Esqueça as luzinhas e miniaturas de Papai Noel. Em Curral Grande, comunidade rural no distrito de Serrote, em São Gonçalo do Amarante, o Natal respira arte, cor e talento genuinamente cearenses.
É nessa localidade no município da Região Metropolitana de Fortaleza que um grupo de mulheres se reúne para criar peças em crochê com o objetivo de tornar a data ainda mais especial e inesquecível.
A produção começou desde o início de novembro e pode ser conferida aos poucos pela população. São flores, arabescos e uma diversidade de figuras geométricas revestindo toda a praça central da comunidade, além de uma média de 50 casas. Um charme que encanta o olhar e convida para um bonito mergulho no artesanato.
“Neste ano, mesmo sem dinheiro nem muitas condições, decidi que iríamos fazer o Natal Colorido. A ideia é exatamente pintar a fachada das casas ao redor da praça, onde está a Igreja Matriz, com cores fortes. Como não podemos pintar as portas dessas casas, colocaremos detalhes em crochê nelas e nas janelas”, explica Conceição Juvêncio.
À frente da Artfio - Associação de Artesãos de Curral Grande (@artfio_ce), a realizadora se divide entre Fortaleza e São Gonçalo para ver tudo nos conformes. O planejamento é que, até a data em que se comemora o Natal, o processo inteiro esteja finalizado, convocando mais gente para perto e possibilitando que novas conexões sejam criadas a partir dali.
O esforço é enorme. As artesãs, em torno de 25, se reúnem praticamente todos os dias na praça para confeccionar as belezas. No correr da agulha, materializam conversas e sonhos. A ansiedade, assim, ganha corpo e pelo melhor motivo: contam-se os dias para a conclusão.
Resgatar a autoestima
Eis aí uma das maiores riquezas da iniciativa: fazer com que as mulheres envolvidas resgatem a autoestima – tantas vezes fragilizada ao longo da pandemia de Covid-19 com a suspensão de trabalhos e, consequentemente, de criações.
Segundo Conceição, devido ao tempo de reclusão em casa, muitas delas ou deixaram a Associação ou desenvolveram um estilo muito pessoal de ver a vida e desenvolver peças, em contraste com o esforço sempre coletivo pautado pelo grupo.
“O que eu quero é que a gente olhe novamente para o trabalho, que é o que constrói nossa vida”, torce. E Conceição não arreda pé enquanto não consegue o que deseja. Para o projeto deste ano, em parceria com a Câmara de Vereadores de São Gonçalo do Amarante, ela ganhou tintas de cal para pintar as árvores que receberão o crochê. Ficará lindo.
“São praticamente 22 anos de luta. Muitas coisas a gente consegue, embora outras precise de mais esforço. É preciso respeitar os limites e ir fazendo. Às vezes dá, às vezes não. Mas sempre tivemos muito sucesso nesses anos todos. Na época em que cobrimos as árvores pela primeira vez com crochê, chegamos no Jornal Nacional”, recorda, contente.
De fato, a Artfio foi formada em 2001 e formalizada em 2004. Desde a data, participa de diversos eventos e feiras do setor, apresentando e comercializando os produtos confeccionados pelas mais de 30 associadas.
Ao longo das décadas, tiveram apoio do Ceart, Sebrae e Agroamigo. Em 2012, durante encontro com a cantora e compositora Marisa Monte – amiga do grupo e também crocheteira – as artesãs ficaram sabendo da possibilidade de revestir árvores com linhas coloridas crochetadas. Logo, decoraram centenas delas e ficaram nacionalmente conhecidas.
Importa é colorir
Quando perguntada sobre como se sente diante de cada um desses passos, Conceição Juvêncio não gagueja: “Tô me sentindo no auge, alcançando resultados, idealizando e vivenciando sonhos até que eles se realizem”. Lembra, inclusive, de quando a mesma ação foi feita na Praça Luíza Távora, em Fortaleza, no ano de 2019: orgulho.
E não esquece do quanto isso pode mudar tanto profissional quanto pessoalmente a trajetória de mulheres e de famílias, beneficiadas por um fazer criativo que inspira, movimenta e constrói. No fim das contas, tem a ver sobretudo com as cores. Conceição quer estampar o universo.
“O mundo é muito cinza. É preciso que você o veja em formas diferentes, em cores diferentes, para se sentir feliz. Acho que a cor modifica, toca sentimentos. Sou muito colorida. Se tu me ver, estou sempre de estampado. Porque acho que se a gente ficar na mesmice, sem dar alegria ao coração, é ruim. A cor te traz felicidade, paz. E ver uma árvore toda envolvida nelas, toma também outra vida”.
São Gonçalo te aguarda.