Uma investigação da Polícia Civil do Ceará (PC-CE) sobre a atuação de um chefe de uma facção cearense, preso no mês passado, apontou que organizações criminosas controlam e disputam conjuntos habitacionais na periferia de Fortaleza. O domínio ocorre mesmo com a presença da Polícia em muitas dessas áreas, segundo um estudo sociológico do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Questionada sobre o domínio das facções nos conjuntos habitacionais, a Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS) informou que "além das investigações desenvolvidas pela PC-CE, a Polícia Militar do Ceará (PMCE) realiza o trabalho ostensivo com patrulhamento diário e atua com o Comando para Prevenção e Apoio às Comunidades (Copac), que mantém equipes de forma permanente para o monitoramento de pessoas que apresentem qualquer tipo de conduta prejudicial aos residentes de conjuntos habitacionais. O atendimento do Copac é realizado em parceria com outros órgãos e pastas, como a Secretaria das Cidades, para identificar e propor soluções às vulnerabilidades".
Um ponto crítico é o Grande Jangurussu, onde "há intenso conflito entre organizações criminosas antagonistas que disputam poder e dominação territorial para a comercialização de drogas", aponta um relatório da Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco).
A disputa se dá entre duas facções criminosas de origem cearense. "A dominação ocorre principalmente em condomínios do bairro, onde os líderes determinam como se dá a venda de entorpecentes, a prática de crimes pelos seus subordinados e até o modo de viver da população", relata a investigação.
O residente que, por algum motivo não consentir com o regime estabelecido pelo líder ou se envolver em algo que desagrade aquela organização criminosa, é expulso de sua casa com ameaças de morte em caso escolha permanecer na residência."
Conforme as investigações policiais, a Facção A (termo utilizado para não identificar a facção cearense mais antiga) domina o Residencial José Euclides Ferreira Gomes, o Residencial Luiz Gonzaga e o entorno da Avenida Aldemir Martins.
Já a Facção B (termo utilizado para não identificar a facção cearense mais nova) controla as ações criminosas no Conjunto Maria Tomásia, no Conjunto Sítio São João e na Comunidade Santa Filomena.
A SSPDS ressaltou, em nota, ser "imprescindível que qualquer tipo de crime seja comunicado às autoridades por meio do Disque Denúncia da SSPDS, pelo número 181, ou registrado em unidades policiais da PC-CE. Os crimes também podem ser registrados por meio de Boletim de Ocorrência (BO), na Delegacia Eletrônica (Deletron), no site https://www.delegaciaeletronica.ce.gov.br, em qualquer hora do dia ou da noite".
Veja no mapa:
O relatório da Draco descreve ainda que a Área Integrada de Segurança 3 (AIS 3) - onde fica o Jangurussu - tem um dos maiores números de homicídios de Fortaleza, nos últimos meses, o que é fruto principalmente da guerra entre as duas facções criminosas cearenses pelo controle dos conjuntos habitacionais.
34 pessoas foram assassinadas na AIS 3, nos quatro primeiros meses de 2023, segundo dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS). O número de homicídios é menor apenas que o registro da AIS 7 (bairros como Sapiranga, Cidade dos Funcionários e Aerolândia), que já teve 40 mortes violentas no ano corrente.
Prisão de chefe de uma facção
Pedro Henrique Lima Bezerra, conhecido como 'Mossoró' ou 'Flamengo', é apontado pela investigação da Draco como chefe da Facção A no Jangurussu, "sendo a pessoa responsável por dar o aval de todas as condutas criminosas ocorridas naqueles residenciais, e foi possível perceber o receio das pessoas em prestar quaisquer informações relacionadas ao conduzido".
'Flamengo' foi preso no dia 18 de abril último. Segundo a Polícia Civil, ele é suspeito de ameaçar, ordenar e autorizar ataques a moradores de conjuntos habitacionais, em Fortaleza. A investigação terminou com o indiciamento de Pedro Henrique por integrar organização criminosa, no último dia 27 de abril.
Procurada, a SSPDS confirmou a prisão de 'Flamengo'. "Conforme as investigações desenvolvidas pela Polícia Civil, Pedro Henrique era um dos chefes de um grupo criminoso com atuação na região e seria o responsável por autorizar o cometimento de crimes na área de conjuntos habitacionais do Jangurussu", ressaltou a Pasta.
A defesa do indiciado não foi localizada. Ao prestar depoimento na Draco, 'Flamengo' negou que integra organização criminosa, mas reconheceu que a Facção A domina o Residencial Luiz Gonzaga, onde ele morava. Ele alegou ainda que se sustentava da renda de um lava-jato que possui na região.
Condomínios populares têm presença policial
As facções criminosas controlam e disputam o domínio de condomínios populares, como o Residencial José Euclides Ferreira Gomes e o Residencial Luiz Gonzaga, mesmo com a presença frequente da Polícia no local.
Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV), o sociólogo Luiz Fábio Paiva lembra que a presença de grupos criminosos armados que tentam controlar territórios em Fortaleza data ainda da década de 1990. "Com a ascensão das facções, a gente observa que essa dinâmica de controles territoriais continuou e se intensificou", pontua.
"Agora, a gente também observa, em diferentes bairros e condomínios que eram parte de projetos sociais, expulsão de moradores, ocupação de imóveis abandonados, apropriação desses imóveis para uma gestão ilegal de alguel vinculados a eles. Há um maior número de atividades ilegais e um gerenciamento muito eficiente", afirma.
O professor participa de uma pesquisa qualitativa do LEV intitulada de "Efeitos sociais do crime no Ceará", que ouve moradores de áreas afetadas pelas facções criminosas em Fortaleza.
Esses grupos armados conseguem estar presentes inclusive aonde o Estado está presente. Muitas dessas áreas há presença de força policial. As forças policiais fazem operações, mas ainda assim há um controle que perdura, que alcança as famílias da periferia e causa um dano social que ainda é difícil a gente calcular, porque é um processo que dura uns sete anos, mas ainda está em curso na cidade."
Sobre as expulsões, Luiz Fábio Paiva questiona como o Estado "pede para uma pessoa voltar para o seu lugar de moradia, se objetivamente não tem como garantir a integralidade da saúde e do bem estar dessa pessoa?".
"É uma situação grave, porque esses grupos trabalham com ameaça. A presença deles (criminosos) não é explícita, não tem pessoas andando armadas. É um controle que funciona pelo segredo. Todo mundo sabe, mas ao mesmo tempo não se sabe. Tem sido realizadas prisões, mas eles encontram uma capacidade muito grande de renovar os quadros e continuar suas práticas", conclui.