Cirurgião plástico suspeito de erro médico no CE é réu na Justiça por tentar vender aparelho furtado

Aparelho de ultrassom veterinário, tombado pela UECE, foi oferecido pelo médico por R$ 11 mil pelas redes sociais

O médico cirurgião plástico José Dalvo Maia Neto, de 43 anos, acusado de erro médico por pelo menos 10 pacientes, é réu na Justiça Estadual por outro crime: receptação qualificada, por tentar vender um aparelho de ultrassom veterinário, tombado pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

A tentativa de venda se deu em 2 de abril de 2019. O Ministério Público do Ceará (MPCE) denunciou Dalvo Neto no dia 30 de maio daquele ano, e a 8ª Vara Criminal de Fortaleza aceitou a denúncia na íntegra, seis dias depois. O processo criminal está na fase de instrução processual, mas a primeira audiência - marcada inicialmente para 5 de agosto de 2020 - ainda não aconteceu.

R$ 11 mil
Conforme a denúncia do MPCE, um professor da UECE procurou a Polícia Civil do Ceará (PC-CE) para denunciar que um equipamento tombado pela Universidade tinha sido colocado à venda, em um grupo de médicos veterinários em uma rede social, pelo valor de R$ 11 mil.

O denunciante afirmou à Polícia que o aparelho de ultrassom e duas sondas, de propriedade da Universidade Estadual do Ceará, foram furtados de um veículo de uma aluna, após arrombamento, na Praça da Gentilândia, no bairro Benfica, em Fortaleza, no dia 15 de fevereiro de 2019.

A equipe policial iniciou conversas com o denunciado que se identificou como médico e ofereceu o citado equipamento, tendo ficado ajustado a conclusão da negociação para o dia 04 de abril de 2019, no consultório do delatado, às 14h."
Ministério Público do Ceará
Em denúncia

Os policiais civis do 11º Distrito Policial se deslocaram para o consultório e verificaram que o equipamento era de propriedade da Universidade e tinha, inclusive, um selo de tombamento. O suspeito foi levado à Delegacia e autuado em flagrante por receptação qualificada.

Interrogado, Dalvo Neto alegou que "pertence a um grupo de compra e venda de produtos na cidade de Fortaleza e, no dia 07 de março de 2019, um indivíduo cuja identidade alegou desconhecer, lhe ofereceu o citado aparelho ultrassom pelo valor de R$ 3.000,00", segundo o MPCE. O negócio acabou sendo fechado por R$ 2,4 mil, e, diante do alto valor de venda do equipamento, o médico decidiu revendê-lo. Dalvo afirmou ainda não ter percebido a placa de tombo da UECE.

No processo, a defesa do cirurgião plástico pontua que "a conduta colaborativa do ora defendente possibilitou que a Polícia Civil localizasse o grupo que havia comercializado o equipamento para o ora defendente e prendesse os mesmos em flagrante com outros produtos provenientes de crimes".

Com efeito, da análise dos autos, verifica-se que o ora defendente é médico cirurgião plástico, não exercendo, ainda que de forma irregular ou clandestina e, muito menos, habitualmente, qualquer atividade profissional voltada para o ramo do comércio ou indústria. Desta forma, resta clarividente que não há como imputar a figura típica da 'receptação qualificada' ao ora defendente, uma vez que é um crime próprio para comerciantes ou industriais, atividade que nunca foi exercida pelo delatado."
Defesa do médico Dalvo Neto
No processo criminal

Procurada, a defesa de Dalvo Neto enviou nota em que destaca que "em relação aos fatos, no curso do processo, ficará devidamente comprovada a inexistência de qualquer ato ilícito. Importante ressaltar, que conforme consta dos autos, o médico colaborou integralmente com as autoridades, possibilitando a identificação e prisão dos verdadeiros responsáveis pelo crime". 

Investigação por lesão corporal

Pelo menos dez mulheres denunciam complicações graves após a realização de cirurgia plástica com um médico cearense. Dalvo Neto atende em um consultório no bairro Aldeota, em Fortaleza, e nega ser responsável pelas sequelas. 

A situação das mulheres foi revelada em reportagem do Fantástico neste domingo (10). O dominical ouviu relatos de pacientes que mostraram seus corpos deformados após procedimentos como prótese nos seios e abdominoplastia. 

"O meu umbigo necrosou logo de início. Ele pegou uma tesoura no consultório dele e abriu meu umbigo. Ele costurou, deu uns pontos mesmo e ficou horrível, vou levar a marca para o resto da minha vida".
Flaviane Cristina Gadelha
Empresária

Outra paciente, que pediu para não ser identificada, falou sobre sequelas permanentes, incluindo psicológicas.

"Eu me sinto mutilada, não só o meu estético, o meu emocional, o meu psicológico está muito abalado. Com cinco dias de operada eu cheguei a reunir os meus filhos para me despedir deles. A minha cirurgia ficou toda aberta com poucos dias. Em novembro eu resolvi ir às redes sociais falar porque antes disso eu conheci outras vítimas", relata.

Dalvo Neto é alvo de inquérito policial na Polícia Civil do Estado do Ceará (PC-CE). Em entrevista ao programa, o médico negou as acusações e pontuou que a maioria dos casos ocorreu por falta de cuidado das mulheres após a cirurgia. 

“Não me considero responsável e nem culpado. O que aconteceu foi uma política de disseminação de ódio nas redes sociais”, diz o cirurgião.

Neto pontua que já tem mais de 3 mil cirurgias de sucesso e comenta que “dói muito” ver a situação de pacientes que evoluem para processos de infecção e necrose. “Não oferecemos 100% de eficácia, mas posso garantir que estou sempre do lado delas quando precisarem”, explica.

Pedidos de indenização

Por causa das sequelas, parte das pacientes entraram com ações judiciais de indenização e oficializaram denúncias sobre o caso delas para o Conselho Regional de Medicina (Cremec).

Segundo o advogado Caico Borelli, o parecer técnico deixou evidente que "não há dúvidas em relação à ocorrência do nexo de causa entre as lesões vistas ao exame físico, psiquiátrico e o procedimento cirúrgico". 

Com essa conclusão, as pacientes conseguem entrar com uma "ação pleiteando a indenização para confirmar que houve um erro médico", conclui Borelli.

Sociedade se posiciona

Em nota após a repercussão da reportagem do Fantástico, a regional cearense da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica (SBCP) afirmou que Dalvo Neto é "membro titular" da entidade e "seguiu todas as etapas de formação da nossa sociedade médica". 

"O colega atua há mais de 10 anos na profissão e não há nada que o impeça de exercer a função de cirurgião plástico", diz a nota. A entidade ressalta que, "como em qualquer outro procedimento, cirúrgico ou não, complicações podem ocorrer" após as cirurgias plásticas.

"Entendemos que as redes sociais e a mídia em geral são importantes meios de comunicação, entretanto postagens ou mesmo reportagens não conseguem mostrar os detalhes necessários para o julgamento completo de um caso. Reforçamos a importância de que a melhor forma e análise dos casos seja feita pela Justiça e os Conselhos Regional e Federal de Medicina", defende a SBCP.