Denúncias de maus tratos e torturas, cometidas por policiais penais contra detentos da Penitenciária Industrial Regional do Cariri (PIRC), em Juazeiro do Norte, chegaram ao conhecimento e são investigadas pela Corregedoria de Presídios, da Justiça Estadual, e pelo Ministério Público do Ceará (MPCE). A Secretaria da Administração Penitenciária (SAP) informou que ainda não foi demandada pelos órgãos fiscalizadores sobre os fatos, mas que iniciará "um processo de averiguação interna".
Conforme as denúncias recebidas pela reportagem, agressões têm se tornado frequentes na Unidade Prisional nos últimos meses. Uma série de torturas teria sido cometida no fim de outubro de 2021 e a outra, em janeiro de 2022, comandadas por três grupos de policiais penais. Pelo menos oito detentos ficaram feridos.
No último episódio, quatro internos teriam tido os dedos quebrados e um recebeu cerca de seis pontos na cabeça. Os agentes teriam entrado em duas celas, pedido para os presos se ajoelharem com as mãos na cabeça e iniciado as agressões. Os detentos precisaram ser socorridos para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
O mesmo "procedimento" teria acontecido em outubro último, quando três detentos de celas diferentes da PIRC teriam tido os dedos quebrados. Esse suposto 'modus operandi' dos policiais penais também já foi denunciado por detentos da Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Jucá Neto (CPPL 3), em Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), em 2019.
O Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) foi questionado pela reportagem sobre as denúncias oriundas do Cariri. Em nota, a 2ª Vara Criminal da Comarca de Juazeiro do Norte informou que "já recebeu a denúncia, por e-mail, na última sexta-feira (11/02), e que o caso já se encontra em apuração junto à Corregedoria de Presídios".
O Ministério Público do Ceará também confirmou, em nota emitida pelo promotor de Justiça Alcides Luiz Fonseca Lima de Sena, que a 10ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte - com atribuição na fiscalização extrajudicial da Penitenciária Industrial Regional do Cariri - recebeu, via e-mail, na última sexta-feira (11), denúncia que cinco internos "foram vítimas de agressões físicas praticadas, em tese, por policiais penais da Unidade Prisional".
De imediato, este órgão de administração instaurou procedimento preliminar para adoção das providências necessárias e urgentes quanto à obtenção e conservação de eventuais provas das agressões físicas, com encaminhamento à PEFOCE para realização de perícia. O procedimento tramitará inicialmente com acesso restrito, em razão do sigilo necessário nesta fase da investigação."
A Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará (OAB-CE)disse que, assim que tomou conhecimento da denúncia, agendou uma inspeção "para apurar a veracidade dos acontecimentos". Conforme a OAB, somente após inspeção será possível verificar quais as possíveis ações poderão ser tomadas.
A SAP, por sua vez, também em nota, informou que "repudia qualquer ato que atente contra a dignidade humana". "A Pasta ainda informa que trabalha com transparência e recebe inspeções rotineiras de autoridades do Judiciário, Ministério Público, da Defensoria Pública e até do Conselho Nacional de Justiça", acrescenta.
Por fim, a SAP informa que, até o fim da manhã desta segunda-feira (14), ainda não recebeu nenhuma demanda dos entes fiscalizadores sobre os supostos casos de agressão questionados pela reportagem, mas que, ainda assim, iniciará um processo de averiguação interna com suas equipes de inteligência e auditoria."
Casos de tortura no sistema penitenciário cearense têm sido denunciados nos últimos anos. Uma vistoria realizada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em presídios cearenses (inclusive na PIRC), em novembro do ano passado, tinha como um dos principais objetivos verificar essas denúncias. Os resultados preliminares das diligências indicaram tratamento "cruel e degradante" com os internos, superlotação, entre outros problemas.
Agressão no ano passado não se confirmou, diz MPCE
O Ministério Público do Ceará revelou que já investigou outra denúncia de agressão sofrida por um interno - que está na relação de detentos feridos nas sessões de tortura recebida pela reportagem - mas o crime não se confirmou. O MPCE desconhece as agressões sofridas por três internos em outubro do ano passado.
A denúncia de que um interno teve um dedo quebrado foi recebida pela 10ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte em 14 de setembro do ano passado - data anterior às agressões que teriam ocorrido no fim de outubro, conforme a denúncia recebida pelo Diário do Nordeste.
O MPCE afirma que, em setembro, "determinou a realização de exame de corpo de delito, naquela data, e o agendamento de audiência extrajudicial para oitiva do ofendido. O Laudo Pericial não constatou lesões à integridade física do interno, mas registrou relato de enforcamento na cela". E, ao final da apuração, constatou-se que o detento tentou suicídio dentro da cela, mas foi interrompido por outro interno.
Então, o promotor de Justiça solicitou à direção da PIRC a adoção das medidas necessárias para o fornecimento de tratamento médico adequado ao diagnóstico de depressão do preso.
Em resposta, a Unidade Penitenciária teria informado que não possuía clínica em psiquiatria e solicitou intervenção do Ministério Público junto à Prefeitura de Juazeiro do Norte, "com o objetivo de ampliar e melhorar o atendimento de custodiados da PIRC junto ao atendimento multidisciplinar especializado no Centro de Atenção Psicossocial de Juazeiro do Norte, cujas tratativas já foram iniciadas num trabalho conjunto com a 2ª Promotoria de Justiça de Juazeiro do Norte, que detém atribuição na defesa da saúde pública", segundo o MPCE.
Em paralelo a isso, o interno "foi transferido para outra Unidade Prisional no Estado do Ceará com a capacidade necessária para fornecer a devida assistência à saúde do preso", completa o promotor de Justiça Alcides Luiz Fonseca Lima de Sena.