticas da sociedade sob a aparência de algo natural".
A estudiosa ainda cita que a ideia é forte e libertadora porque, situando a condição feminina no campo da cultura, Beauvoir abriu as portas para o questionamento dessas práticas e para sua transformação.
Não à toa, na palestra - que marca a segunda participação de Diniz no Cipó, após falar sobre o tema "A vida inscrita no corpo" -, ela garante alinhar tais desconstruções com a vasta gama de personagens da obra ficcional de Simone, explorando a concepção de que a mulher é culturalmente formada para cumprir um destino.
Reflexo
Sendo a literatura um espaço privilegiado para reflexão sobre os dramas humanos e a existência, Juliana evidencia que alguns nomes contemporâneos alardeiam os conceitos explorados por Beauvoir.
Entre eles, o da nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie é citado como um dos mais influentes. "Ela tem despertado muita atenção como uma autora que escreve uma literatura declaradamente feminista. Entre seus livros, destaco 'Hibisco Roxo' e 'Americanah'", enumera.
Após circular por espaços de Fortaleza apresentando o que foi estudado por Simone de Beauvoir, Juliana percebe que a adesão do público a essas atividades sinalizam algo maior:
"Percebo que existe um grande desejo de descobrir a filosofia, a literatura e outros campos do pensamento através de metodologias mais livres, fora do espaço acadêmico".
"Cada um de nós, em algum momento da vida, se coloca a pergunta: quem eu sou? O que eu posso ser? É uma questão que nos toca existencialmente. A literatura e o pensamento de mulheres como Beauvoir nos inspiram a pensar sobre questões como essas, trazendo uma luz. Esse é o encanto que atrai as pessoas para os cursos: a força e o poder de inspiração que as palavras podem oferecer".
Serviço
Palestra “As Mulheres de Beauvoir”, com Juliana Diniz
Nesta terça-feira (28), às 16h, no Auditório da Biblioteca Central do Campus do Pici (Avenida Mister Hull, s/n - Pici). Aberto e gratuito. Contato: (85) 3366-9515