No Ceará, a vacinação de profissionais da educação contra a Covid-19 foi atrelada à assinatura de um termo no qual esse público se compromete a retornar ao trabalho presencial no segundo semestre deste ano, desde que devidamente liberado pelas autoridades sanitárias. A exigência da declaração gerou uma série de críticas ao governo estadual e moveu, por meio do sindicato da categoria, uma ação no Tribunal de Justiça do Estado (TJCE) contrária à medida.
De acordo com a Secretaria da Saúde do Estado (Sesa), a documentação necessária para a vacinação dos profissionais de Educação foi pactuada na reunião da Comissão Intergestores Bipartite do Estado do Ceará (CIB-CE), com a presença de Ministério Público Estadual, Federal e do Trabalho.
Além disso, informou a pasta, retornar às aulas presenciais é uma das razões pelas quais o Ministério da Saúde liberou a imunização dos profissionais da Educação como prioridade.
O Diário do Nordeste ouviu o Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE) e a Comissão de Estudos Constitucionais da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-CE) para entender, primeiramente, se a exigência dessa declaração é legal.
Segundo a procuradora-chefe do MPT-CE, Mariana Férrer, o cenário de escassez de vacinas foi o que levou as autoridades públicas a “priorizar, por enquanto, a vacinação dos profissionais que retornarão às atividades presenciais”. Além disso, ela comentou que o preenchimento da declaração “foi uma alternativa proposta pelas secretarias da Saúde do Estado e do Município [de Fortaleza] em reunião da Comissão Intergestores Bipartite (CIB) como forma de desburocratizar e agilizar o processo de vacinação dos trabalhadores”.
Arsênia Breckenfeld, presidente da comissão de Estudos Constitucionais da OAB Ceará, entende que, nisso, “não há condicionamento [da assinatura] à vacina”, e que a declaração simplesmente pretende garantir que o profissional voltará ao trabalho presencial quando as autoridades sanitárias considerarem seguro. “Não consigo ver como um constrangimento. Se sou professor do Estado e tenho obrigação de dar aula presencial e as autoridades sanitárias autorizam o retorno às aulas, minha obrigação legal é voltar”, afirma a jurista.
Porém, professores argumentam que a exigência não foi feita da mesma forma a outras categorias profissionais do grupo prioritário para receber os imunizantes.
“Os profissionais da saúde [fora da linha de frente] não tiveram que comprovar que retornariam ao trabalho presencial. E, nós, professores, temos que assumir o compromisso de que voltaremos, sem a certeza de uma segunda dose na data correta e de que as escolas, inclusive, públicas, estarão preparadas pra receber esse contingente de alunos e professores”, critica o professor da rede privada Emerson Viana, 25, que está com a vacinação prevista para quinta-feira (3) e diz se sentir “humilhado e coagido” com a exigência do documento.
Entrave nas negociações
Uma vez que os profissionais da educação se comprometem, por escrito, a voltar às aulas presenciais tão logo o Governo considere seguro, isso acaba por desobrigar o Estado de negociar com a categoria as condições desse retorno, o que acaba, também, por afetar toda a comunidade escolar, a exemplo da questão estrutural das escolas colocada por Emerson.
Esse é, aliás, o único prejuízo visto por Breckenfeld no processo. “A preocupação, agora, é com os alunos. E os alunos? Vão ter condições de higiene, de distanciamento, pro retorno dessas aulas?”, questiona a advogada.
Ação na Justiça
Na tarde desta segunda-feira (31), o Sindicato dos Servidores Públicos lotados nas Secretarias da Educação e da Cultura do Ceará (Apeoc) levou ao TJCE um mandado de segurança coletivo pedindo a continuidade da vacinação de profissionais da educação sem qualquer exigência de compromisso pessoal do profissional.
A ação, de acordo com o sindicato, teve como base a inexistência de previsão legal da exigência da declaração, bem como a inexistência dessa exigência nos planos nacional e estadual de vacinação, dentre outras justificativas.
“Não cabe, não tem fundamentação jurídica para isso, além de ser um ato inconstitucional que fere a dignidade do trabalhador”, pontuou o advogado da Apeoc, Ítalo Bezerra, em transmissão ao vivo nas redes sociais.
Nesta terça-feira (1º), uma nova reunião da CIB deve reavaliar a exigência do documento. “Esperamos que [na reunião] o Estado possa ter uma posição firme. Estamos abertos a toda e qualquer organização para discutir o ano letivo 2021. Nunca nos negamos a nos colocar à disposição no processo educacional”, afirmou o presidente do sindicato, Anízio Melo.
Implicação criminal
O último parágrafo da declaração colocada para os profissionais da educação pontua que uma eventual informação falsa configura crime de falsidade ideológica previsto no artigo 299 do Código Penal e que essa declaração será enviada ao Ministério Público do Ceará (MPCE).
Logo abaixo do campo da assinatura, está o detalhamento da lei, que diz que a pena para quem comete esse crime é reclusão de um a cinco anos e multa.