Desde o início da pandemia, há um ano, pelo menos 72.264 pessoas morreram por Covid sem acesso a um leito de UTI mesmo tendo sido internadas –mais de 1/4 dos quase 280 mil mortos deixados pela doença no país até agora.
O número, reflexo do colapso do sistema hospitalar em diversas regiões do país, representa um óbito para cada três pessoas hospitalizadas. É presumível que parte deles pudesse ter sido evitada com o tratamento intensivo.
Os dados são do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-Gripe) e fazem parte de um levantamento da Fiocruz realizado a pedido da Folha.
Como em 22.712 (10%) dos casos hospitalizados não há informação de que pessoa teve acesso a UTI, o número de sem-leito pode ser ainda maior. Em 124.064 (57%) casos, a morte ocorreu em UTI.
Especialistas afirmam que as mortes fora de UTI acontecem principalmente por falta de acesso da população, seja falta de vaga ou dificuldade de chegar até um leito.
O pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde da Fiocruz e responsável pelo levantamento, Diego Xavier, diz que impacta na estatística a condição em que o paciente chega ao hospital.
O volume de óbitos fora da UTI nos municípios do interior é mais expressivo do que nas regiões metropolitanas. Um dos motivos seria as longas distâncias a percorrer em busca de atendimento."Dependendo do quadro, pode evoluir rapidamente para óbito sem tempo hábil para entrada em leito especializado."
Os estados com maior percentual de mortes fora de leitos de UTI são Sergipe, Roraima e Amazonas. Os governos estaduais dos dois últimos, assim como Diego Xavier, também atribuem essas mortes à gravidade com que os pacientes chegam às unidades.
Fátima Marinho, médica epidemiologista e especialista sênior da Vital Strategies, acrescenta que o número total de mortos fora de UTIs é ainda maior porque muitos óbitos ocorrem sem que a pessoa tenha sido hospitalizada.
Para a especialista, muitas dessas mortes poderiam ser evitadas caso o sistema de saúde estivesse preparado para oferecer assistência adequada e no tempo certo.
No auge da pandemia contra o novo coronavírus, 19 estados e o Distrito Federal estão com a taxa de ocupação de 80% ou mais de leitos de UTI. A situação é ainda mais grave nas capitais, com 24 delas já nesse percentual de lotação.
A falta de vagas no sistema público de saúde tem provocado filas a espera por UTI. Levantamento da Folha junto às secretarias de saúde mostra que há ao menos 1.538 pessoas nessa condição em 13 unidades da federação. Santa Catarina (419), Goiás (291) e Distrito Federal (224) lideravam a lista até o dia 11.