54 bibliotecas comunitárias do Ceará irão receber mais de R$ 1,6 milhão em recursos federais

Cearenses são maioria entre as iniciativas contempladas em todo o País pelo Edital Prêmio Pontos de Leitura 2023, do Ministério da Cultura.

Um total de 54 bibliotecas comunitárias de 25 municípios cearenses irá receber R$ 1,62 milhão em recursos do Ministério da Cultura a partir do Edital Prêmio Pontos de Leitura 2023. O Ceará é o estado do Brasil que mais teve projetos contemplados na chamada pública, que destina R$ 30 mil para cada premiado.

Espaços de estímulo e democratização de acesso à cultura, bibliotecas comunitárias são mantidas por iniciativas e membros da sociedade civil. No total, foram 300 iniciativas de todo o País selecionadas. No recorte por regiões, o Nordeste tem a maioria das contempladas — 156 ou 52%. 

Destaque cearense

Um dos responsáveis pela Biblioteca Adianto, ponto de leitura que atua na região da Barra do Ceará desde 2019 e é um dos premiados, Wesley Nascimento — também conhecido como Farpa — reconhece a participação de destaque do Ceará no edital como fruto da força das mobilizações comunitárias no Estado.

“Aqui, as bibliotecas comunitárias se popularizam e se organizam primeiro questionando: por que só na Aldeota tem biblioteca pública? E, segundo, porque encontram exemplos de bibliotecas em outras periferias e decidem levar a proposta para sua região”, avalia o designer. 

Wesley destaca, ainda, o acúmulo de investimentos no segmento ocorrido nas gestões estaduais dos últimos anos. “Existiu, por parte do (Fabiano) Piúba, ex-secretário da cultura, um movimento de olhar com mais seriedade os resultados desse acesso ao livro realizado pelas bibliotecas comunitárias”, aponta. “O próprio edital é resultado desse olhar que reconhece o potencial e a capilaridade que elas têm não só no Ceará, como no Brasil”, avança. 

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Coordenadora da Biblioteca Comunitária Gleiciane Rodrigues de Sousa, no Assentamento Novo Horizonte, em Tururu, Eliane Saraiva reforça a avaliação: “O número de bibliotecas comunitárias premiadas reflete o comprometimento da Secult no fortalecimento das ações voltadas ao livro e à leitura”, aponta.

Ela ainda ressalta a importância da estruturação e atuação do Sistema Estadual de Bibliotecas Públicas do Ceará (SEBP/CE), vinculado à pasta, que “apoia, incentiva, orienta e fortalece, além das bibliotecas públicas, as bibliotecas populares e comunitárias”, explica. 

O histórico da atuação estadual na área também é ressaltado por Liro Nobre, coordenador da Biblioteca Comunitária da Casa de Quitéria, do distrito de Baixio das Palmeiras, no Crato.

“Não podemos esquecer a educação do Estado — não somente a gestão, mas principalmente o chão da escola, com profissionais na luta cotidiana — e a política cultural merece ser destacada”
Liro Nobre
coordenador da Casa de Quitéria

“É claro que muita coisa precisa melhorar, mas o fortalecimento dos pontos de cultura e a valorização dos mestres e mestras da cultura popular se refletem diretamente em projetos como esse”, segue Liro. Além do estadual SEBP/CE, ele também destaca, regionalmente, a Rede de Bibliotecas Comunitárias da Região do Cariri, implantada pelo Centro Cultural do Cariri.

Diversidades

“O Nordeste tem um acúmulo de experiência de boas práticas de leituras desenvolvido por pessoas e por instituições da sociedade civil. O Ceará, em especial, tem a rede de bibliotecas comunitárias e de populares que ativam os seus territórios promovendo acesso ao livro e à leitura”, aponta o cearense Fabiano Piúba.

Ex-secretário da Cultura do Ceará (2016-2022) e atuando hoje como secretário de Formação, Livro e Leitura (Sefli) do Ministério da Cultura, ele adianta ao Verso que, assim como o SEBP/CE inclui iniciativas comunitárias, o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas passará a contar com elas.

“Estamos fazendo uma reestruturação e redesenho do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas, que existe desde 1991. Estamos inserindo as bibliotecas comunitárias para que elas possam ser inseridas de maneira mais estruturante nas políticas públicas de livro, leitura, literatura e bibliotecas"
Fabiano Piúba
secretário de Formação, Livro e Leitura (Sefli) do Ministério da Cultura

O gestor destaca, ainda, que o edital realizado buscou contemplar diversidades. “As 54 instituições (cearenses) selecionadas traduzem a diversidade que esse prêmio promove. Você tem exemplos tanto de territórios distintos — urbanos, rurais, indígenas e/ou quilombolas —, mas também bibliotecas temáticas”, observa.

