Entenda como funcionava 'esquema' de venda ilegal de veículos oficiais do Governo do Ceará

Servidor terceirizado suspeito de participar do esquema contou à Polícia detalhes de como o grupo agia

A prisão de um servidor terceirizado que atuava na Secretaria do Planejamento e Gestão do Ceará (Seplag) levou a Polícia Civil a ter detalhes de como funcionava o esquema de venda ilegal de veículos oficiais do Governo do Ceará. Na versão de Antônio Vieira da Silva Neto, a ideia inicial era comercializar um veículo modelo D20, devolvido pela Secretaria da Fazenda (Sefaz) a Seplag, dias antes.

Antônio conta que estava endividado financeiramente e teve a ideia de repassar o automóvel quando recebeu no trabalho um processo acerca do carro. Vieira teria entrado em contato com João Paulo Pontes Vieira, funcionário terceirizado que atuava na mesma Pasta e, agora, também preso. Eles teriam acertado que iriam tentar vender o carro. 

"A Sefaz teria informado que o bem fazia parte do acervo da Seplag. Depois, a Seplag teria informado que devolveria o processo informando que a D20 não pertencia ao acervo deles, e sim da Sefaz". Com a situação, na qual "o veículo não pertenceria a nenhuma das pastas", a dupla pensou em vender o bem e depois destruir a documentação: "assim, tanto a Seplag quanto a Sefaz pensariam que a D20 estaria no acervo da outra", disse o suspeito em depoimento.

Foi quando Antônio buscou uma sucata para repassar o carro. Encontrou um interessado por meio da internet e repassou o contato de João Paulo. Ele conta que em nenhum momento teve contato com os empresários compradores, "que foi João Paulo quem fez toda a negociação".

O DIA DA VENDA

No último dia 20 de julho, os veículos desapareceram do pátio da Secretaria. Thiago Silva Nunes, empresário do ramo do gesso, e Denis Vinícius Rodrigues Xavier, proprietário de uma sucata, em Fortaleza, foram identificados pela investigação da Delegacia de Roubos e Furtos de Veículos e Cargas (DRFVC) como os compradores.

De acordo com o depoimento de Antônio, eles marcaram de ir ao Centro Administrativo, no Cambeba, ver a 20. "Tinham ciência que o negócio era ilícito", disse o servidor sobre a participação dos empresários no caso.

No local, se interessaram por outros veículos, como Hilux e Ranger. Os servidores conversaram entre si e o depoente teria dito estar com medo, que a venda dos outros carros poderia dar problema, "mas João insistiu".

A investigação apontou que duas Hilux foram vendidas por R$ 30 mil. A Polícia afirma ter constatado contradições na fala de Denis e o autuou em flagrante por receptação. Na versão do proprietário da sucata, foi Thiago que ordenou o desmanche. A ideia, segundo os investigadores, era cortar a numeração do chassi, motor e sinais identificadores dos veículos e, em seguida, devolvê-los ao comparsa.

Antônio teria recebido R$ 5 mil, pensando que só um veículo foi negociado. Segundo ele, soube que dois carros foram vendidos, quando João ligou para ele alertando-o que servidores da Secretaria da Cidades deram falta dos automóveis no pátio.

EMPRESÁRIOS DENUNCIADOS

Nesta sexta-feira (5), os dois empresários foram denunciados por receptação e por integrar organização criminosa. Conforme acusação do Ministério Público do Ceará (MPCE), Denis Vinicius e Thiago Silva devem ser citados para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 dias.

Consta na denúncia que no depoimento de Denis ele relatou todo o esquema criminoso "no qual evidenciou-se a existência de organização criminosa, com atuação de mais de quatro pessoas e divisão de tarefas". Já Thiago teria dito no interrogatório que "ofereceu os dois veículos a Denis, que tentou baixar o preço do negócio ilícito, mas que João Paulo disse que seu chefe não permitiria, pois o valor seria dividido para ambos".

PARTICIPAÇÕES

Os carros furtados e vendidos ilegalmente iam a leilão público. A promessa aos compradores é que documentos seriam repassados depois que cumprissem o prometido, para retirar os sinais identificadores.

Há informação que pelo menos outros três servidores terceirizados estariam envolvidos no esquema. Seriam eles que ficariam responsáveis por 'dar baixa' nas documentações das duas Hilux.

O gestor de patrimônio da Secretaria das Cidades do Estado do Ceará prestou declarações sobre o sumiço das duas Hilux. Segundo ele, os carros estavam estacionados há mais de dois anos dentro de uma área de segurança, no estacionamento de veículos da Seplag, dentro do Centro Administrativo do Cambeba.

A Seplag afirmou que ao ter conhecimento da situação, afastou os dois colaboradores terceirizados, alvos da investigação.

A defesa de Denis, representada pelo advogado Túlio Magno, diz que as acusações lançadas sobre o empresário "são prematuras e irresponsáveis, porque produzidas sem a mínima chance de qualquer explicação". A versão da defesa é que Denis  "foi conduzido a erro pelo servidor público, que garantiu inexistir qualquer ilegalidade na aquisição das duas sucatas veiculares em questão, inservíveis e em desuso, sob a promessa de que em quinze dias todos os trâmites e formalidades lhe seriam repassados".

Os advogados do empresário Thiago Silva também disseram que o empresário "é inocente e provará no decorrer da instrução criminal. As defesas dos servidores detidos não foram localizadas pela reportagem.