Oficiais da Reserva da PMCE moram em residências do Judiciário mesmo tendo imóveis no Cariri

Acordo foi firmado entre o Tribunal de Justiça do Ceará e a Prefeitura de Juazeiro do Norte, mas expirou no fim do ano passado

Oficiais da Reserva Remunerada da Polícia Militar do Ceará (PMCE) moram em residências funcionais da Justiça Estadual do Ceará localizadas em Juazeiro do Norte há mais de 5 anos, mesmo possuindo imóveis na Região do Cariri. Entre eles há um vice-prefeito cearense.

A reportagem apurou, com fontes da Secretaria da Segurança Pública, que seis oficiais ocupam as residências do Condomínio Judicial da Comarca de Juazeiro do Norte (conhecido como Condomínio dos Juízes), situado na Rua Clemente de Araújo Borges, no bairro Planalto.

Entre os policiais militares que utilizam as casas estão dois oficiais que já foram transferidos para a Reserva Remunerada e que possuem imóveis na Região do Cariri, os coronéis Herbério Cícero Cruz Tavares e Paulo Hermann Fernandes Macedo. Enquanto isso, colegas de farda, que moravam em outras localidades e foram realocados para a área, estariam precisando de moradia.

Procurado para explicar o uso das residências pelos policiais da Reserva, o Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) respondeu que, em 2016 (há 6 anos), "firmou termo de cessão de uso, junto ao Município de Juazeiro do Norte, para que as referidas casas servissem de apoio à Polícia Militar do Ceará". "A gestão de uso e conservação é de responsabilidade do cessionário", completou, sem dar mais detalhes sobre o contrato - feito com outra gestão municipal, substituída em 2020.

A Polícia Militar do Ceará, por sua vez, informou "que não tem convênio ou termo de cessão com o Tribunal de Justiça do Estado do Ceará que viabilize o uso dos referidos imóveis". Segundo a Corporação, as residências foram cedidas diretamente aos policiais militares beneficiados, a partir do convênio entre o TJCE e Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte.

5
anos seria o tempo de validade do contrato, firmado entre o Tribunal e a Prefeitura, conforme apurado pela reportagem. O acordo terminou nos últimos meses de 2021, quando os oficiais ingressaram com o pedido de prorrogação junto ao Órgão Municipal. Porém, os militares ainda não receberam retorno.

Questionada sobre o convênio com o TJCE e com os policiais militares, a atual gestão da Prefeitura de Juazeiro do Norte informou, por nota, que "irá se inteirar do ocorrido, e cobrará esclarecimento quanto aos fatos apresentados junto aos responsáveis pela fiscalização, e acompanhamento, dos termos de cessão das casas para a Policia Militar".

"Caso seja identificada alguma irregularidade, a Prefeitura de Juazeiro do Norte tomará todas as medidas cabíveis dentro do ordenado jurídico", concluiu a Prefeitura.

A PMCE também dispõe de residências próprias para os policiais, as quais têm normas de uso e ocupação definidas por uma portaria do Comando Geral de 2013. Conforme a publicação, PMs da Ativa e da Reserva podem se utilizar das casas, contanto que não sejam proprietários de outros imóveis no mesmo município. Mas, de acordo com a Polícia Militar, a portaria não se aplica à situação de Juazeiro do Norte, já que as residências pertencem ao Poder Judiciário.

PMs têm imóveis na Região

O coronel Paulo Hermann é vice-prefeito de Campos Sales (que fica na Região do Cariri), eleito em 2020. Naquele pleito, ele declarou mais de R$ 307 mil em bens, que incluem 11 casas, nos municípios de Campos Sales, Crato e Milagres, segundo dados do site de Divulgação de Candidaturas e Contas Eleitorais, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Um imóvel localizado no Crato foi declarado no valor de R$ 130 mil e outro, em Milagres, por R$ 20 mil; as outras 9 residências - todas em Campos Sales - foram declaradas com valores de R$ 1 mil a R$ 7 mil, que totalizam R$ 34,4 mil. 

Procurado pela reportagem, o coronel Hermann confirmou que o contrato foi firmado junto ao Tribunal de Justiça do Ceará e à Prefeitura Municipal de Juazeiro do Norte - sem a participação da Polícia Militar do Ceará - e que mora no Condomínio de Juízes, além de garantir que "foi feito tudo dentro da legalidade".

"Há 5 anos esse condomínio estava abandonado, onde já haviam furtados banheiros, portas. Estava tudo destruído, tinha só um matagal. Contratamos um mestre de obras e foram feitas todas as reformas necessárias, sendo todos os gastos individuais das seis residências ali existente, além de organizarmos contas de água e energia", relata.

Gastamos muito dinheiro para reformar as casas. Mas se o Tribunal pedir de volta, nós devolvemos na mesma hora. Não tem nada de ilegal nisso, está tudo no contrato."
Paulo Hermann Fernandes Macedo
Coronel da Polícia Militar do Ceará

Já o coronel Herbério Cícero, que também mora no Condomínio de Juízes, é proprietário de ao menos um imóvel em Juazeiro do Norte. "Não existe cláusula, no contrato, que dizia que tinha que ser (policial) da Ativa e que era impedimento ter outra residência", alega.

Essas casas eram utilizadas por criminosos, traficantes de droga, já tinham sido arrombadas, até o portão havia sido levado. A Justiça acreditou que seria de bom grado ceder o uso, e os oficiais assumiram a responsabilidade de fazer uma reforma para morar. Foi feito um contrato. Como não podia ser feito individualmente, porque o Tribunal é um ente público, tinha que ser feito com um ente público também. O prefeito da época aceitou, e o fim era único e exclusivamente para os oficiais da Polícia Militar."
Herbério Cícero Cruz Tavares
Coronel da Polícia Militar do Ceará

O oficial lembra que gastou ao menos R$ 20 mil para reformar a residência, para poder morar lá, fora os gastos de manutenção e uso de serviços, durante os 5 anos. "No momento em que o Tribunal precisar da casa, nós entregamos. Então não estamos ilegais", corrobora.

Casas da Justiça Estadual

O Tribunal de Justiça do Ceará dispõe de mais de 50 residências funcionais pelo Estado, que foram construídas para hospedar magistrados. Entretanto, há alguns anos esses imóveis não são habitados pelos juízes.

Questionado sobre a situação das residências, o TJCE respondeu apenas que "tem adotado política de desfazimento das casas oficiais que possuem documentação regular (venda por leilão), e as outras estão cedidas para outros órgãos".