Demitido da Polícia Militar do Ceará (PMCE) há mais de 10 anos, José Raphael Olegário França foi reintegrado à Corporação, por decisão da Justiça Estadual. O policial militar foi acusado pelo Ministério Público do Ceará (MPCE) de matar dois jovens em uma ação policial, em uma festa de Pré-Carnaval, em Fortaleza, em 2013, mas acabou absolvido dos crimes de homicídios, pelo júri popular, em 2017.
A Auditoria Militar do Ceará acatou o pedido de reintegração de José Raphael e anulou a decisão da Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública e Sistema Penitenciário (CGD) de demitir o militar.
Na decisão proferida no último dia 19 de dezembro, o juiz Roberto Soares Bulcão Coutinho considerou que "a falta disciplinar residual exige algo conexo ao ilícito penal" e que "a demissão decorreu da análise da conduta do autor de disparar para o alto em via pública, e não somente do resultado lesivo direto causado pela suposta prática do ilícito penal".
Com isso, considero inexistente o residual apurado, uma vez que a conduta do autor restou plenamente justificada. Dessa forma, a decisão penal absolutória, no caso dos autos, repercute na decisão administrativa, pois foi afastada a sua responsabilidade. No caso em questão, a administração não cumpriu o ordenamento legal ao demitir o autor sem levar em conta as circunstâncias individuais do fato."
A Justiça condenou o Estado ainda ao "pagamento da remuneração (salário) correspondente ao período do afastamento, contando da exclusão da folha até o efetivo retorno, descontando eventuais reintegrações, com a devida correção pelo índice de atualização monetária vigente à época de cada período de incidência". Em caso de descumprimento da reintegração imediata, o Estado terá que pagar multa diária de R$ 1 mil, limitada a 60 dias.
O advogado Delano Cruz, que representa a defesa de José Raphael Olegário França, afirmou que recebe a decisão da Auditoria Militar do Ceará "com naturalidade e senso de dever cumprido" e lamentou a decisão da CGD, em dezembro de 2013, que se antecipou ao Poder Judiciário.
Em casos como o do Soldado Olegário, onde o fato administrativo é o mesmo do criminal a ser apurado, sem resquícios de máculas administrativas disciplinares, o ideal era se aguardar a decisão final do processo criminal, para só aí, adotar a medida extrema da demissão. Nesse diapasão, restou prejudicado um militar exemplar, pai de família e cidadão estudioso, com mestrado na área da engenharia, que carregou a pecha de militar demitido na sua vida pessoal e profissional, dificultando sua vida no seio da sociedade por quase 10 anos."
Já Sandra Sales, mãe de Ingrid Mayara Oliveira Lima, uma das jovens mortas na ação policial, recebeu com "indignação" a decisão judicial: "Não me admiro em a Justiça ter tomado essa decisão. Nós sabemos que a Justiça, nesse Brasil, não existe. É revoltante, e a gente sabe que isso não vai parar por aqui. O assassino da minha filha deveria estar preso. E a minha filha recebendo recurso, porque ela deixou uma filha de 1 ano e 8 meses. Só quem sofre e quem perde é a família (da vítima)."
Outro ex-PM também foi absolvido
O júri popular formado na 2ª Vara do Júri de Fortaleza também absolveu Raimundo Vieira da Costa, além de José Raphael Olegário França, pelos homicídios contra Ingrid Mayara Oliveira Lima, de 18 anos, e Igor de Andrade Lima, 16, e por duas tentativas de homicídio, no dia 15 de novembro de 2017.
As defesas dos réus se basearam em laudos periciais controversos e em depoimentos de testemunhas que afirmaram que outras pessoas portavam armas de fogo naquela festa e, assim, não foi possível precisar de qual arma partiram os tiros que fizeram as vítimas.
Ao contrário de Raphael Olegário, o ex-policial militar Raimundo Vieira ainda não conseguiu a reintegração aos quadros da Polícia Militar. Após ser absolvido, ele solicitou o retorno à função na Primeira e na Segunda Instância da Justiça, mas teve os pedidos negados.
Jovens foram mortos em Pré-Carnaval
Dezenas de jovens curtiam o Pré-Carnaval de Fortaleza na Praça Manuel Dias Macedo, no bairro Ellery, na noite de 26 de janeiro de 2013, com paredões de som, quando policiais militares do Batalhão de Policiamento Comunitário (BPCom-Ronda do Quarteirão) foram acionados para o local, para atender uma ocorrência de perturbação do sossego alheio.
Conforme as investigações policiais, alguns populares arremessaram objetos contra os militares. Um jovem chegou a ser preso, o que deixou a população ainda mais revoltada. Segundo a denúncia do Ministério Público, o ex-PM Raimundo Vieira pediu para outro policial se afastar porque ele ia atirar contra a multidão.
Tiros foram disparados e atingiram os quatro jovens. Conforme o laudo da Pefoce, Ingrid Mayara foi alvejada no tórax e próximo ao pescoço e Igor Lima, na cabeça. As duas vítimas chegaram a ser socorridas ao Instituto Doutor José Frota (IJF), mas morreram. Os outros dois adolescentes sobreviveram.
Para a promotora de Justiça Alice Aragão, o ato de atirar "foi um desequilíbrio dos policiais para resolver a situação". A CGD demitiu o então cabo Raimundo Vieira e o soldado Raphael Olegário dos quadros da Polícia Militar do Ceará, no dia 2 de dezembro de 2013, cerca de dez meses após o duplo homicídio no bairro Ellery.