Projeto de artesanato na prisão une internos a famílias e gera renda acima de R$ 1 mil no Ceará

805 internos do sistema prisional cearense que trabalham com artesanato receberam nessa quinta-feira (29) uma identidade artesanal que os permite exercer a atividade ter benefícios fiscais

Quadros, redes de pesca, roupas, telas e até brinquedos feitos a partir da técnica japonesa de crochê "Amigurumi" têm ocupado os pátios de unidades prisionais no Ceará a partir do projeto Rede Artesã, que já atingiu a marca de 1.200 internos produtores de artesanato. A iniciativa une as pessoas privadas de liberdade às suas famílias e gera rendas acima de R$ 1 mil, e nesta quinta-feira (29) foi coroada pela entrega de 805 identidades artesanais a 13 penitenciárias, número recorde. 

O momento foi marcado por cerimônia realizada na Unidade Prisional Francisco Hélio Viana de Araújo (UP-Pacatuba), da Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP). O equipamento localizado na Grande Fortaleza tem cerca de 400 internos participantes do Rede Artesã, e, na ocasião, 98 deles receberam a identidade. 

O documento de identificação artesã é emitido pela Central de Artesanato do Ceará (CeArt) e dá aos presos a certificação para exercer a atividade e os beneficia com emissão de nota fiscal isenta de impostos e os permite empreender por canais próprios, além de desbloquear a possibilidade de novas capacitações. Os internos também poderão participar de feiras de artesanato do Estado. 

Germana Pinheiro, coordenadora de Artesanato do Ceará, destaca que "se encantou" com as produções que encontrou na UP Pacatuba e falou sobre a importâncias dessa atividade para as pessoas em privação de liberdade. "Significa que eles passaram por um teste de habilidade. Fiquei encantada com os afetos que encontrei. É uma política pública que faz eles se tornarem possíveis fornecedores". 

Junto às policiais Raissa e Pâmela, o policial penal Alexandre Pirajá, atua como supervisor da Coordenadoria de Inclusão Social do Preso e do Egresso (Coisp). Ele é um dos que fiscaliza e incentiva as atividades dos internos na iniciativa. Ele define que a cerimônia desta quinta "coroou" o sucesso do programa e o vínculo entre famílias e presos. 

"A gente fortalece o vínculo familiar, que é muito importante, porque a gente percebe, ou melhor, é uma realidade, que quando ocorre a prisão, as famílias se afastam. E o que ocorre? Esse projeto acaba fazendo com que não ocorra esse afastamento, esse distanciamento. E, além disso, acaba gerando renda e gerando empreendedorismo", explica. 

Instrumento de mudança de vida 

O interno Amsterdam Batista Albano Amora, de 52 anos, foi um dos que receberam a identidade artesanal, pois já está há mais de um ano fazendo crochês. Ele relata que a depender de sua produção, consegue tirar cerca de R$ 1 mil por mês para ajudar sua família, e fala sobre o benefício de remissão de pena.

Outros benefícios citados pelo interno são o contato com a arte do crochê e a possibilidade se manter ocupado durante o pagamento de sua pena: "Você se esforça e procura fazer seu trabalho com o coração". 

"É bastante importante, né? É aquela coisa, é uma cereja que vem no bolo. Estou remindo minha pena, não estou preso na cela e passo o dia, vamos dizer assim, com a maior liberdade, com a minha mente ocupada, e estou gerando uma renda para a família ficar feliz, né? Então, o projeto é uma bênção para todos nós", aponta. 

Raimundo Nonato também participa do grupo de artesãos da UP Pacatuba e agradece as portas que o projeto tem aberto. Ele é focado na produção de redes de pesca, o que pode render entre R$ 300 e R$ 400 para sua família. 

"Esse momento de reconhecimento é muito importante para mim e eu estou muito grato", assinala. 

Francisco Lucas Barbosa da Silva escolheu outra frente para atuar, e fabrica telas, pinturas e letreiros baseados em técnicas do realismo. Ele conta que aprendeu tudo dentro da prisão, e atualmente é um dos monitores do projeto, repassando conhecimento a outros internos: "Esse é o intuito. Da mesma forma que a gente recebe, tem que passar adiante e eu consigo ajudar minha família". 

Rede Artesã 

O Rede Artesã é um dos três projetos de artesanato existentes no sistema prisional cearense, e é uma das formas de remissão de pena para internos, por meio da produção de artigos, principalmente com crochê. No programa, três dias de trabalho equivalem a um dia retirado da pena.  

Quem fornece a matéria-prima para eles produzirem é a própria família, que também atua na comercialização. Alguns dos materiais utilizados são linhas, fios de malha, agulhas e botões. Os internos que desejam participar passam por uma seleção feita pela unidade prisional, levando em conta interesse, habilidade, técnicas e condição de família. 

De acordo com a SAP, desde o começo do projeto já foram emitidas mais de 1.200 identidades artesanais em todo o sistema, incluindo penitenciárias da Região Metropolitana de Fortaleza, Sobral e Centro-Sul do estado. 

A proposta é desenvolvida pela Coisp e também conta com parceria da Secretaria de Proteção Social (SPS) que estava representada no evento pelo secretário-executivo Paulo Guedes. 

"Quem sabe vocês [internos] também não poderão um dia voltar aqui pra ajudar outros que estão nessa mesma trajetória de vocês, querendo romper com esse sistema e se tornar aquilo que vocês sempre desejaram e as famílias de vocês desejaram, um cidadão pleno. O artesanato que vocês estão fazendo hoje aqui é de qualidade", ressalta Guedes. 

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