Estudo revela que primeira escrita do alfabeto foi um ‘feitiço’ contra piolho

Feita na língua cananeia cerca de 1,7 mil a.C. a frase apresenta uma inusitada receita contra piolhos de barba e cabelo

A primeira escrita em um alfabeto foi descoberta em um antigo pente de marfim. Feita na língua cananeia, cerca de 1,7 mil a.C., a frase apresenta uma inusitada receita para um “feitiço” contra piolhos de barba e cabelo

Detalhado em estudo publicado em 20 de outubro no periódico Jerusalem Journal of Archaeology (em inglês), o achado foi encontrado durante escavações em 2017 feita por arqueólogos da Universidade Hebraica de Jerusalém (HU) e da Universidade Adventista do Sul dos Estados Unidos. O pente foi encontrado na região de Israel, em Tel Lachish. 

Apesar de terem sido achadas em 2017, as letras só foram notadas neste ano. Pesquisas apontaram que o marfim do pente veio de uma presa de elefante. Por se tratar de um material muito caro, é provável que o item tenha sido importado do Egito, já que não havia elefantes em Canaã no período.

Como era o pente

Mesmo que ainda possua bases bem visíveis, o pente de cerca de 3,5 por 2,5 cm tinha dentes quebrados e sua central estava um pouco erodida, sugerindo a pressão dos dedos que o seguraram ao cuidar do cabelo para remover piolhos.  

O objeto "para controlar os piolhos" tinha dois lados: um com seis dentes grossos que servia para desembaraçar nós no cabelo e outro com 14 cerdas finas, utilizado para retirar os parasitas e seus ovos.  

Há 17 letras cananeias no pente que formam sete palavras e a frase: "Que esta presa arranque os piolhos do cabelo e da barba”. Segundo confirma Yosef Garfinkel, um dos autores do estudo, essa é a primeira frase encontrada nas línguas cananeias em Israel.  

O alfabeto só foi inventado por volta de 1,8 mil a.C., usado primeiro pelos cananeus e mais tarde pela maioria das outras línguas do mundo. Até então, somente com duas ou três palavras dispersas desse povo haviam sido encontradas em Israel.  

"Há cananeus em Ugarit, na Síria, mas eles escrevem em uma escrita diferente, não no alfabeto que é usado até hoje”, explica Garfinkel, em comunicado. “As cidades cananeias são mencionadas em documentos egípcios, nas Cartas de Amarna que foram escritas em acadiano e na Bíblia hebraica.” 

Para o especialista, a escrita no pente é um marco na história da capacidade humana de escrever, além de ser uma evidência direta do uso do alfabeto nas atividades diárias há cerca de 3,7 mil anos. 

Ao analisarem o objeto no microscópio, os peritos tiraram fotos de ambos os lados do pente e detectaram restos de piolhos de 0,5 mm a 0,6 mm. Não havia parasitas preservados inteiros, devido às condições climáticas locais de Tel Lachish. 

Apesar disso, a inscrição tem aspectos únicos que preenchem lacunas sobre a cultura de Canaã na Idade do Bronze, revelando também a habilidade do gravador do pente em executar com sucesso letras tão minúsculas, de 1 mm a 3 mm de largura.