Após chamar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) de "genocida", o influenciador digital e youtuber Felipe Neto passou a ser investigado pela Polícia Civil do Rio de Janeiro por crime contra a Lei de Segurança Nacional.
Na última segunda-feira (15), o empresário foi intimado a comparecer à delegacia e depor nesta quinta (18) sobre a notícia crime apresentada pelo filho do presidente, vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos - RJ).
A abertura de investigação contra Felipe Neto gerou polêmica e uma série de questionamentos sobre a Lei Nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, que define os crimes contra a segurança nacional.
Mas, afinal de contas, ao chamar Bolsonaro de "genocida", o influenciador digital estaria exercendo o direito à crítica ou cometendo, de fato, um crime contra a segurança nacional?
Crime x Direito
Para a advogada e presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB-CE, Arsênia Breckenfeld, o ato de tecer críticas direcionadas a políticas públicas desenvolvidas pelo presidente da República durante a pandemia de Covid-19 não pode ser avaliado como um crime que lesa ou expõe a perigo a integridade territorial ou a soberania nacional.
“Ele [Felipe Neto] não incitou a violência. Não consigo ver em que momento isso pode ser um ato contra a República, contra o Estado Democrático de Direito ou contra o sistema nacional de Segurança Pública”, diz. “Não seria qualquer manifestação de pensamento que poderia ser enquadrado na Lei de Segurança Nacional”, soma.
A advogada contextualiza que a Lei de Segurança Nacional foi um instrumento legal criado nos Estados Unidos para conter ameaças de outras nações dentro do território americano e replicada no Brasil, no contexto da Ditadura Militar.
Portanto, é uma lei que reflete maior proximidade com regimes militares. “É uma tentativa de manter a segurança nacional protegida contra a perseguição de opositores a esse regime, na época, militar. Depois da ditadura, era uma lei antipática de ser usada por governantes”, mas que vem sendo revisitada com mais frequência desde 2020.
Incompatibilidade
Professor do curso de Direito da Universidade de Fortaleza, Gustavo Raposo enxerga na lei “um conteúdo fortemente autoritário e repressivo". O que a coloca em xeque, tendo em vista que o Brasil já conta com uma nova Constituição democrática.
Inclusive, aponta o professor, muitos pontos da lei de 1983 podem ser considerados incompatíveis com a Constituição. E ainda que fossem compatíveis, teriam que ser interpretados sempre à luz da Constituição.
"Por ter sido criada num ambiente de Ditadura ainda, mas num ambiente que já estava se movimentando para um Regime Democrático, a gente tem que interpretar essa lei de uma maneira diferente. Não pode simplesmente aplicar como se a gente ainda estivesse no começo dos anos 80”.
Investigação ilegal
A defesa de Felipe Neto alega que houve irregularidade na condução da investigação pela Polícia Civil do Rio, pois tal competência seria da Polícia Federal. Conforme o delegado Pablo Sartori, a investigação foi aberta por ele porque se trataria de um crime cometido contra a honra, previsto no Código Penal e na Lei de Segurança Nacional.
Mas, segundo Breckenfeld, um delegado de Polícia Civil “jamais” teria competência para analisar este tipo de crime. “Há ilegalidade de competência. E um crime contra a honra é de ação privada, então eu não posso ter outra pessoa [Carlos Bolsonaro] trazendo essa queixa-crime para a polícia. Tem que ser o próprio ofendido ou o Ministério Público”, sentencia.
Lei inconstitucional
O presidente da Comissão de Estudos em Direito Penal da OAB-CE, Matheus Braga, afirma entender a Lei Nº 7.170 como “inconstitucional”, considerando que a mesma possui “anseios antidemocráticos e até totalitários”.
De acordo com Braga, para além da Lei de Segurança Nacional, existe o direito à crítica, inserido no direito à liberdade de expressão que cada cidadão - seja figura pública ou não - possui.
“O discurso dele [Felipe Neto] tem escopo de crítica política, que qualquer ocupante de um cargo público está à mercê de sofrer”.
Abuso de autoridade
Para o advogado, há neste caso específico uma “nítida atipicidade da conduta”, pois não há qualquer indício que aponte para a prática de um crime. A condução da investigação pela Polícia Civil já apontaria para uma irregularidade.
Por isso, caso queira, indica o advogado, o digital influencer pode mover uma ação judicial contra o delegado por abuso de autoridade. “O ideal seria o Felipe Neto representar o delegado ao Ministério Público para que fosse apurada uma eventual prática de crime previsto na Lei de Abuso de Autoridade. O Ministério Público seria o órgão competente para investigar isso”.
Conforme o Art. 27 da Lei Nº 13.869, sancionada por Bolsonaro em setembro de 2019, é vetado “requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa”.
Arsênia Breckenfeld opina que a celeridade da investigação pela Polícia Civil, bem como a apresentação da queixa pelo filho do presidente “é mais um recado que se dá, não só para o Felipe Neto, como para toda a sociedade” do que deve ser ou não dito. E uma forma de “uso das instituições públicas para constranger o exercício do Direito Constitucional".