Em Fortaleza, no bairro Curió, por exemplo, desponta a Biblioteca LGBTQIA+ Arte de Amar, que atua desde 2009 e, como explica a coordenadora Beatriz Lemos, “pretende ser referência em estudo e pesquisa LGBTQIA+, Saúde, Cultura e Gênero”.

Além de acervo disponibilizado ao público, o espaço também oferece ações como rodas de conversa e leitura, cine debate, cursos e, ainda, estrutura para estudos que inclui dois computadores para uso dos moradores.

“O maior desafio é conseguir se manter ininterruptamente e atender a comunidade de forma gratuita, mesmo sem ter recursos e apoio financeiro dos órgãos competentes”, compartilha Beatriz, que afirma que o recurso federal deve “minimizar as dificuldades enfrentadas no que se refere à manutenção ativa e a realização das atividades”.

Desafios de manutenção

Apesar das atuações relevantes e centrais para os territórios nos quais se encontram, as adversidades são pontos comuns entre as quatro bibliotecas comunitárias aqui destacadas. O grupo compartilha, ainda, outras aproximações comuns para iniciativas do tipo, como trabalho voluntário, dificuldade para manter ações contínuas e questões estruturais

“(A Biblioteca Comunitária da Casa de Quitéria) é mantida através de trabalho voluntário e sobrevive de pequenas doações e eventos para arrecadar recursos, como bingos, bazares e rifas”, conta Liro, que ainda aponta necessidades de ampliação e atualização do acervo.

Em Tururu, na Biblioteca Comunitária Gleiciane Rodrigues de Sousa, a falta de recursos para ações ao longo dos 17 anos de atuação também é realidade, bem como a falta de estrutura do espaço. A iniciativa atende, principalmente, população camponesa, assentados da reforma agrária e agricultores familiares da região.

“Nós, voluntários da biblioteca, tivemos que doar o que fosse necessário para as reformas e ampliação do prédio, aquisição de lanches, compra de estantes e outros móveis, compra de livros para os clubes de leitura e pagamento de assinaturas de plataformas de estudo para concurseiros e/ou estudantes da educação básica”, lista Eliane.

Doações também ajudam a manter a Biblioteca Adianto, além da comercialização de produtos de uma grife própria, a Adianto Cultura, do trabalho voluntário e da articulação do projeto com outras iniciativas comunitárias a partir da Rede Caldeirão de Bibliotecas, divide Wesley.

"Assim como muitas outras iniciativas culturais e autônomas, situadas nas periferias, temos um espaço físico pequeno, que nos exige muita organização e criatividade para fazer gerar, no mesmo lugar, a biblioteca, sala de leitura, cineclube, estúdio de fotografia/audiovisual e ateliê de serigrafia e costura”, acrescenta ele sobre a Adianto, que ocupa metade da casa dos pais do designer.

Reconhecimento e recursos

A premiação concedida às iniciativas pelo edital tem importância concreta e simbólica para os responsáveis ouvidos pelo Verso. “O apoio federal irá contribuir não só com a manutenção do espaço, quanto com a garantia de programação gratuita para o nosso público leitor e com o reconhecimento de uma luta que é a existência de uma biblioteca comunitária em uma periferia”, resume Wesley.

“O recurso federal será destinado para a manutenção dos projetos vigentes e criação de novas atividades culturais e educativas”, compartilha Eliane, que ainda conta que parte do valor será aplicada na construção de uma área externa para reuniões e encontros dos clubes de leitura da Biblioteca Gleiciane Rodrigues de Sousa.

Na Casa de Quitéria, que atende cinco comunidades rurais do entorno, os recursos recebidos irão ser investimentos em equipamentos e informatização da estrutura, além de melhora do acervo. Assim, a expectativa é atrair mais pessoas para o espaço. “Até hoje, mesmo com todas as dificuldades, as comunidades perceberam que a Biblioteca Comunitária da Casa de Quitéria contribui para a preservação dos saberes e modos de vida tradicional das comunidades”, aponta Liro.

Citando promessa de campanha do presidente Lula (PT), que afirmou a intenção de “trocar armas por livros” e abrir bibliotecas pelo País, Wesley aprofunda: “Abrir (mais) é necessário sem dúvidas, mas reconhecer as que já estão na luta é fundamental para que novas bibliotecas tenham a cara do povo, dos livros à gestão comunitária, e que pessoas em todo o país se sintam parte”, confia.

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