Destruir, inutilizar ou deteriorar um patrimônio cultural pode resultar em pena de um a três anos de reclusão e multa, variáveis de acordo com o tipo de dano praticado.
A Lei Nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, no entanto, especifica que tal pena é prevista somente para casos em que o bem cultural é legalmente protegido, seja por meio de ato administrativo ou decisão judicial, como tombamento, inventário, registro, entre outros instrumentos protetivos.
Além de responder criminalmente, responsáveis por atos como estes ainda podem responder civilmente na Justiça, endossa o professor de Direitos Culturais da Universidade de Fortaleza, Humberto Cunha.
"A pessoa pode responder tanto criminalmente quanto civilmente por danos que cause ao patrimônio público em geral, inclusive às obras de arte. Especificamente, no que concerne à criação artística porque é um direito moral do autor a integridade da sua obra".
Removida a marretadas há quase três meses do prédio do Banco do Brasil, no Centro de Fortaleza, a escultura “Mulher Rendeira” não conta com nenhum tipo de proteção cultural diferenciada.
Direito autoral
Ainda assim, a família do artista pernambucano Corbiniano Lins - autor da obra, morto em 2018 - pode ingressar na Justiça com uma ação de indenização por danos morais, entende a vice-presidente da Comissão de Direitos Culturais da OAB Ceará, Cecília Nunes Rabelo.
"A família pode se sentir ofendida tanto no fato da obra ter sido destruída quanto da própria imagem do autor que pode ter sido afetada pela destruição da obra. E pode pleitear algum tipo de indenização ou ação por causa do direito moral do autor pela integridade de sua obra", diz, lembrando que a obra intelectual, no caso a escultura, é protegida contra qualquer tipo de dano ou prejuízo pela Lei 9.610, de 1998.
Conforme a legislação, os direitos patrimoniais do autor perduram por 70 anos, contados de 1° de janeiro do ano subseqüente ao de seu falecimento. Após esse período, o bem cai em domínio público, podendo ser utilizado sem autorização, mas dado o devido crédito ao autor.
Portanto, segundo Rabelo, o direito autoral continua a existir, mesmo com a morte de Corbiniano Lins. E ainda que o bem tenha sido adquirido pela instituição financeira, constituída na forma de sociedade de economia mista. "O fato do banco ter comprado a obra intelectual [a escultura] não faz com que ele tenha o direito de destruí-la".
Obra única
Até o momento, o Banco do Brasil e a Artflex Engenharia, contratada para fazer a reforma, não responderam judicialmente pela retirada e demolição da "Mulher Rendeira" do jardim da agência onde estava instalada desde 1966. Mas se comprometeram a arcar com os custos da restauração. O banco estima, inclusive, que a escultura retorne ao seu lugar original em dezembro de 2020.
Embora não enquadrada oficialmente como um patrimônio cultural, a obra de Corbiniano Lins é uma peça única, atrelada à memória coletiva, presente no cotidiano de grupos formadores da sociedade por mais de 50 anos.
"Quando as obras artísticas, científicas, literárias são multiplicadas em grande escala, se destruir um exemplar não tem problema. O grande problema é quando a obra é unica. Existe, inclusive, o direito de o autor exigir de quem detém o exemplar único, fazer uma fotografia, uma filmagem para si para manter a sua memória", afirma o professor Humberto Cunha.