O Ministério Público do Estado acolheu, em parte, o relatório policial que investigou a atuação dos militares envolvidos na operação que levou às 14 mortes no município de Milagres na madrugada de 7 de dezembro de 2018. A denúncia, aceita ontem pelo juiz Judson Pereira Spíndola Júnior, da Vara Única da Comarca de Milagres, reconhece que todos foram mortos pelos policiais militares, mas distingue as justificativas: oito suspeitos de assalto teriam sido mortos em "legítima defesa", outros dois foram executados e cinco dos seis reféns (familiares de Pernambuco) teriam sido assassinados em circunstância de dolo eventual, quando não é a intenção direta, mas se assumiu o risco.
Os policiais José Azevedo Costa Neto, Edson Nascimento do Carmo e Paulo Roberto Silva dos Anjos são denunciados diretamente pelas mortes dos reféns Cícero e Gustavo Tenório, Claudineide Campos (pai, filho e mãe, respectivamente) e João Batista e Vinícius Magalhães (pai e filho).
"As imagens da câmera instalada em um estabelecimento comercial na rua José Esmeraldo comprovam que, apesar da condição indefesa dos reféns, os denunciados seguiram atirando contra os mesmos até a calçada da Farmácia Santa Cecília, quando estavam a menos de 10 metros do injustificável alvo", diz o Ministério Público.
Conforme revelado com exclusividade pelo Diário do Nordeste em março deste ano, todos os reféns foram mortos pela PM com tiros de fuzil. Também confirmamos, ainda em dezembro, que policiais agiram na intenção de apagar imagens de câmeras.
Morte da cearense
Nenhum policial, no entanto, foi denunciado pelo MPCE pela morte da cearense Francisca Edneide. Embora a Perícia tenha constatado que o tiro partiu dos policiais do Grupo de Ações Táticas Especiais (Gate), o entendimento é de que houve troca de tiros com os ocupantes do veículo em que estavam a cearense Francisca Edneide e a mãe, Maria Lurilda, esta sobrevivente.
Foram denunciadas, no total, 20 pessoas, sendo 15 militares por homicídio qualificado e quatro militares e um civil por fraude processual, pois houve alteração na cena do crime. Entre os denunciados por fraude estão o tenente-coronel Cícero Henrique (ex-comandante do BPChoque), o vice-prefeito de Milagres, Abraão Sampaio e o tenente Georges Aubert, secretário de Segurança daquele município. De acordo com a Polícia Civil, o tenente coronel Cícero Henrique, que estava na saída da cidade dando suporte à operação, surgiu na cena dos crimes minutos após o cessar fogo e liderou a retirada dos corpos e projéteis, bem como a destruição de imagens das câmeras do supermercado Burungandas.
Imagens recuperadas
O laudo pericial que recuperou as imagens apagadas atestou que o disco que continha o registro foi formatado duas vezes entre 6h52 e 7h52 da sexta-feira, 7 de dezembro. As imagens foram apagadas pelos militares Joaquim Tavares de Medeiros e Antônio Natanael Vasconcelos Braga, ambos do Gate. O vice-prefeito de Milagres, Abraão Sampaio, também está entre os denunciados por fraude processual, pois houve alteração na cena do crime, ao retirar os corpos dos reféns na caçamba de seu veículo Amarok, conforme a nossa investigação jornalística revelou ainda em dezembro de 2018.
"As vítimas levadas ao hospital na caçamba do veículo do denunciado já estavam todas mortas, inclusive foram levadas direto para o necrotério, já que apresentavam lesões incompatíveis com a vida, pois provocadas na cabeça", relatam os promotores de Justiça, com base no depoimento do médico plantonista Francisco Erlon Furtado.
O Ministério Público do Estado ainda denunciou por homicídios dolosos diretos dos assaltantes Lucas Torquato Loiola Reis e Rivaldo Azevedo dos Santos. Ambos foram executados por policiais do Cotar em duas diferentes circunstâncias. A execução do suspeito Lucas Torquato, revelada em dezembro pela nossa reportagem, ocorreu na comunidade de Campo Agrícola, quando a vítima já estava rendida e presa na casa de um morador. O seu comparsa, Rivaldo Azevedo, foi levado preso na viatura pelos policiais. Estão enquadrados por homicídio qualificado de ambos os assaltantes os policiais Leandro Vidal dos Santos, Alex Rodrigues Rezende, Daciel Simplício Ribeiro e Fabrício de Lima Silva, integrantes do Policiamento Ostensivo Geral (POG) de Milagres, e os PMs José Marcelo de Oliveira, José Anderson Silva Lima, João Paulo Soares de Araujo, Sérgio Saraiva Almeida, Sandro Ferreira, Diego Oliveira, Alienai Carneiro dos Santos e José Maria de Brito, todos integrantes do Comando Tático Rural (Cotar).
Executado após prisão
De acordo com imagens do circuito interno da delegacia de Milagres, após preso, Rivaldo foi levado ao destacamento, mas apenas PMs teriam entrado no lugar para pegar uma arma. Rivaldo teria indicado o local que serviu de base para a quadrilha na zona rural do município de Barro e, após passar a informação, executado pelos PMs.
"Houve clara execução. O Rivaldo quem levou os policiais até o imóvel. Eles não iriam descobrir nunca onde tinha sido a base da quadrilha", disse um dos investigadores à nossa reportagem.
O MPCE interpretou como "legítima defesa" a ação que levou às mortes dos outros oito suspeitos de ataques a bancos. Embora a desastrosa operação que frustraria o roubo tenha envolvido diretamente 12 policiais do Gate, estes foram divididos em três equipes na madrugada.
A equipe liderada pelo então comandante do Gate major Antônio Cavalcante aproximou-se pela rua Padre Misael Gomes, enquanto a equipe comandada pelo tenente Medeiros aproximou-se pela Avenida Getúlio Vargas; e a equipe comandada pelo capitão Azevedo avançou pela rua José Esmeraldo da Silva. Os confrontos comandados pelas equipes de major Cavalcante e tenente Medeiros foram classificados como legitima defesa, enquanto a equipe do capitão Azevedo executou os reféns.