O estado da Bahia registrou, entre agosto de 2020 e fevereiro deste ano, 40 casos da doença de haff, enfermidade causada pelo consumo de peixe ou mariscos contaminados por toxinas. A doença tem como principais sintomas a ocorrência súbita de extrema rigidez muscular, dor nos músculos, falta de ar, dormência e perda de força no corpo.
Os pacientes acometidos pela doença também costumam ficar com a urina escurecida, com cor de café. Em casos mais graves e associados a comorbidades, pode haver risco de morte. Este é o segundo surto da doença registrado na Bahia nos últimos anos. Entre o final de 2016 e o início de 2017, foi registrado um primeiro surto com 71 casos registrados da doença e duas mortes. A maioria dos casos foi registrada em Salvador e no litoral norte baiano.
"É uma doença sazonal, que surge de tempos em tempos. Por isso, é importante manter um sistema de vigilância alerta para monitorar os casos", afirma Eleuzina Falcão, coordenadora de vigilância e controle de agravos da Secretaria de Saúde da Bahia.
A doença não tem tratamento específico. A orientação é que a pessoa que tiver os sintomas busque uma unidade de saúde para que seu caso seja monitorado pela equipe médica. De acordo com investigação epidemiológica da Secretaria de Saúde da Bahia, 95% dos novos casos da doença registrados no estado estão associados ao consumo do peixe da espécie "olho de boi", de água salgada e encontrado na maior parte da costa brasileira.
Foi este o peixe que a engenheira e professora aposentada Rosângela França Seixas, 57, consumiu em um fim de semana no início de novembro. Ela havia comprado o pescado em uma peixaria em Salvador, mas o cozinhou e consumiu em uma casa de praia em Barra do Jacuípe, litoral norte de Salvador.
Começou a sentir os sintomas no mesmo dia, na hora do jantar. Na mesa, sentiu o braço fraquejar ao erguer uma jarra de suco. Aos poucos, além da fraqueza no baço, começou a sentir uma rigidez e dores no pescoço. Deitou na cama e horas depois já não sentia braços e pernas.
"Me senti muito estranha. Foi desesperador porque eu não tinha a mínima ideia do que era aquilo", lembra Rosângela, que naquele dia tomou um relaxante muscular e foi dormir. No dia seguinte, acordou melhor, mas ainda sentindo fraqueza no braço. Ao ir ao banheiro, viu que a urina estava escura.
O marido de Rosângela começou a sentir os mesmos sintomas e ambos foram a um hospital ao voltarem para Salvador. Ficaram dois dias internados, sob observação, recebendo hidratação. Após a realização de exames, receberam o diagnóstico de doença de haff.
A fraqueza nos braços ainda permaneceu alguns dias após a alta médica, fazendo com que Rosângela tivesse dificuldades em tarefas básicas do dia a dia, como cortar um pedaço de carne no prato. Os sintomas só desapareceram completamente depois de duas semanas. Desde então, ela deixou de consumir o peixe da espécie olho de boi.
Em nota técnica, a Secretaria de Saúde da Bahia orienta à população a evitar o consumo desse tipo específico de pescado. Não há orientação para suspender o consumo de outros tipos de peixes ou mariscos. A doença não é contagiosa de pessoa para pessoa. Mas, em geral, os casos são registrados em pessoas que consumiram o mesmo pescado. Os sintomas aparecem nas primeiras 24 horas após o consumo do alimento contaminado.
"Normalmente aparecem quatro, cinco casos de pessoas da mesma família com sintomas semelhantes. Em 90% das ocorrências a origem do pescado consumido é comum", diz Eleuzina Falcão. Dos 40 casos da doença de haff registrados na Bahia nos últimos seis meses, nenhum evoluiu para um quadro grave e não há registro de nenhuma morte associada à enfermidade. O pico de contaminações aconteceu no mês de novembro, com 32 casos.
A Secretaria de Saúde ainda investiga qual tipo de toxina é responsável pela doença. De acordo com Francisco Kelmo, professor do Instituto de Biologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia), a principal hipótese é que a doença de haff seja causada por uma toxina presente na cadeia alimentar do peixe. Essa toxina permaneceria ativa mesmo com as altas temperaturas do cozimento do peixe.
"Temos que descobrir qual alimento que esse peixe está obtendo que é fonte desta toxina. Você tendo a fonte, é possível extrair a toxina, caracterizá-la por meio de uma análise química e buscar um antídoto", afirma Kelmo. O Instituto de Biologia da UFBA tem um projeto pronto para iniciar pesquisas sobre a doença de haff, mas ainda não conseguiu verba para o aluguel das embarcações para capturar o pescado que será analisado.