Juiz que afirmou estar 'nem aí' para Lei Maria da Penha será investigado por corregedoria

O caso corre em segredo de justiça. O juiz chegou a tentar convencer a mulher vítima de violência a voltar para o relacionamento com o seu agressor

Legenda: Corregedoria considera o caso como um grave desrespeito ao Código de Ética da categoria
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 A Corregedoria do Tribunal de Justiça de São Paulo abriu uma apuração preliminar para investigar um juiz da Vara de Família e Sucessões da capital que teria zombado da Lei Maria da Penha durante uma audiência sobre guarda e visita de filhos. Na sessão o magistrado, que não teve seu nome revelado pelo tribunal, afirma que uma coisa que ele aprendeu na vida era que 'ninguém agride ninguém de graça'.

As imagens divulgadas revelam o magistrado desmerecendo a Lei Maria da Penha, voltada para proteção de mulheres vítimas de violência doméstica. "Vamos devagar com o andor que o santo é de barro. Se tem lei Maria da Penha contra a mãe eu não tô nem aí. Uma coisa eu aprendi na vida de juiz: ninguém agride ninguém de graça", afirmou.

O processo está sob sigilo, pois uma das partes, a mulher, é vítima do ex-companheiro em um inquérito de violência doméstica com base na Maria da Penha. Na audiência, porém, o juiz desmerece a lei e diz que se mulher continuar a registrar boletins de ocorrência contra o ex-marido, ela poderia ter problemas com a guarda dois filhos pois 'ficar fazendo muito B.O. depõe muito contra quem faz', segundo vídeos divulgados pelo site.

"Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha"

"Qualquer coisinha vira lei Maria da Penha. É muito chato também entende? Depõe muito contra quem…eu já tirei guarda de mãe, e sem o menor constrangimento, que cerceou acesso de pai. Já tirei e posso fazer de novo", disse o juiz, em outro momento da audiência.

O magistrado também tenta dissuadir a mulher da medida protetiva. "Pois é, quando a cabeça não pensa, o corpo padece. Será que vale a pena ficar levando esse negócio pra frente? Será que vale a pena levar esse negócio de medida protetiva pra frente?", questiona o juiz.

Em outro momento, o juiz afirma que 'quem batia não me interessa', e sugere à mulher que volte ao ex-companheiro. "Mãe, se São Pedro se redimiu, talvez o pai possa…", disse o magistrado. "Ele pode ser um figo podre, mas foi uma escolha sua e você não tem mais 12 anos".

Para a corregedoria, o caso é grave e aponta para violação da Lei Orgânica da Magistratura e do Código de Ética da categoria.

"Ante a aparente gravidade das condutas, a exigir providências urgentes no sentido especialmente de obter cópia integral da audiência realizada e completa identificação de seus participantes, determino a instauração, de ofício, por esta Corregedoria Geral de Justiça, de expediente de apuração preliminar", determinou o corregedor Ricardo Anafe.

Comissão da Mulher Advogada da OAB repudia episódio

Em nota divulgada na tarde desta sexta, 18, a Comissão Nacional da Mulher Advogada da OAB criticou a postura do juiz e relembrou outros dois episódios recentes de violência de gênero contra mulheres: a audiência do caso do estupro da influenciadora Mariana Feller e o assédio cometido contra a deputada estadual Isa Penna (PSOL). A manifestação é coassinada pela Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídica

Para as advogadas, os episódios mostram 'apenas uma breve amostra do que cotidianamente ocorre no Brasil' contra as mulheres.

"O terceiro caso (do juiz que desdenha da lei Maria da Penha) expressa mais um episódio de violência de gênero dentro do processo, em que, por meio de declarações descabidas, o magistrado busca, inclusive, inverter a culpa pela violência, colocando na conta da vítima a responsabilidade pela violência que sofreu, além de fazer deboche da Lei Maria da Penha, considerada a terceira melhor lei do mundo no combate à violência doméstica", afirmam.